segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O mito do laissez-faire do século 19: quem se beneficia hoje?


Por Roderick Long
Na semana passada, Michael Lind fez uma pergunta tola (“A questão que os libertários simplesmente não podem responder”): Se o libertarianismo é tão bom, por que nenhum país tentou adotá-lo?
A pergunta é tola porque a resposta libertária é óbvia: o libertarianismo é bom para os cidadãos comuns, mas não para as elites do poder que controlam os países, determinando quais políticas implementam, e, portanto, não recebendo cordialmente medidas que exponham seu status privilegiado à concorrência de livre mercado. E os cidadãos comuns não apoiam as políticas libertárias, visto que: i) a maioria deles não está familiarizada com todos os benefícios do libertarianismo, e também ii) porque o sistema educacional é controlado por aquelas elites mencionadas acima.
A pergunta de Lind é análoga àquelas que poderiam ser feitas alguns séculos atrás: se a tolerância religiosa, ou igualdade entre sexos, ou a abolição da escravatura eram tão boas, por que nenhum país adotou-as? Todas essas perguntas equivalem a questionar: se a liberação da opressão é tão grande para os oprimidos, por que os opressores não as adotaram?
E. J. Dionne propõe uma resposta distinta (“O calcanhar-de-aquiles do Libertarianismo”) à pergunta de Lind: “Nós tivemos algo próximo à utopia libertária de governo mínimo no final do século XIX e decidimos que não funcionava”.
Deixando de lado o uso orwelliano de “nós” – como uma afirmação séria sobre a história, isso é um absurdo. Mesmo se ignorássemos, como não deveríamos, as inabilidades jurídicas anti-libertárias impostas às mulheres, não brancos, e homossexuais (isto é, a maioria da população), permanece verdade que os Estados Unidos do final do século XIX foi caracterizado por uma intervenção vigorosa e sistemática do governo em nome das grandes negócios (às vezes envolto em uma retórica de laissez-faire, outras na retórica progressista). Um governo que habitualmente leva a polícia ou o exército às ruas para terminar com greves é dificilmente um regime laissez faire.
Na década de 1880, o anarquista de livre mercado Benjamin Tucker identificou a dominação dos interesses empresariais na Idade de Ouro baseado em uma variedade de monopólios impostos pelo Estado, destacando quatro em particular: tarifas protecionistas; a monopolização do crédito por meio do controle governamental da oferta de moeda; a supressão da competição via monopólios informais (patentes e direitos de propriedade intelectual); e a transmissão legal de títulos de propriedade de terras e recursos naturais com base na expropriação e influência política ao invés de propriedade e comércio. Junto a esses, Tucker listou a monopolização de serviços de segurança representados pela instituição do próprio estado.
A manipulação do mercado em favor dos grandes negócios não terminou na Era do Ouro. A alegação de Dione de que naquela era “monopólios se formavam facilmente” ignora a pesquisa histórica de James Weinstein e Gabriel Kolko  mostrando que as supostas regulações anti-trust da era progressista (e, da mesma forma, Butler Shaffer, mostrou, aquelas do New Deal) foram atualmente propostas pela elite corporativista, de maneira a gerar monopólios que não poderiam sobreviver no livre mercado. A visão de Dionne sobre o New Deal como salvador de um governo que estava anteriormente “sem ajuda” e “algemado” por uma “ideologia anti-governo” é ridícula. O grande governo de Roosevelt, criador de políticas cartelizantes foi largamente uma continuação do governo de Hoover. E dada a destruição do sistema de saúde disponível no início do século XX pelo poder político da classe medica, como documentado pelo historiador David Beito. A alegação de Dionne que o laissez faire deixou os pobres “incapazes de pagar planos de saúde” é literalmente adicionar insulto à injúria.
O mito do laissez-faire do século XIX é útil para os estatistas tanto da esquerda quanto da direita. Como o anarquista de mercado Kevin Carson observa, “os defensores do estado de bem estar regulatório devem fingir que as injustiças da economia capitalista resultam do mercado desenfreado, ao invés da intervenção estatal no mercado”, posto que, de outra forma, “eles não poderiam justificar seu próprio poder como solução”. Justamente por isso, “apologistas das grandes empresas” necessitam “fingir que um estado de bem estar regulatório era algo imposto sobre eles por ideólogos anti-negócios, em vez de algo que eles mesmos trabalharam arduamente para criar”.
A identificação de Dionne com a Tea Party (ala mais conservadora do Partido Republicano) mostra que ele mesmo foi enganado pela retórica anti-governo do que é principalmente (com algumas poucas exceções) um campanha governamental pro-corporativismo (capitalismo de compadres), legislação moral intrusiva, assédio a imigrantes pacíficos, e uma politica externa sanguinária. As regulações contra as quais os participantes da Tea Party reclamam são principalmente regulações secundárias, desenvolvidas meramente para dirimir os efeitos daquelas regulações primárias que mantem as estruturas de poder essenciais em voga.
Uma pergunta melhor poderia ser feita a Lind e Dionne: se o estado intrusivo é tão bom, por que ele necessita reter seus clientes pela força, em vez de permitir que eles pacificamente optem ou não por ele?
Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Ivanildo Terceiro.


Roderick T. Long é um anarquista de mercado de esquerda e leciona filosofia no Auburn University. É presidente do Molinari Institute e do Molinari Society.

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