Escrito
por Anna Morgenstern
Uma
das coisas que torna as polêmicas políticas diabolicamente difíceis
e geralmente desviante de modo desonesto é de que as máquinas de
propaganda da sociedade estatista evacuam o contexto e evisceram o
conteúdo, a fim de desinformar-nos e manipular-nos. Ou seja, os
eventos nos são dados num vácuo, contra um campo de hipóteses
ideológicas implícitas, mas nunca evidentes. Uma vez aceitemos esse
vácuo, estamos em um prejuízo para entender o que realmente
acontece e, pois, o que fazer a respeito, seja tática ou
estrategicamente. Esse plano de fundo de hipóteses também
constrange nossas possibilidades conhecidas, tornando difícil
escolher coerentemente quer meios ou fins, no curto ou longo prazo. E
dado que as hipóteses estão habilmente incorporadas, elas raramente
são contestadas. Poder-se-ia chamar isso de mito do não mito.
Em
geral, esse mito é habilmente trabalhado com aparentes contradições,
mas sempre levando-nos em alguma direção de que ajudará a classe
dominante, na base do “cara eu ganho, coroa você perde”. Um
olhar sobre as eleições presidenciais dos Estados Unidos dos
últimos 30 anos ou mais é um exemplo quase óbvio demais. De um
lado sempre tem um sujeito corporativista, militarista, socialmente
conservador que é devedor de favores a Wall Street… e então, aí
está o candidato do Partido Republicano.
Sim,
estado da Virgínia, há diferenças entre a “esquerda” e a
“direita” oficial. Essas diferenças, todavia, ficam “divididas”
de tal modo que um segmento da classe dominante se beneficia
independentemente de quem você apoie. Eu tendo pessoalmente a
preferir a tirania econômica indireta à tirania pseudorreligiosa de
controle do prazer, e suspeito que a maioria de vocês também
preferem, sendo vocês os devassos sem ambição que conheço e amo.
Ainda assim nada há para se comemorar. A outra vantagem para os
nossos pretensos senhores da criação das duas “alas”
incoerentes e contraditórias em si própria é que, numa democracia,
eles tendem a revezar-se na administração das coisas, de maneira
que cada facção da classe dominante tem suas chances em ser mais
favorecidas. Há guerra nos céus, mas você não está convidado
para o jantar da vitória. Você pode até *ser* o jantar da vitória,
de um modo ou de outro.
Tanto
quanto eu posso dizer, os dois maiores problemas sociais que temos na
sociedade estatista são Guerra e Pobreza. E, como seria de esperar,
raramente esses problemas são tratados diretamente.
Quase
todos os “problemas” sociais que o mundo enfrenta hoje são um
resultado direto ou indireto da pobreza. A falta de acesso a água
potável, falta de acesso a cuidados de saúde, crime, até mesmo
poluição estão, todos, relacionados com a pobreza. E as
“soluções” políticas que são oferecidas são programas tipo
colcha de retalhos de quebra-galhos que aliviam um ou mais dos
sintomas de pobreza, mas são projetados para fazer o mínimo
possível para reduzir a pobreza em si. Muitos deles criam muito mais
pobreza no longo prazo, gerando todos novos problemas para a classe
dominante “resolver”. Ao advogar uma solução política para
qualquer desses microproblemas fora de contexto, você está jogando
nas mãos da classe dominante que diz, à maneira de Agostinho:
“Eliminemos a pobreza, mas não ainda”. A interpretação mais
caridosa do esquerdismo político poderia dizer que a esperança é a
de que, dando-se pouco a pouco poder ao povo, ele poderá reverter o
estrangulamento da classe dominante sobre a economia de forma
gradual. Como, todavia, observou a respeito da escravidão William
Lloyd Garrison: “O gradualismo na teoria é perpetuidade na
prática”. A ideia de “onerar os ricos” é sem sentido. Os
ricos nunca irão se onerar. Não pode haver um estado no qual a
classe dominante aja contra seus próprios interesses de modo total e
consistente.
Na
verdade, há na esquerda política oficial, muito pouca
sensibilização ou apoio para políticas que prejudicariam
diretamente a elite corporativista, mediante tirar seus subsídios e
privilégios. O raciocínio ou justificativa parece ser que
“precisamos dos ricos para formar uma base tributária a ser usada
para ajudar os pobres”. A ironia seria hilária, não fosse pelas
implicações concretas.
O
resultado inevitável, naturalmente, é que a classe dos pobres se
expande enquanto a classe média fica espremida e, finalmente,
torna-se “caro demais” manter todos os programas que mantém o
pobre confortável e “medidas de austeridade” são tomadas.
Então, quando o pobre naturalmente se rebela, a ala oficial da
“direita” vai tagarelar acerca de como o pobre deseja se
aproveitar da classe média, e estão dispostos a tomar medidas
violentas para tanto. Ou o quê? Morrer de fome? Viver em miséria
abjeta? Bem, está certo, Chefe. A “direita” adora falar acerca
da moralidade da propriedade privada, mas na verdade não é sincera.
Os ricos não têm respeito pela propriedade privada das classes
pobre e média. Usam isso como um pretenso porrete contra os pobres
forçados à miséria e contra a classe média que naturalmente
deseja um pedaço dos espólios da pilhagem estatista. Quando, porém,
seus próprios interesses são ameaçados, bem, então são todos a
favor de socorros financeiros e empréstimos garantidos pelo governo
e coisas do tipo. Toda a justificativa para a existência do banco
central (ou quase um banco central, como na Lei Nacional dos Bancos
(National
Bank Act)
, muito antes do vil Federal
Reserve existir,
ou da frequente “suspensão dos pagamentos em espécie” antes
disso) é pura e simplesmente “assistencialismo” para os ricos.
Proteger o sistema bancário de falência sistêmica significa
permitir aos bancos emprestar o que é, essencialmente, dinheiro
roubado para pessoas ricas para empreendimentos arriscados a que elas
não ousariam lançar-se com suas próprias economias. Não há outra
maneira de um banco poder falir, mas isso nunca é explicado desse
modo.
“Propriedade
Intelectual” é outra forma de protecionismo para os ricos à custa
da propriedade real das classes pobre e média. Eles querem dizer a
você o que você pode fazer com sua própria propriedade,
argumentando serem donos do conteúdo e das ideias embutidas nessa
propriedade. Pois eles dizem isso, e tem advogados, armas de fogo e
dinheiro.
A
pergunta a ser feita é “em vez de (fingir) combater todos esses
problemas sociais associados à pobreza, por que simplesmente não
acabamos com a pobreza?” Um homem em situação confortável não
pode ser economicamente coagido. Isso, porém, é exatamente aquilo
de que a classe dominante tem medo. Eles preferem ser bilionários
num mundo com pobreza maciça do que ser trilionários num mundo sem
pobreza porque, neste último, eles serão apenas outra pessoa a quem
ninguém deve nada, de quem ninguém precisa particularmente. Eles
desejam sentir-se importante, querem que você dependam dele. Querem
que políticas econômicas a qual beneficia os negócios dos ricos
para resultar em benefícios para os pobres seja verdade, e eles vão
matar milhões de pessoas para assegurar que assim seja.
O
que nos traz ao outro problema importante, a Guerra. A guerra se
conclui em três objetivos principais para a classe dominante.
Primeiro, destrói excesso de capital e de trabalho fora do jardim
murado dos que estão por dentro. Segundo, é um meio de coagir
membros renegados da classe dominante que decidam afastar-se demais
das regras básicas aceitas implicitamente do jogo. Terceiro,
mobiliza, dentro do país, apoio à classe dominante. Os membros
desta podem justificar mais intrusão e incursão nos assuntos comuns
de “seus” cidadãos durante tempo de guerra, argumentando
tratar-se de situação de emergência, e que essas medidas são para
o bem dos cidadãos como um todo.
São
os dois primeiros desses benefícios que levaram o General Smedly
Butler a declarar em seu livro “War is a Racket” (A guerra é uma extorsão, tradução livre).
É o terceiro benefício que levou Randolph Bourne a declarar “A
Guerra é a Saúde do Estado” (War
is the health of the State).
O fato é que as pessoas comuns não se beneficiam da guerra, mesmo
quando seu governo específico “vence”. Algumas delas vão
morrer, todas elas vão pagar, tanto diretamente por meio de aumento
de tributos quanto, mais comumente, indiretamente por meio de “gastos
deficitários” que se transformam em inflação monetária, a mais
regressiva forma de tributação (eis porque a “direita” política
a prefere à tributação direta). Por cima disso, sofrem a
devastação moral de serem estupeficadas pela matança de milhares
ou até milhões de pessoas.
Portanto,
se soluções políticas não podem superar a devastação global da
pobreza e da guerra, o que pode superar? A autonomia pessoal é o
único modo de podermos minar e derrubar a classe dominante.
Você
não pode simplesmente levantar-se e mudar o sistema. O que pode
fazer, porém, é subvertê-lo. Se pessoas o suficiente subverterem
as coisas por muito tempo, o sistema muda de fato. Para fazer isso,
você tem de parar de comprar a ideia de que o sistema, como tal, é
legítimo, que ele pode reivindicar
direitos
sobre o seu comportamento. Subversão, sedição e sabotagem. Ação
direta em busca de seus objetivos. Isso não apenas traz resultados
como possibilita a você viver de novo como ser humano. Você será,
se não completamente livre, liberto da armadilha imoral de jogar
fora sua vida tentando convencer a classe dominante a ir contra os
próprios interesses dela.
Anna O. Morgenstern é anarquista e escreve em seu blog "Tranarchism". Seus interesses incluem história econômica, psicologia social e teoria de organização voluntária.
Traduzido
por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.
Revisado
por Rodrigo Viana.