sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Kevin Carson, mutualista ricardiano



Por Rodrigo Viana

Dando uma olhada em um fórum anarquista, em uma das threads em que se discutia as teorias de Kevin Carson eu vi um comentário muito pertinente que me fez pensar bastante sobre. Um dos comentaristas afirmava que “...Carson está mais para um socialista ricardiano do que para um mutualista proudhoniano”.

Faz sentido! Embora não 100% acurada, essa frase expressa boa parte das teorias econômicas e políticas carsonistas. Levando em consideração que Carson segue a tradição anarquista individualista americana, isto é, onde seus propagadores se apoiam em bases mutualistas (abolição da propriedade privada, sociedades horizontais, solidarismo, etc), porém almejando uma sociedade bem diferente das comunidades federalizadas e cooperativadas do mutualismo clássico de Pierre Proudhon, de certo modo soa estranho colocar os individualistas americanos e mutualistas clássicos como algo quase que único.

Embora Proudhon fosse pró-mercado, ele nunca defendeu algo como "socialismo de livre mercado" ou "anarquismo de mercado de esquerda" proposto pelos individualistas americanos, especialmente entre os contemporâneos. A visão de uma sociedade baseada em pequenos produtores e trabalhadores autônomos por meio de uma economia de mercado liberto de privilégios, numa relação de comércio mais pessoal possível (reflexo também do individualismo filosófico adotado), vem a calhar com todo o enfoque que Carson dá à sua teoria político-econômica. Sua aproximação com pensadores liberais (tanto da Escola Austríaca quanto de neoclássicos) faz-nos lembrar da época em que ideias de socialistas ricardianos como Charles Hall, John Francis Bray e Thomas Hodgskin se entrelaçavam com ideias liberais.

Especificamente sobre os socialistas ricardianos, exceto em algumas questões mais especificas de cada um deles, este grupo pró-mercado acreditava na ideia de que o valor de equilíbrio de mercadorias se aproximam do preço do produtor enquanto tais mercadorias estão em uma oferta elástica, e que o preço do produtor corresponde ao trabalho incorporado. Assim, lucro, juros e arrendamento não são a consequências naturais do valor de troca de um livre mercado, mas de um mercado distorcido. Consequência essa baseada no axioma de que o trabalho é a fonte de todo o valor, dito tanto por David Ricardo quanto por Adam Smith.
Por este modo, os socialistas ricardianos, sobretudo Hodgskin, eram extremamente favoráveis a uma economia de mercado totalmente liberto de privilégios. E é seguindo este raciocínio que praticamente toda a tradição anarquista individualista americana se baseia (assim como Carson).

Alguém poderia argumentar que não faz muito sentido chamar Carson de Socialista Ricardiano dado que a própria teoria do valor proposta por ele, por exemplo, está muito mais para Smith do que para Ricardo em certas conclusões.
Bem, é certo que Carson não se apoia em diretrizes objetivas como o “tempo de trabalho incorporado” de Ricardo (ou de Marx), mas nas subjetividades para fundamentar sua teoria (assim como Smith fazia). Contudo, o próprio Hodgskin, o mais conhecido destes socialistas ricardianos, se apoiava justamente numa versão subjetiva da Teoria do Valor-trabalho e indo de contra até mesmo a Ricardo. Então seria ele ”menos ricardiano” por isso? Mais ainda, existe alguns teóricos contemporâneos que preferem o termo “socialismo smithiano” ao invés do tradicional “ricardiano” por argumentar que estes estudiosos antigos devem seus trabalhos muito mais às análises de Smith do que do próprio Ricardo[1]. Quer dizer, de fato tudo parece ficar apenas em rótulos que nada diz. E independente desse rótulo, tanto os socialistas ricardianos quanto os individualistas americanos focam na ideia de uma economia de mercado verdadeiramente livre.
O próprio fundador do anarquismo individualista americano, Josiah Warren, já incorporava mecanismos subjetivistas na teoria do valor antes mesmo da Revolução Marginalista ter acontecido. E Carson segue tanto estes socialistas quanto individualistas.

Em suma, as teorias políticas de Carson se aproximam mais de uma relação social pessoal e mercadológica defendida tanto por Thomas Hodgskin e quanto pelos anarquistas individualistas americanos, do que das relações sociais mais coletivas e comunitaristas de Proudhon. Não dá pra negar que Carson não seja um mutualista, porém de um mutualismo bem distinto, apegado ao liberalismo clássico, do qual floresceu entre os anarquistas individualistas americanos do século dezenove. Como dito depois, no próprio fórum em questão, de um mutualismo ricardiano.

Nota:
[1] Thompson, Noel W. (2002). The People's Science: The Popular Political Economy of Exploitation and Crisis 1816-34.



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