Por Jim Powell
Se
jamais houve um verdadeiro individualista, foi Henry David Thoreau.
Como lembrou seu amigo, o poeta, ensaísta e filósofo Ralph Waldo
Emerson, “ele não foi feito para nenhuma profissão; nunca se
casou; viveu sozinho; nunca foi à igreja; nunca votou; recusava-se a
pagar tributos ao Estado; não comia carne; não bebia vinho; nunca
conheceu o uso do tabaco; e, embora fosse um naturalista, não usava
armadilha ou arma. Ele escolheu, sabiamente para si mesmo, sem
dúvida, ser bacharel do pensamento e da natureza. Ele não tinha
nenhum talento para a riqueza, e sabia ser pobre sem o menor sinal de
sujeira ou deselegância”. Emerson poderia ter acrescentado que
Thoreau condenou a guerra e ajudou escravos fugidos. O poeta
americano Walt Whitman confidenciou que “uma coisa em Thoreau o
mantém muito próximo de mim: refiro-me à sua falta de leis – sua
discordância – o fato de seguir absolutamente seu próprio
caminho, quaisquer que sejam as consequências”.
Durante
a curta vida de Thoreau, apenas dois dos seus livros foram
impressos: A
Week on the Concord and Merrimack Rivers [“Uma
semana nos rios Concord e Merrimack”] (1849), que vendeu cerca de
trezentas cópias, e Walden (1854),
que vendeu pouco menos de duas mil cópias. Ainda assim, como
escreveu o historiador Samuel Eliot Morison sobre uma das obras de
Thoreau publicadas postumamente, “Desobediência
civil (…)
tornou-se a obra de literatura americana mais conhecida por pessoas
lutando por liberdade na Ásia e na África, e alcançou a honra de
ter sua venda proibida em países comunistas”. Seus escritos foram
traduzidos para tcheco, dinamarquês, holandês, francês, alemão,
hebreu, japonês, russo, sueco e ídiche, dentre outras línguas.
Em The
Importance of Living [“A
importância de viver”], o filósofo Lin Yutang escreveu, “Thoreau
é o mais chinês de todos os autores americanos em toda a sua visão
da vida. (…) Eu poderia traduzir passagens de Thoreau para a minha
língua e fazê-las se passar por escritos originais de um poeta
chinês, sem levantar qualquer suspeita”.
Walter
Harding, que foi por muito tempo o principal especialista em Thoreau,
observou em 1963 que “cem anos atrás Henry David Thoreau era visto
como um discípulo menor de Ralph Waldo Emerson. Cinquenta anos atrás
se pensava que ele fosse um azarão que estava rápida e
merecidamente em vias de ser esquecido. Hoje ele é amplamente cotado
como um dos gigantes no panteão americano e sua fama é mais
crescente do que decrescente. Há um consenso sobre o fato de que ele
diz mais ao nosso tempo do que aos seu próprio”.
Ele
expressou princípios importantes do individualismo com propriedade e
paixão, e rejeitou alegações de que os indivíduos deveriam ser
leais a uma autoridade coletiva. “Sou mais zeloso do que de costume
no diz respeito à minha liberdade”, escreveu. “Sinto que a minha
ligação e obrigação para com a sociedade são ainda muito
pequenas e transitórias”. Ele acreditava haver um imperativo moral
para que cada um cuidasse de sua própria vida: “Quanto a fazer o
bem, esta é uma das profissões mais saturadas. Além disso, eu
tentei regularmente, e, por estranho que possa parecer, estou
satisfeito por isto estar em desacordo com minha constituição”.
Ele não tinha nenhuma ilusão em relação ao governo. “Eu vi que
o Estado era burro”, relatou, “e perdi todo o respeito que ainda
tinha por ele”. Ele insistia que para alcançar a dignidade humana,
as pessoas devem ser responsáveis por suas próprias vidas e manter
sua independência, que é diminuída pelas esmolas governamentais.
Ele demonstrou corajosa teimosia ao insistir em suas opiniões
rebeldes, apesar de ser às vezes ridicularizado como se fosse
excêntrico. Ele parecia falar pelos individualistas de todos os
cantos quando escreveu: “se um homem não segue o passo dos seus
companheiros, talvez seja porque ele ouve uma batida diferente.
Deixem-no seguir os passos da música que escuta, seja seu ritmo
regular ou não”.
Thoreau
tinha cerca de um metro e setenta, e, disse Emerson, “bom físico,
pele clara, sérios e fortes olhos azuis, e um aspecto grave”.
Dentre outras coisas, Emerson admirava por Thoreau ser alguém que
gostava de viver ao ar livre: “Ele usava chapéu de palha, sapatos
grossos, resistentes calças cinzas, para enfrentar pequenos
carvalhos e trepadeiras, e para escalar árvores em busca de ninhos
de águias ou esquilos. Ele se metia dentro do lago atrás de plantas
aquáticas, e suas fortes pernas formavam parte não insignificante
de sua armadura”. De acordo com o biógrafo Carlos Baker, Thoreau
“tinha cabelos castanhos, abundantes e de textura fina. (…)
[Seus] braços eram grossamente emaranhados de pêlos, como o couro
de um animal (…) [Seu nariz], curvado para baixo em formato de
gancho, lembrando de certo modo o bico de uma ave de rapina. (…)
[Seus olhos] com frequência luziam com uma luz cinzenta gelada”.
Ele
nasceu David Henry Thoreau em 12 de julho de 1817 na casa de sua avó
viúva, na Virginia Road, em Concord, Massachussets. Era filho de
John Thoreau, um lojista falido que se tornou fabricante de lápis.
Sua mãe, Cynthia Dunbar, era filha de um ministro Congregacionista.
Henry D. Thoreau |
Apesar
dos tempos difíceis, os pais de Thoreau ofereceram-lhe a
oportunidade de frequentar boas escolas. Ele estudou na Concord
Academy, uma escola privada considerada melhor do que as escolas
públicas, e entrou para o Harvard College em 9 de agosto de 1833,
quando tinha dezesseis anos.
Depois
de se formar, mudou seu nome para Henry David Thoreau e assumiu um
cargo de professor na Center School, uma escola de Ensino Fundamental
em Concord. Aparentemente havia uma certa preocupação em relação
à disciplina, e o clérigo local lhe disse que ele deveria açoitar
seus estudantes. Mas Thoreau decidiu que não poderia aceitar a
prática do açoitamento e decidiu sair. Ele e seu irmão John
começaram uma escola em Parkman House, na Main Street,
posteriormente o lar da biblioteca pública de Concord. A escola
prosperou sem açoitamento.
No
final de 1837, Thoreau conheceu Emerson, na época com trinta e
quatro anos. O biógrafo Ralph Rusk assinalou que a “magreza de seu
corpo, acentuada por seu metro e oitenta de altura, (…) os ombros
estreitos e curvados, (…) sua cabeça dava a impressão de firmeza.
Seu cabelo grosso e castanho, (…) suas curtas e discretas suíças
emolduravam parte de uma fisionomia forte e penetrantes olhos azuis”.
Nascido em Boston em 3 de maio de 1803, o ex-aluno de Harvard Emerson
desenvolveu a filosofia mística do transcendentalismo, explicada em
seu ensaio principal, “Nature” [“Natureza”] (1836). Seus
ensaios mais duradouros foram “Self-Reliance” [“Autodependência”]
e “Compensation” [“Compensação”]. Os escritos de Emerson
eram abundantes em epigramas – por exemplo, “Quem deseja ser um
homem, deve ser um não-conformista (…) Nada pode trazer-lhe paz
senão você mesmo (…) O caráter é superior ao intelecto (…) A
única maneira de ter um amigo é ser um (…) Nada de grandioso
jamais foi alcançado sem entusiasmo (…) Autodependência, estatura
e perfeição do homem (…) Faça-se necessário a alguém (…) A
recompensa por algo bem feito é tê-lo feito (…) Nada surpreende
os homens tanto quanto o bom senso e o trato franco (…) Quanto
menos governo tivermos, melhor (…) Grandes homens são aqueles que
enxergam que o lado espiritual é mais forte do que qualquer coisa”.
Thoreau
mostrou a Emerson seu diário que um de seus professores na Harvard,
William Ellery Channing, o havia incentivado a escrever. Ele havia
começado a escrever em outubro de 1837, e isto se tornou uma maneira
importante de desenvolver seus pontos de vista e a prática de
expressá-los. Aparentemente Emerson ficou impressionado com o dom de
Thoreau para a expressão e convidou-o para participar dos encontros
literários conhecidos como Clube Transcendental, na casa de Emerson
em Concord.
Em
1839, Henry e John Thoreau saíram por treze dias em viagem de barco
pelo Rio Concord e pelo Rio Merrimack, experiência que ganhou
especial significado após a morte de John por tétano em 1842. Henry
resolveu escrever um livro sobre os bons tempos passados em companhia
de seu irmão, mas decidiu que não poderia trabalhar em meio a
tantas distrações em casa. Desta maneira, entre 4 de julho de 1845
e 6 de setembro de 1847 ele viveu na propriedade de Emerson no Lago
Walden, ao sul de Concord. O Lago Walden tinha cerca de três quartos
de milha de comprimento e meia milha de largura. Com um machado
emprestado, Thoreau construiu uma cabana lá. Ele certamente não se
isolou da civilização, como reza a lenda. Se enxergava a estrada
Concord-Lincoln do seu campo, a Ferrovia Fitchburg passava pelo outro
lado do Lago Walden, sua mãe e suas irmãs traziam-lhe tortas e
rosquinhas, ele continuou indo jantar em casas de amigos, tinha
frequentes visitantes, e em mais de uma ocasião, sua cabana serviu
de estação na “Ferrovia Subterrânea”, servindo de abrigo para
escravos fugidos. Thoreau ganhou dinheiro trabalhando como
carpinteiro, pintor e vigilante.
Durante
seu segundo ano na floresta, ele teve mais tempo para escrever.
Finalizou seu primeiro livro, o tributo ao irmão, A
Week on the Concord and Merrimack Rivers[“Uma
semana nos rios Concord e Merrimack”], mas aparentemente não foi
capaz de atrair o interesse de nenhuma editora comercial, pois
conseguiu que fossem impressas somente mil cópias em 1849. Ele
precisou de vários anos para quitar a dívida, e as cópias não
vendidas acabaram indo parar no sótão da casa dos seus pais.
As
pessoas queriam saber por que alguém formado em Harvard viveria
sozinho na floresta, e em 10 de fevereiro de 1847 ele deu uma
palestra, “Uma história de mim mesmo”, no Liceu Concord. A
audiência adorou-o. Emerson disse a Margaret Fuller que as pessoas
vieram “para ouvir os relatos da vida de diária de Henry no Lago
Walden, lidos por ele como uma palestra, e ficaram fascinadas pela
sua sabedoria sagaz que compreendia tudo”.
"'Desobediência Civil' tornou-se a obra de literatura americana mais conhecida por pessoas lutando por liberdade na Ásia e na África, e alcançou a honra de ter sua venda proibida em países comunistas."
Quando
ele se cansou da floresta, foi viver na casa de Emerson. Lá ele
escreveu uma longa carta sobre suas experiências e reflexões em
Walden a Horace Greeley, editor do New
York Tribune,
que publicou-a na edição de 25 de maio de 1848. Após dois anos na
casa de Emerson, Thoreau foi ajudar seu pai com a fábrica de lápis
e viveu na casa de seus pais, que foi onde ele converteu a carta
em Walden.
O livro foi lançado em 1854 pela editora Ticknor & Fields.
Há
muito do estilo epigramático de Emerson em Walden.
O livro contém diatribes contra a competição empresarial, que
havia salvo da fome multidões por todo o mundo, mas o insistente
individualismo de Thoreau faz uma bela música. Dentre suas frases
mais memoráveis estão: “ame sua vida”, “deixe que cada homem
cuide de sua própria vida e se empenhe para alcançar o que deve”,
“se alguém avança confiantemente em direção aos seus sonhos, e
se esforça para viver a vida com que sonha, vai alcançar o
sucesso”, “eu tinha três cadeiras em minha casa; uma para a
solidão, duas para a amizade e três para a sociedade”, e “se eu
soubesse que um homem estivesse vindo à minha casa com o intento
consciente de me fazer o bem, eu fugiria correndo”.
Nesta
época, Thoreau havia se rebelado contra os tributos. Em 1840, alguém
adicionara seu nome à lista de membros da First Parish Church de
Concord, e o tesoureiro da cidade exigiu que Thoreau pagasse o
dízimo. Quando ele se recusou a pagar, funcionários públicos
ameaçaram prendê-lo. Thoreau exigiu que seu nome fosse retirado da
lista de membros da igreja. “Eu, Henry Thoreau,”, escreveu, “não
desejo ser considerado membro de nenhuma sociedade à qual eu não
tenha me associado”.
Em
1845 e em 1846, os Estados Unidos anexaram o Texas, e o Presidente
James K. Polk provocou guerra contra o México. A guerra era
especialmente popular no Sul, pois o Texas tinha terra para se
plantar algodão e açúcar, o que significava mais territórios
pró-escravidão.
Thoreau
recusou-se a pagar a capitação, já que significava colaborar com
um governo imoral, e em julho foi mandado à cadeia de Concord na
Mill Dam Road. Alguém (provavelmente sua Tia Maria) pagou seus
tributos e ele ficou preso somente por uma noite – ele esperava
ficar mais tempo como protesto contra a guerra e a escravidão. Para
explicar suas opiniões sobre os impostos, Thoreau redigiu um ensaio,
o qual apresentou no Liceu Concord em 26 de janeiro de 1848. Cerca de
um ano depois, Elizabeth Peabody pediu-lhe permissão para publicá-lo
em um novo jornal, Aesthetic
Papers,
aparecendo (pela primeira e última vez) em 14 de maio de 1849.
“Resistence to Civil Government” [“Resistência ao governo
civil”], o artigo de Thoreau, não perdeu tempo, indo direto ao
ponto logo nas primeiras linhas: “Aceito entusiasmadamente o lema
‘o melhor governo é o que governa menos’, e gostaria de vê-lo
em prática rápida e sistematicamente. Levado a cabo, logo se
chegaria a isto, em que eu também acredito: ‘o melhor governo é o
que simplesmente não governa’; e quando os homens estiverem
preparados para isto, este será o tipo de governo que eles deverão
ter”. “Acho que devemos ser homens primeiro, e súditos depois”,
continuou. “Não é tão desejável que se cultive um respeito pela
lei, mas sim pelo que é certo. (…) Leis nunca tornaram ninguém
mais justo; e, para respeitá-las até mesmo os mais bem-dispostos se
tornam diariamente agentes da injustiça”. Acrescentou: “Não
nasci para ser forçado. Respirarei segundo minha própria vontade.
(…) Não haverá um Estado livre e esclarecido de verdade até que
o Estado venha a reconhecer o indivíduo como um poder individual
superior, do qual todo o seu poder e autoridade derivam, e trate-o de
acordo”.
Revoltado
com o auxílio do governo estadual de Massachusetts em aplicar a Lei
do Escravo Fugitivo de 1850, Thoreau deu uma palestra na Convenção
Anti-Escravidão em Framingham, Massachussets, em 4 de julho de 1854,
publicada como “Escravidão em Massachussets” no
jornal Liberator,
de William Lloyd Garrison, em 21 de julho de 1854. “As leis do
Estado”, afirmou, “nem sempre dizem o que é verdade; e nem
sempre querem dizer o que dizem. (…) O que é necessário são
homens que reconheçam uma lei superior à Constituição ou à
decisão da maioria. (…) Que o Estado dissolva sua união com o
dono de escravos. (…) Que cada habitante do Estado dissolva sua
união com ele caso ele não cumpra com o seu dever”.
Thoreau
depois defendeu o agitador abolicionista John Brown, que, convencido
de que os escravos só seriam libertos por meio da rebelião armada,
capturou o arsenal federal em Harper’s Ferry, Virginia, em 16 de
outubro de 1859. Thoreau ficou perturbado pela violência, mas ainda
mais perturbado por nenhum outro abolicionista ter defendido a
intenção de Brown em libertar os escravos. Em 30 de outubro de
1859, quando Brown ainda estava na cadeia, Thoreau esteve na
prefeitura de Concord, onde chamou Brown de “o homem mais bravo e
humano em todo o país”.
"'Desobediência Civil' circulou entre resistentes à ocupação nazista na Europa, e se tornou panfleto de comícios."
Walter
Harding relatou que “durante toda sua vida adulta, Thoreau sofreu
de tuberculose intermitentemente. Em dezembro de 1860, teve
bronquite, que piorou a tuberculose. Morreu perto das nove horas da
noite de 6 de maio de 1862. Tinha apenas 44 anos. Sua mãe, irmã e
Tia Louisa estavam com ele. O velório, três dias depois, na First
Parish Church de Concord, estava lotado. A autora Louisa May Alcott
assinalou que “embora ele não tenha recebido grande reconhecimento
enquanto vivo, foi honrado em sua morte”. E, tratando-se de um
autor sem nenhuma obra publicada, a morte de Thoreau foi amplamente
noticiada. Houve notícias no Boston
Daily Advertiser,
no Concord
Monitor,
no Boston
Transcript,
noChristian
Register,
na Harvard
Magazine,
no Liberator ,
no Saturday
Evening Post,
no New
York Tribune,
no Harper’s
Monthly e
na Atlantic
Monthly,
dentre outros.
Thoreau
morreu obscuro. “O mundo decidiu”, escreveu o historiador Perry
Miller, “que ainda que Thoreau lhe incomodasse, ele figuraria como
um naturalista menor em uma literatura onde os gigantes eram Irving,
Longfellow, Lowell e Dr. Holmes. Quanto às idéias de Thoreau, este
mesmo mundo presumiu que o pouco por ele demonstrado fora emprestado
de Emerson e declarou que elas eram reproduzidos com uma desajeitada
estranheza que, talvez momentaneamente atraente, traía sua
rusticidade”.
Thoreau
deixou para trás milhares de páginas e manuscritos incompletos. Sua
irmã Sophia juntou-os em Excursions [“Excursões”]
(1863), e trabalhou com Ellery Channing para editar The
Maine Woods [“As
Florestas de Maine”] (1864) e Cape
Cod (1865).
Emerson editou < em>Letters to Various Persons [“Cartas a
várias pessoas”] (1865). Yankee
in Canada, with Anti Slavery and Reform Papers [“Um
ianque na Canadá; escritos abolicionistas e reformistas”] saiu em
1866. Embora estes cinco volumes estivessem incompletos e cheios de
erros, eles acumularam ao menos trinta e seis revisões e ajudaram a
assegurar a reputação literária de Thoreau. Havia tanta demanda
por seus trabalhos que a Houghton Mifflin lançou a vigésima edição
de “Walden” em 1906.
O
ensaio de Thoreau “Resistência ao governo civil” é uma história
em si mesmo. Em 1866, quatro anos após a sua morte, foi reintitulado
“On Civil Desobedience”[“Sobre a desobediência civil”] e foi
reunido em um livro junto com seu Yankee
in Canada, with Anti Slavery and Reform Papers.
Poucas pessoas fora dos Estados Unidos pareciam apreciar os escritos
naturalistas de Thoreau, mas Desobediência
Civil tornou-se
um grito de guerra. O romancista e filósofo russo Leon Tolstoy ficou
impressionado e citou Thoreau dentre os autores que “me
influenciaram especialmente”. Tolstoy incluiu muitas seleções de
Thoreau em sua antologia Um
círculo de leitura.
Walter
Harding, biógrafo de Thoreau, descobriu que “tem havido um
interesse de longa data em Thoreau por parte dos
judeus. Desobediência
civil foi
traduzido para ídiche em Nova York em 1907 e posteriormente em Los
Angeles em 1950. Tem havido artigos frequentes sobre Thoreau em
ídiche em jornais de todo o mundo”.
Quando
Mohandas Gandhi estava estudando Direito na Inglaterra, conheceu
Henry Salt, biógrafo de Thoreau. Por volta de 1907, Gandhi se opunha
a leis na África do Sul que impediam que indianos viajassem,
comerciassem e vivessem livremente, e um amigo lhe deu uma cópia
de Desobediência
civil,
que ele leu enquanto esteve preso por três meses em Pretoria. Ele
reconheceu que “as idéias de Thoreau me influenciaram grandemente.
Adotei algumas delas e recomendei o estudo de Thoreau a todos os
amigos que me ajudavam na causa da independência da Índia. O nome
do meu movimento foi retirado do ensaio de Thoreau Sobre
o dever da desobediência civil.
(…) Até ler aquele ensaio, nunca havia encontrado uma tradução
em apropriada em inglês para a palavra indiana Satyagraha.
(…) Não há dúvidas de que as idéias de Thoreau influenciaram
enormemente meu movimento na Índia”. Harding relatou que Gandhi
“sempre carregou uma cópia [de Desobediência
civil]
consigo nas várias vezes em que foi preso”. Havia um panfleto em
Nova Délhi, Henry
David Thoreau: The Man Who Moulded the Mahatma’s Mind [“Henry
David Thoreau: o homem que moldou as idéias do Mahatma”].
"Thoreau recusou-se a pagar a capitação, já que significava colaborar com um governo imoral, e em julho foi mandado à cadeia de Concord na Mill Dam Road. Alguém pagou seus tributos e ele ficou preso somente por uma noite – ele esperava ficar mais tempo como protesto contra a guerra e a escravidão."
O
historiador Peter Miller observou que Desobediência
civil circulou
“entre resistentes à ocupação nazista na Europa, e se tornou
panfleto de comícios”. De acordo com Harding, “líderes do
movimento de resistência dinamarquês viram Desobediência
civil como
um manual de guerra”.
Quando
Martin Luther King Jr. estava prestes a lançar o movimento pelos
direitos civis com protestos não-violentos contra a segregação
racial apoiada pelo governo em Montgomery, Alabama, ele começou “a
pensar a respeito do Ensaio
sobre a desobediência civil,
de Thoreau. Lembro de como a leitura deste artigo mexeu comigo quando
eu estava na faculdade. Convenci-me de que aquilo que nós estávamos
preparando para fazer em Montgomery tinha relação com o que Thoreau
havia expressado. Nós estávamos apenas dizendo à comunidade
branca, ‘Nós não podemos mais cooperar com um mau sistema’”.
Em
1965, um grupo de acadêmicos liderados por Walter Harding começou a
trabalhar em The
Writings of Henry D. Thoreau [“Os
escritos de Henry D. Thoreau”], a coleção definitiva de seus
trabalhos, e buscaram manuscritos em mais de 40 bibliotecas; os
maiores acervos se encontram na Houghton Library (Universidade de
Harvard), na Huntington Library (San Marino, California), na J.
Pierpont Morgan Library (Nova York) e na New York Public Library.
Estes manuscritos foram laboriosamente transcritos. Um editor notou
que “Thoreau escrevia com uma forte inclinação para direita. (…)
Algumas de suas letras se parecem muito, especialmente o ‘r’, o
‘s’ e o ‘z’. Para piorar ainda mais, Thoreau cometia erros
ortográficos e gramaticais com frequencia. (…) Ele também
escrevia palavras juntas, o que torna às vezes difícil definir
quando uma palavra termina e outra começa”. A Princeton University
Press lançou a primeira edição (Walden)
em 1971; catorze edições se seguiram desde então, e o projeto
continua.
O
historiador Miller observou que Thoreau, “se tornou um deus da
literatura moderna. Onde quer que se leia em inglês, ou ele possa
ser traduzido, Thoreau é uma das principais vozes do século XIX,
que fala para o século XX na Índia, no Japão e na África
Ocidental tanto quanto nos Estados Unidos, com mais e mais
ressonância. (…) O discípulo agora brilha mais forte que o
mestre: Thoreau esta mais vivo na estima popular que Emerson, e
Longfellow, Lowell e Holmes se tornaram passatempos de antiquários”.
A
tendência recente tem sido enfatizar os escritos naturalistas de
Thoreau acima de tudo, sem dúvidas por consequência do movimento
ambientalista. A aclamada série Library of America, por exemplo,
lançou uma edição de 1.114 páginas de Thoreau que não incluiu
uma única página sobre seus escritos políticos. Ainda assim, para
as pessoas que valorizam a liberdade, estes escritos colocam Thoreau
dentre os imortais. Ele afirmou o imperativo de julgar as leis de
acordo com princípios morais e, quando necessário, permanecer
sozinho contra o Estado.
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Jim Powell, senior fellow do Cato Institute, é especialista na história da liberdade. Seu livro mais recente é Greatest Emancipations: How the West Abolished Slavery.
Publicado
no site Ordem Livre
Livros para baixar:
- Desobediência civil, por Henry David Thoreau