sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Capitalismo: Uma Palavra Boa Para Uma Coisa Ruim



Por Kevin Carson

O editor do The Freeman, Sheldon Richman, falando no George Mason University, levantou a questão sobre o que os libertários convencionais querem dizer quando chamam um país de “capitalista”. O que ilustra um país como “capitalista”?

Muitos países com índices relativamente baixos de liberdade econômica (incluindo aqueles classificados como “na maior parte não-livre”) são convencionalmente considerados “capitalistas”, e referenciados como tais no agitprop neoliberal comparando-os, de forma favorável, a países não-capitalistas como Cuba. E os âncoras na CNBC e escritores da imprensa corporativa geralmente se referem a “nosso sistema capitalista”, apesar de que isso nem sequer se aproxima, de forma remota, a um livre mercado.

Assim, no uso comum entre libertários do establishment e daqueles que se passam por crânios-de-ferro do “livre mercado,” qualquer país que não tenha adotado o socialismo marxista como sua ideologia oficial é “capitalista”.

Baseado nessas observações, Richman conclui que “capitalismo”, na prática, “designa um sistema em que os meios de produção são, de fato, possuídos de forma privada.”

Curiosamente, Murray Rothbard relata uma anedota em que Ludwig von Mises elaborou essa distinção, ou algo muito parecido com isso, explícita. Ele perguntou para Mises: "dado que existe certa variação de possíveis graus de estatismo, do estatismo total ao mercado totalmente livre, e dado que nenhum país se aproxima tampouco do total, o que você considera como a característica definidora que divide essencialmente sociedades capitalistas de essencialmente não-capitalistas?" A resposta de Mises: "a existência de um mercado de ações. Uma sociedade com um mercado em favor de bens de capital é essencialmente capitalista".

Como já apontei no passado – um ponto onde Richman se refere o seu discurso – é um tanto curioso que o “capitalismo” fosse adotado como o termo convencional para uma sociedade baseada na propriedade privada e na livre troca. Não há nenhum motivo óbvio, na procura de um nome para uma economia em que todos os fatores de produção sejam ostensivamente iguais e se estabeleçam em livre contrato como iguais, do qual o capital deveria ser distinguido, em especial, para ênfase específica. A escolha do “capitalismo” sugere alguma agenda ideológica específica, como se o sistema funcionasse pelo e para o capital como distinguido de outros fatores de produção.

A suposição não declarada incluída em chamar um país “economicamente não-livre” e também capitalista, é esta: um país não-livre economicamente só deixa de ser capitalista quando a falta de liberdade econômica interfere na capacidade das pessoas ricas de se tornarem mais ricas a partir dos rendimentos sobre a terra e o capital. Contanto que a falta de liberdade econômica essencialmente limita a liberdade do pobre fugir da pobreza, embora o rico esteja apto a enriquecer a si mesmo no modelo do United Fruit Company, da Guatemala, ou dos clientes do Jack Abramoff, nas Ilhas Marianas, ele recebe o selo de aprovação capitalista Good Housekeeping.

A resposta de Mises a Rothbard, anteriormente – além de confundir um “mercado para bens de capital” com um mercado de investimentos financeiros em empresas – sugere que, sem importar o quão não-livre economicamente, um país em que a maioria das empresas comerciais seja possuída de forma absenteísta por proprietários de riqueza concentrada, e que a maior parte do trabalho seja contratada por salários por esses proprietários absenteístas, passa a ser chamado como “capitalista.” De forma presumível, um país em que a riqueza esteja, de forma tão ampla, distribuída e o emprego autônomo e a propriedade cooperativa sejam, assim, formas básicas de organização, de modo que o comércio de ações seja de importância marginal, iria ser posto no lado “socialista” da linha de Mises – mesmo que não houvesse restrições regulamentárias das transações de tudo quanto sobre o mercado de câmbio e o livre movimento de preços.

Esse é um conjunto bem notável de prioridades: o “capitalismo,” por oposição ao “socialismo,” não é definido pelo grau de liberdade econômica como tal. É definido por uma estrutura institucional particular, no qual está, de modo desproporcional, à benefício de uma classe particular de agentes do mercado.

Como evidência de que algumas formas de falta de liberdade importa mais do que outras, consideremos a propensão de alguns direitistas por dizer “o autoritarismo político de Pinochet foi lamentável, mas pelo menos ele tornou o Chile mais livre economicamente”. Não tem importância questões “menores”, como se anular uma reforma agrária e devolver a terra das pessoas que trabalharam nela para uma oligarquia fundiária estivesse a um passo em direção a “liberdade econômica.” Apenas considere a repressão autoritária de Pinochet do movimento trabalhista: se tivessem sido os donos do capital, e não os vendedores de força de trabalho, que tivessem sido torturados e desaparecidos, ou encontrados em valas com seus rostos desfigurados, eu duvido que eles teriam dito a mesma coisa. É uma estranha diferenciação tratar a repressão dos donos de um fator de produção como economia, mas dos donos de outro fator como apenas “política.”

Essa hipótese subjaz à maioria dos comentários de “livre mercado” convencionais na imprensa corporativa e nos canais de noticiário corporativo: mesmo quando eles explicitamente se referem ao “nosso sistema de livre mercado” em tantas palavras, sem dúvida eles querem dizer a um sistema no qual a maioria das empresas comerciais seja nominalmente “privada.” Não importa o quão estatista um sistema de regulamentações, na realidade, seja, contanto que sejam exercida primeiramente por agentes “privados”, e que a maioria do dinheiro passe pelas mãos de tais agentes “privados” e não pelo Tesouro dos Estados Unidos, então há de ser um sistema de “livre mercado.” Consequentemente, o tipo de agenda de “livre mercado” que se vê em locais como os institutos Heritage e Adam Smith Institute para “privatizar” funções governamentais a fim de contratá-las para “empresas privadas”, mesmo quando essas empresas sejam afiançadas por um lucro às custas do pagador de impostos.

E, a propósito, aqueles que alegam tudo isso como uma forma de jogo sujo semântico deveriam lembrar de que Mises e Rand foram responsáveis, a partir da década de 1920 em diante, pela reabilitação deliberada do “capitalismo” como um termo de apologética pró-mercado. Antes da época de Mises, “capitalismo” era usado por economistas políticos convencionais para descrever o sistema atual de economia política do qual eles viviam – isto é, o capitalismo histórico.

Capitalismo,” em suma, é termo mais honesto para o mercado não-livre sob o qual vivemos. É um sistema por e para os donos do capital; contanto que mantenha que a característica principal, seja “capitalista”, não importa o quão não-livre seja o mercado.

Traduzido por Rodrigo Viana


Kevin Carson é um anarquista individualista e teórico mutualista contemporâneo cujos trabalhos incluem "Studies in Mutualist Political Economy", "Organization Theory: A Libertarian Perspective" e "The Homebrew Industrial Revolution: A Low-Overhead Manifesto", todos disponíveis online. Ele é associado sênior do instituto Center for a Stateless Society (c4ss.org).

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