Texto
retirado do livro “Serviço obrigatório para a mulher? Recuso-me. Denuncio!”. Fevereiro de 1933.
Por
Maria Lacerda de Moura
Sem
Pátria, sem Fronteiras, sem Família e sem Religião... “Afirmando”
a Humanidade, tenho que “negar a Cidade”... Fora da Lei: recuso
os direitos de Cidadania. O Estado, como a Igreja, são de origem
divina... Patriotismo, nacionalismo, fronteira, pavilhão nacional
são corolários. Ídolos vorazes, os Deuses dos exércitos e dos
autos de fé exigem vítimas de massa.
A
minha família sou eu quem a escolhe.
A
Lei impede o direito da escolha e os costumes solidificam as leis.
A
Lei nada tem que ver com as minhas predileções afetivas.
Aliás,
podemos definir a Lei como as palavras de Rafael Barret: “A
Lei se estabelece para conservar e robustecer as posições da
maioria dominante; assim, nos tempos presentes, em que a arma das
maiorias é dinheiro, o objeto principal das leis consiste em manter
inalterável a riqueza do rico e a pobreza do pobre”.
A prova cabal está na queima do trigo, do café, da superprodução
– quando há no mundo 75.000.000 de famintos sem trabalho: para
manter o preço alto das mercadorias; em benefício, não do
produtor; mas; do capitalista, que se apoderou do produto –
inutiliza-se o trabalho do produtor e deixamo-lo a braços com a
miséria e a falta de ocupação.
Uma
sociedade capaz de organizar perversamente, legalmente, de tal modo,
os costumes bárbaros de acumular riquezas á custa da fome, é de
tal requinte de crueldade que não merece absolutamente nenhuma
concessão.
Sejamos
objetores de consciência agora que, no Brasil, discutem-se os,
projetos de uma Constituição moderníssima, tocando as raias do
fascismo...
Porque,
se para as trincheiras, é feita a seleção (as avessas!) e são
escolhidos os fortes e jovens – para os serviços militares da
retaguarda, nas próximas guerras de extermínio, serão todos
aproveitados – homens, mulheres, velhos, enfermos e crianças.
E
não façamos como os padres e religiosos congregados que organizam
batalhões e os mandam para as, trincheiras, conservando-se, aliás,
prudentemente, a distância e, depois, recusam-se ao serviço militar
obrigatório, sob a alegação de motivo de crença religiosa...
Não
nos apoiemos em nenhuma espécie de muletas e muito menos na muleta
de qualquer religião – revelada ou positiva.
Sejamos
objetores de consciência – pôr humanidade. Contra a tirania.
Contra a crueldade. Contra a violência. Contra a Autoridade. Contra
todo e qualquer despotismo. Contra a tirania da força armada para a
defesa do Estado – que é o partido dos que estão de cima.
"A concepção fascista do Estado é de um ser com direito a tudo, de origem divina.O indivíduo é absorvido pelo estado: é apenas número, elemento, material humano. É a nova concepção do Estado não só fascista como bolchevique."
Caminhamos,
também nós, no Brasil, para o Fascismo cruel e teatral. Ainda há
pouco (12 de Dezembro de 1932), no banquete oferecido ao General Góes
Monteiro, o herói do dia se refere a “famosa” entrevista de
Mussolini a Ludvig: “A
organização militar é uma síntese da organização nacional. Sem
nação organizada e disciplinada não pode haver Exército. Sem
Exército não pode haver soberania. Sem soberania, não há Estado”.
E
o General Góes Monteiro acrescenta que a tendência da Constituição
política brasileira deve orientar-se incessantemente para a unidade
total, política social, moral, jurídica, econômica e espiritual”.
É
a disciplina a que se refere Mussolini . : A “ação integralista”.
. E mais, diz o General Goés Monteiro: “Toda
liberdade concedida contra os interesses do Estado será um foco de
onde podem brotar germes perigosos. Toda liberdade para fortalecer a
segurança do Estado é um bem para a coletividade que deve viver sob
permanente equilíbrio social – o que só a justiça incorruptível
alcançará, guiada pelo senso das nossas realidades e necessidades”
(O Estado de São Paulo – 13/12/1932).
A
concepção fascista do Estado é de um ser com direito a tudo, de
origem divina.
O
indivíduo é absorvido pelo estado: é apenas número, elemento,
material humano. É a nova concepção do Estado não só fascista
como bolchevique.
Diz
um artigo de Roger Crosti em “L’Europe Nouvalle” sobre a
concepção fascista de Estado: “Para
os teóricos do Fascismo, como o Sr. Giovanni Gentile ou o próprio
chefe de governo, o Estado é uma atividade moral, uma realidade
ética, programa, missão, espírito”.
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Também
nós, desgraçadamente, caminhamos para o Fascismo tragicômico.
Já
temos uma polícia especializada. Já temos a “Carta del Lavoro”
e o Ministério... policial do Trabalho. Vamos ter voto obrigatório
para homens e mulheres. Teremos o “serviço militar obrigatório
total”, isto é – para ambos os sexos!
Recuso-me.
Denuncio.
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Maria Lacerda Moura foi professora e ativista libertária. Defensora do anarquismo individualista, seus trabalhos eram centrados em temas como o feminismo, a educação e o anarquismo.
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