Por Gary
Chartier
Ser um
libertário significa oposição ao uso da força para restringir
trocas pacíficas e voluntárias. Isso não significa que deveríamos
entendê-la como um apoio ao capitalismo.
Se essa
frase faz algum sentido depende, é claro, do que se pretende dizer
com “capitalismo”. Para algumas pessoas, talvez, o termo se
refere apenas à livre troca. E se é tudo o que você quer dizer
quando fala sobre “capitalismo”, você está certo que não
existe conflito entre o que está falando e um libertário sensato.
Mas
as pessoas frequentemente têm outros julgamentos sobre essa palavra
em mente quando a empregam. Por exemplo: a mídia impressa e digital
mainstream
usa
regularmente “capitalismo” para se referir ao “sistema
econômico que temos agora”. E é relativamente comum ouvir
“capitalismo” empregado como um sinônimo para “dominância dos
locais de trabalho e da sociedade feita pelos capitalistas – pelos
donos de recursos capitais sólidos”. Princípios libertários como
os que eu defendo não envolvem apoio ao capitalismo em nenhum desses
dos dois casos.
Até
um certo nível muito significante,
o sistema econômico que temos hoje é um em que as trocas pacíficas
e voluntárias estão ausentes. Uma rede entrelaçada de privilégios
legais e regulatórios beneficia os ricos e os bem conectados às
custas de todo o resto (pense nas patentes e direitos autorais,
tarifas, restrições bancárias, regras de licenciamento
ocupacional, restrições ao uso da terra, etc.). O complexo
militar-industrial afunila quantidades inacreditáveis de dinheiro –
sob a mira de uma arma – dos bolsos das pessoas comuns para contas
bancárias de empreiteiras e de seus camaradas. Subsídios de todos
os tipos alimentam uma rede de privilégios a empresas e a
organizações sem fins lucrativos. E o Estado protege títulos de
propriedades tomadas a força ou concebidos por decretos arbitrários
distribuídos para indivíduos e grupos favorecidos. Não, a economia
dos EUA, Canadá, Europa Ocidental, Japão, e Austrália, pelo menos,
não são centralmente planejadas. O Estado não proclama propriedade
formal dos (da maioria dos) meios de produção. Mas o envolvimento
do Estado em múltiplos níveis em garantir e reforçar os
privilégios econômicos torna difícil de descrever o sistema
econômico atual como livre. Então se “capitalismo” dá nome ao
sistema que temos agora, qualquer um que defenda a liberdade tem boas
razões para ser cético em relação ao capitalismo.
Os
privilégios que marcam a ordem econômica existente, seja lá como a
chamamos, são desproporcionalmente vantajosos para aqueles com mais
influência política e com maior riqueza. E essa rede de privilégios
preservada pelo Estado tende de várias formas a aumentar os
privilégios dos capitalistas nos locais de trabalho. Com relação
ao local de trabalho: privilégios garantidos pelo Estado reduzem a
possibilidade de auto emprego (ao aumentar os requisitos de capital
e, caso contrário, aumentando os custos de entrada, enquanto
simultaneamente reduz os recursos que pessoas poderiam usar para
começar e manter seus próprios negócios). Ele também impõe
restrições nas atividades de sindicatos que reduzem a capacidade
dos trabalhadores de negociarem efetivamente com seu empregador. Ao
reduzir as alternativas do trabalhador assalariado e as oportunidades
coletivas de negociação dos trabalhadores, o Estado
substancialmente aumenta a alavancagem do empregador. Resumindo: a
dominação dos locais de trabalho e da sociedade por “capitalistas”
é incompreensível em qualquer aspecto da sua forma atual sem
atenção a perversidade do Estado. Novamente, se isso é
“capitalismo”, proponentes da liberdade não têm razões para
abraçá-lo.
É
certamente concebível que alguém poderia argumentar que, enquanto
“capitalismo” é frequentemente usado como um fenômeno social
questionável, é também empregado tão frequentemente quanto para
um sistema econômico em que a liberdade é realmente central. Eu não
estou certo sobre quais são as proporções relevantes ou qual peso
deveria ser atribuído a instâncias particulares do uso de
“capitalismo” de um jeito ou de outro. Estou bem certo, no
entanto, que seu uso negativo esteve presente por um longo tempo
(“capitalista” em uma maneira pejorativa foi empregada por
entusiásticos defensores do livre mercado como Thomas
Hodgskin na
primeira metade do século XIX) e é muito comum hoje em dia.
Realmente, de forma muito frequente, eu temo quando “capitalismo”
é empregado de maneira positiva, ele é usado como o conceito do
“pacote” (assim como Roderick Long enfatizou
prestativamente)
que de alguma forma significa “livre troca” e também o “status
quo”, ou o “domínio dos capitalistas”, ou os dois. Enfim, está
contaminado. E quando pessoas nas ruas de países em desenvolvimento
proclamam sua oposição ao “capitalismo” – significando, na
verdade, não a liberdade genuína, mas uma dominância imperial
pelos Estados Unidos da América e seus aliados – eu acho que é
vital para os libertários serem capazes de esclarecer que o sistema
de opressão estatal que os manifestantes estão falando não é o
que os partidários da liberdade defendem.
Contribuidores
das páginas editoriais do Wall Street Jornal, comentadores no Faux
News [Apelido
para Fox News], e (outros) porta vozes da elite política e econômica
podem continuar usando “capitalismo” para seja lá o que eles
favoreçam. Eles não são aliados naturais dos libertários, e não
há uma razão consistente para que os libertários se comportem como
eles. Apoio ao livre mercado (ou mercado liberto) é bastante
consistente com o entusiástico anticapitalismo.
Tradução
de Lucas Senra. Revisão de Adriel Santana. Artigo
original
Gary William Chartier é jurista e professor de Direito e Ética Empresarial na "La Sierra University" em Califórnia, EUA. Autor dos livros "Anarchy and Legal Order" e "The Conscience of an Anarchist", é membro sênior do instituto "Center for a Stateless Society (C4SS)".
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