quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Abraçando os mercados, opondo-se ao "capitalismo"


Por Gary Chartier
Ser um libertário significa oposição ao uso da força para restringir trocas pacíficas e voluntárias. Isso não significa que deveríamos entendê-la como um apoio ao capitalismo.
Se essa frase faz algum sentido depende, é claro, do que se pretende dizer com “capitalismo”. Para algumas pessoas, talvez, o termo se refere apenas à livre troca. E se é tudo o que você quer dizer quando fala sobre “capitalismo”, você está certo que não existe conflito entre o que está falando e um libertário sensato.
Mas as pessoas frequentemente têm outros julgamentos sobre essa palavra em mente quando a empregam. Por exemplo: a mídia impressa e digital mainstream usa regularmente “capitalismo” para se referir ao “sistema econômico que temos agora”. E é relativamente comum ouvir “capitalismo” empregado como um sinônimo para “dominância dos locais de trabalho e da sociedade feita pelos capitalistas – pelos donos de recursos capitais sólidos”. Princípios libertários como os que eu defendo não envolvem apoio ao capitalismo em nenhum desses dos dois casos.
Até um certo nível muito significante, o sistema econômico que temos hoje é um em que as trocas pacíficas e voluntárias estão ausentes. Uma rede entrelaçada de privilégios legais e regulatórios beneficia os ricos e os bem conectados às custas de todo o resto (pense nas patentes e direitos autorais, tarifas, restrições bancárias, regras de licenciamento ocupacional, restrições ao uso da terra, etc.). O complexo militar-industrial afunila quantidades inacreditáveis de dinheiro – sob a mira de uma arma – dos bolsos das pessoas comuns para contas bancárias de empreiteiras e de seus camaradas. Subsídios de todos os tipos alimentam uma rede de privilégios a empresas e a organizações sem fins lucrativos. E o Estado protege títulos de propriedades tomadas a força ou concebidos por decretos arbitrários distribuídos para indivíduos e grupos favorecidos. Não, a economia dos EUA, Canadá, Europa Ocidental, Japão, e Austrália, pelo menos, não são centralmente planejadas. O Estado não proclama propriedade formal dos (da maioria dos) meios de produção. Mas o envolvimento do Estado em múltiplos níveis em garantir e reforçar os privilégios econômicos torna difícil de descrever o sistema econômico atual como livre. Então se “capitalismo” dá nome ao sistema que temos agora, qualquer um que defenda a liberdade tem boas razões para ser cético em relação ao capitalismo.
Os privilégios que marcam a ordem econômica existente, seja lá como a chamamos, são desproporcionalmente vantajosos para aqueles com mais influência política e com maior riqueza. E essa rede de privilégios preservada pelo Estado tende de várias formas a aumentar os privilégios dos capitalistas nos locais de trabalho. Com relação ao local de trabalho: privilégios garantidos pelo Estado reduzem a possibilidade de auto emprego (ao aumentar os requisitos de capital e, caso contrário, aumentando os custos de entrada, enquanto simultaneamente reduz os recursos que pessoas poderiam usar para começar e manter seus próprios negócios). Ele também impõe restrições nas atividades de sindicatos que reduzem a capacidade dos trabalhadores de negociarem efetivamente com seu empregador. Ao reduzir as alternativas do trabalhador assalariado e as oportunidades coletivas de negociação dos trabalhadores, o Estado substancialmente aumenta a alavancagem do empregador. Resumindo: a dominação dos locais de trabalho e da sociedade por “capitalistas” é incompreensível em qualquer aspecto da sua forma atual sem atenção a perversidade do Estado. Novamente, se isso é “capitalismo”, proponentes da liberdade não têm razões para abraçá-lo.
É certamente concebível que alguém poderia argumentar que, enquanto “capitalismo” é frequentemente usado como um fenômeno social questionável, é também empregado tão frequentemente quanto para um sistema econômico em que a liberdade é realmente central. Eu não estou certo sobre quais são as proporções relevantes ou qual peso deveria ser atribuído a instâncias particulares do uso de “capitalismo” de um jeito ou de outro. Estou bem certo, no entanto, que seu uso negativo esteve presente por um longo tempo (“capitalista” em uma maneira pejorativa foi empregada por entusiásticos defensores do livre mercado como Thomas Hodgskin na primeira metade do século XIX) e é muito comum hoje em dia. Realmente, de forma muito frequente, eu temo quando “capitalismo” é empregado de maneira positiva, ele é usado como o conceito do “pacote” (assim como Roderick Long enfatizou prestativamente) que de alguma forma significa “livre troca” e também o “status quo”, ou o “domínio dos capitalistas”, ou os dois. Enfim, está contaminado. E quando pessoas nas ruas de países em desenvolvimento proclamam sua oposição ao “capitalismo” – significando, na verdade, não a liberdade genuína, mas uma dominância imperial pelos Estados Unidos da América e seus aliados – eu acho que é vital para os libertários serem capazes de esclarecer que o sistema de opressão estatal que os manifestantes estão falando não é o que os partidários da liberdade defendem.
Contribuidores das páginas editoriais do Wall Street Jornal, comentadores no Faux News [Apelido para Fox News], e (outros) porta vozes da elite política e econômica podem continuar usando “capitalismo” para seja lá o que eles favoreçam. Eles não são aliados naturais dos libertários, e não há uma razão consistente para que os libertários se comportem como eles. Apoio ao livre mercado (ou mercado liberto) é bastante consistente com o entusiástico anticapitalismo.
Tradução de Lucas Senra. Revisão de Adriel Santana. Artigo original



Gary William Chartier é jurista e professor de Direito e Ética Empresarial na "La Sierra University" em Califórnia, EUA. Autor dos livros "Anarchy and Legal Order" e "The Conscience of an Anarchist", é membro sênior do instituto "Center for a Stateless Society (C4SS)".