Por
Rodrigo Viana
No
fantasioso mundo econômico da corrente principal do liberalismo,
e até mesmo entre aqueles que se mostram
mais progressistas, defender as chamadas "fábricas de suor" (do
inglês sweatshop) em
países de terceiro mundo e
o tipo de empreendedorismo que isto acarreta é visto, às vezes,
como algo quase que “sacrossanto”.
Afinal,
que outra coisa senão o lucro do "pobre coitado do patrão"
poderia possibilitar aquele tão sonhado emprego ao trabalhador?
Coitado do capitalista, “tão explorado” quanto o trabalhador por
esse horrendo ser chamado estado. Oh, o que seria desse trabalhador
se não fosse a gana desse simpático e bonachão patrão, não é
mesmo? Alguém que sai de um país qualquer para empreender seu
lucro honesto[sic] num país pouco
desenvolvido e com tamanha adversidade, só pode ser alguém
iluminado tal pessoa!
Ironias
à parte, fato é que defender fábricas de suor torna-se um discurso
abjeto e infundamento quando visto de maneira global, pois resulta na
defesa de uma economia "tão livre" quanto o neoliberalismo
de Pinochet.
Mas
o que seria então uma fábrica de suor? Bem, fábrica de suor é um
conceito que descreve um ambiente de trabalho em condição extremamente
desfavorável ao trabalhador. Geralmente, o trabalho nesses
lugares é exercido de modo muito dificultoso, perigoso e pago
com salário desproporcional. Salários de fome, extensas horas de
trabalho e trabalho infantil são características comuns. Tais
condições existiram de forma muito ampla nos atuais países
desenvolvidos durante o surgimento do capitalismo e se faz presente
em países subdesenvolvidos.
Há
algumas semanas atrás a mídia em geral noticiou um caso incomum,
mas não novo, de trabalhadores chineses
pedindo ajuda, por meio dos próprios produtos fabricados, aos consumidores sobre a
situação em que estes trabalhadores se encontram. O assunto
repercutiu e várias agências de notícias do mundo relataram o
caso. Vale lembrar que estas condições sub-humanas também se
encontram no Brasil, como nos diversos casos relatados de imigrantes bolivianos trabalhando em precariedade em
indústrias têxteis.
Diante
dos argumentos que venho lendo desses liberais (veja aqui e aqui)
e até de neoliberais, como Paul Krugman,
a respeito da defesa deles às condições calamitosas no terceiro
mundo, todos eles tendem a seguir a argumentação da preferência de
cada indivíduo como corolário ao fato de que os trabalhadores
estariam supostamente optando pela melhor escolha para si. O problema
dessa linha argumentativa é que, colocada abaixo de outras teorias
políticas e análises históricas dos
quais estes grupos não estão muito familiarizados, ela não se
sustenta. Para entender o por quê disso devemos compreender o
contexto em que as grandes empresas se inserem nesses países mais
pobres.
As
fábricas de suor tendem a se apresentar em sociedades
onde a atividade comercial já está amplamente sob controle e
regulada. E uma vez sob controle, o capitalista tem a oportunidade de
fixar o preço que quiser na compra do trabalho alheio para se
beneficiar numa range maior, de modo que atraia o trabalhador que
antes estava em outro ofício. Quer dizer, estipular um valor x, em
um mercado aparelhado, o bastante para apenas atrair esse trabalhador
de modo que fique "refém", totalmente dependente deste
emprego. Sem nenhuma outra opção de fato. Isso geralmente ocorre
pelo fato do capitalista ter acesso à determinadas informações,
muitas vezes antes de sua própria empresa se adentrar na economia
local, que é o que normalmente acontece em tratados comerciais
envolvendo burocratas e/ ou CEOs. Ao qual pode ser dado informações
valiosíssimas para o capitalista ter noção do seu empreendimento
perante o cenário econômico, como o número certo de concorrentes
(ou a inexistência deles), regulamentações existente (ou futuras)
ou possíveis políticos que representem seus interesses
corporativos.
Por
outro lado, quando uma empresa já estabelecida contrata
trabalhadores, estes normalmente não possuem informações prévias
necessárias de como realmente será o ambiente de trabalho em que
eles exercerão seus ofícios. A escolha do trabalhador, na maioria
das vezes, é feita no escuro pois as próprias corporações buscam
eliminar o vazamento dessas informações. Sobretudo quando, de fato,
há características de um ambiente de trabalho exploratório, pois
tais informações podem chegar em sociedades onde não existam tais
condições de trabalho, onde geralmente é visto com ojeriza pela
população destes locais mais avançados, podendo sofrer até
pressões populares.
Outro
ponto é a globalização das regras de funcionamento econômico que
o capitalismo gerou no mundo. Ao empreender em um determinado país,
o capitalista já se vê favorável diante de um sistema que o
privilegia. Abastecido de grandes
monopólios, estas multinacionais são protegidas por tarifas,
por meio do protecionismo, e por patentes, por meio de direitos
autorias e propriedade intelectual, que impedem que haja concorrência
no setor. É o que acontece quando um grande produtor internacional
leva a sua fabricação em tais locais subdesenvolvidos, deixando os
próprios cidadãos impossibilitados de produzir o mesmo produto para
ser comercializado localmente.
O
resultado? Bem, não há livre iniciativa entre produtores, bem como
não há barganha entre trabalhador e patrão, mas tão somente um
jogo de cartas marcadas onde apenas um lado sairá vencedor. Em um
cenário do qual o trabalhador possui pouca (ou nenhuma) voz, a lei
que rege é a de quem tem poder, seja político ou econômico. Esse é
o cenário contraproducente que se assemelha muito ao que sabiamente
Marx dizia sobre a “alienação do trabalho”.
Vale mencionar também o fato de que as classes mais baixas contam com problemas econômicos distorcidos, agregados de tempos em tempos, que vem os impossibilitando a ascenderem socialmente. O processo histórico que privilegiou senhorios, burocratas e grandes empregadores gerou um cenário de desiquilíbrio que empurrou pequenos comerciantes, profissionais autônomos e trabalhadores associados para o trabalho assalariado. Tal processo é o que se chamou de acumulação primitiva. Não é em vão que as classes mais baixas se vêem impossibilitadas de manterem uma autonomia laboral diante das gigantes corporações que tomam conta da vida econômica de tais países.
Diante
dos fatos citados, essa a suposta escolha do trabalhador poderia ser
ilustrada como a “escolha” de uma vítima na mira de um
assaltante que queira tomar sua carteira. Será mesmo que se os
trabalhadores estivessem em pé de igualdade com as informações e
a autonomia garantida ao qual as corporações se dispõem ainda
assim eles iriam preferir exercer seus produtos laborais em tais
condições? A ideia de um ambiente de trabalho autoritário e
intimidador é realmente mais persuasivo que um ambiente de trabalho
amplamente democrático e de plena liberdade? “O
melhor governo é o que não governa”, dizia Henry D. Thoreau e o
mesmo se aplica às instituições econômicas.
Claro
que eu não acredito que os liberais que defendem tal arranjo
sócio-econômico (pois existem exceções) apoiam condições
exploratórias. Claro que não. No entanto, o argumento que resulta
disso tende a apoiar tão somente o status quo e privilégios
patronais e esquecer alternativas concretas que possam ampliar
as verdadeiras escolhas
dos trabalhadores. O discurso matreiro de "falta de opções",
no fundo, revela um entendimento pífio referente a fenômenos
históricos e sociais que envolvem a sociedade. É como querer
analisar determinados fatores resultantes de políticas desastrosas
empregadas de séculos atrás através de argumentos que visam tão
somente levar em conta o que aconteceu no mês passado. Não dá e
nem deve levar tal coisa à sério.
Arranjos
que realmente visam a melhoria do ambiente de trabalho e do bem-estar
do trabalhador? Posso citar alguns: empresas coletivas, cooperativas,
trabalhadores autônomos, sindicalismo (moderado ou revolucionário),
associações de ajuda mútua, comissões de fábricas, conselhos
operários e etc. Também a extinção de leis e regulamentações
que obstrui a maximização do apoderamento das classes mais baixas
como: fim do monopólio das patentes e tarifas; abolição dos
títulos atuais de propriedade para visar novas relações legais de
propriedades sobre o princípio da ocupação
e uso;
fim do monopólio financeiro com a extinção do banco central e da
obrigatoriedade da moeda circulante; desestatização dos sindicatos
e muitos outros.
Agora
apoiar fábricas de suor? Não, isso não é uma opção. Fábricas
de suor é o resulto de uma economia fechada e de privilégios. Não
tem nada a ver com liberdade.
Economia
é uma ciência humana e interpretá-la de modo estrito, sem levar em
conta fatores históricos, sociais, políticos, antropológicos que
cercam o mundo pode deixar-se guiar a defender absurdos. Mesmo de
modo equivocado.
Rodrigo Viana escreve para os sites Libertarianismo.org, Mercado Popular.org e mantém os blogs Libversiva! e A Esquerda Libertária. Siga seu twitter: @VDigo
2 comentários:
Rodrigo,
A situação é complexa. Sim, muitas “Fábricas de Suor” são o resultado de um processo de falta de liberdade. Não há o que discordar disso. Mas, por outro lado, a sua proibição (ou boicotes) também não ajuda muito. Assumindo que os trabalhadores não estão sendo explicitamente coagidos para trabalhar lá, as suas opções existentes são piores. Tirar essa opção não melhoraria suas vidas.
Não há dúvida que um ambiente institucional que garanta a liberdade de associação e comercial é muito melhor, mas jogar toda a culpa sobre os que as fábricas estabelecidas nesses países acaba sendo contraproducente. Se a solução proposta acabar sendo a remoção dessas empresas de lá, ou ainda o estabelecimento de condições externas que as inviabilize, os trabalhadores saem perdendo. Sim, elas são o resultado de um ambiente institucional ruim, mas, ainda assim, são a melhor opção que restou àquelas pessoas. A solução deve passar pela ampliação das liberdades, não pela restrição às opções atuais.
Uma situação semelhante é a dos médicos cubanos que vieram pra cá. Mesmo que estejam com boa parte dos salários sendo confiscada, se eles não foram coagidos a vir para o Brasil, então sua condição está melhor agora que antes. Isso não significa defender o regime cubano, significa simplesmente que a viagem para o Brasil, nas condições atuais, foi a melhor alternativa que eles encontraram (Não estou entrando nas outras questões envolvendo essa importação de médicos, apenas me refiro à viagem deles). Não seria melhor pra eles que a oferta não fosse feito e que eles tivessem que ficar por lá.
Abraços,
Juliano
Juliano eu também não defendo a proibição de instalações dessas fábricas mesmo em tais condições, porém acredito que boicotes, pressões populares e um forte sindicalismo que vise a melhoria das condições de trabalho são realmente necessários. Por isso que eu acredito que a melhor opção nesses casos é o trabalhador ter voz ativa para benefício dele mesmo.
Um ponto é que não há opção de escolha aos trabalhadores dentro desse cenário. Ao menos não no ponto de vista da autonomia deles. Existe todo um aparato por trás que maximiza o poder das empresas em ter o trabalho assalariado dependente dela, de modo que minimize ao máximo a autonomia desses trabalhadores em buscar opções de fato que possa beneficiá-los. O capital trabalha junto com o poder político para manter tal sistema, um é braço forte do outro.
Sim, a solução é maximizar a autonomia dos trabalhadores, isto é, dar liberdade, contudo minha crítica vai para aqueles que acreditam que defender esse arranjo de servidão, de uma maneira ou outra, é "apoiar o trabalhador".
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