Por Ryan Calhoun
No
século 19 e no final do século 20, o anarquismo chegava, de várias
formas, à cultura e ao pensamento popular. Isso não acontecia por
causa de teorias, mas por conta de expressões imediatas da autonomia
individual. Tal processo revolucionário era conhecido como ação
direta.
A ação direta enfatiza o direito ou o dever de cada indivíduo de
defender sua liberdade através de ações, sabotando abertamente os
sistemas de opressão e destruindo essas estruturas tirânicas para
que todos possam ver.
Infelizmente,
essa ideia acabou enfraquecida ou abandonada por alguns motivos. Uma
delas foi o disciplinamento dos trabalhadores, com a conexão de seus
interesses aos do estado e aos das grandes empresas. O outro motivo
foram os retornos decrescentes. Os anarquistas e trabalhadores
revoltosos regularmente eram feridos pela polícia ou trancados na
prisão por anos. Insistir em ser livre é ótimo, mas não quando o
preço é a diminuição da sua capacidade de agir. A liberação
individual é difícil, infelizmente. Se todos nós nos deparamos com
uma luta aparentemente sem fim, por que nos preocupar?
Estamos
aqui para propor uma solução para essa falta de incentivos. No
verão de 2013, um mercado foi aberto na darknet dedicado ao
financiamento do assassinato de figuras públicas. Em particular,
pessoas ligadas à política. Alguns meses atrás, essa ideia causou
certa controvérsia quando um artigo da revista Forbes o mencionava.
E, embora o site seja novo e revolucionário, a ideia já é um pouco
antiga. O objetivo? Incentivar os líderes políticos de forma mais
efetiva a obedecer o que o público deseja e diminuir a culpabilidade
de quaisquer indivíduos se um assassinato ocorrer. O uso de
criptomoedas para esconder a identidade dos financiadores foi
possibilitado pela popularização do Bitcoin e mais ainda pela Dark
Wallet, criada por Cody Wilson. A ideia original é de Jim Bell, um
dos fundadores do criptoanarquismo e autor de Assassination
Politics.
Ele foi subsequentemente perseguido pelo governo federal dos Estados
Unidos e vive entre a prisão e a liberdade há mais de uma década.
O
que esse mercado e essa ideia de política de assassinatos tem a ver
com a ação direta? Tem a ver com o incentivo de atos individuais de
sabotagem, vandalismo ou expropriação. Ao contrário do cenário
anterior, os indivíduos têm um incentivo adicional além de
alcançar a revolução: podem obter uma recompensa por seu ato de
ativismo revolucionário. Isso aumenta a probabilidade de que, se
alguém organizasse uma greve no trabalho, os colegas tivessem
interesse em contrariar os desejos da empresa. Fura-greves
frequentemente são motivados pela possibilidade de ganhar mais
dinheiro e não pensam em apoiar o chefe. Podemos, então, dizer a
ele: “Junte-se a nós e você poderá ganhar uma quantidade
interessante de Bitcoins”.
Claro,
as sabotagens não precisam ser feitas apenas “no trabalho”.
Podemos também incentivar atos de sabotagem e desobediência contra
a política. “5 BTCs para o homem ou a mulher que furar todos os
pneus de carros da polícia que estejam na avenida principal na
quarta-feira!” Essa é uma motivação nova e talvez necessária
para a execução de atos que talvez não sejam imediatamente
recompensadores. Por que não se demitir do seu emprego principal e
trancar por fora a porta do delegado do município? Poderíamos até
apostar que os próprios policiais aceitariam dinheiro para fazer
isso, se o valor fosse bom. Ficaríamos felizes em fornecer o
dinheiro, policial.
Essas
ideias, embora implícitas na atitude criptoanarquista, não são
novas dentro do anarquismo. Durante o apogeu do movimento
abolicionista nos Estados Unidos, Lysander Spooner estimulava atos
individuais de sabotagem e violência contra os senhores de escravos
não apenas cometidos por escravos e por aqueles comprometidos com a
causa da abolição, mas também por aqueles que trabalhavam como
“homens livres” para os vigias de escravos. Spooner via que esses
homens pouco se importavam com suas tarefas e estavam mais
interessados em incentivos financeiros. “Que seja”, diz Spooner.
Nós queremos que esses desgraçados frios e calculistas trabalhem
para nós.
Em A
Plan for the Abolition of Slavery,
Spooner afirma:
“Vocês estão prontos para realizar todo aquele trabalho vil e desumano, que deve ser executado por alguém, mas que os senhores de escravos mais decentes não desejam realizar. No entanto, já ouvimos ao menos uma boa opinião a respeito de vocês. Isto é, a de que não possuem quaisquer preconceitos de cor e de que não são tão contrários à liberdade a ponto de dispensarem dinheiro em troca do auxílio para que um escravo chegue ao Canadá, da mesma maneira que não hesitariam em capturar fugitivos e devolvê-los aos senhores. Se vocês são, assim, tão indiferentes a quem servem, nós os aconselhamos a, a partir de agora, servir ao escravo, e não ao senhor. Deem meia-volta e ajudem o roubado a roubar os ladrões. Aqueles podem pagar melhor que estes. Ajudem-nos a reaver suas posses legítimas e seus pagamentos serão satisfatórios. Ajudem-nos a açoitar os senhores de escravos e eles poderão pagar dez vezes mais do que vocês jamais receberam pelo açoite de um escravo. Ajudem-nos a sequestrar escravos e eles poderão pagar mais do que você receberá ao capturar um fugitivo. Seja honesto com os escravos e acreditamos que eles pagarão bem por tais serviços. Sejam desonestos e esperamos que eles os matem.”
Isso,
sim, é liberação por diversão e lucro. Não requer que um slogan
moralista seja empunhado por todos aqueles que sejam contrários à
escravidão, o trabalho assalariado ou outras instituições que se
originam no estado. O momento de recitar lugares-comuns vazios sobre
a decência da liberdade humana já passou. O mundo daqueles que
servem a senhores de escravos e daqueles que não se interessam pela
liberdade está ruindo. O cinto de utilidades do revolucionário se
expande cada vez mais. Não é mais necessário apodrecer numa cela
de prisão para reclamar o direito a uma vida que é legitimamente
nossa. Junte-se a esta rebelião criptográfica.
Essas
comunidades online funcionariam como o que Spooner chamou de “comitês
de vigilância”, em que as injustiças que não são punidas pelos
meios políticos são julgadas diretamente por forças
descentralizadas. Spooner também reconhecia os perigos dessas ações
e, como afirmamos acima, tais planos não eram aplicáveis sem
grandes riscos individuais. Isso não mais ocorre necessariamente. É
hora de implementarmos essa ideia do século 19 no século 21.
Evidentemente,
há alguns problemas com a aplicação dessa ideia, como
um editorial anterior do C4SS mostrou. Porém, esses mercados não
se restringem a atividades revolucionárias. As pessoas podem
utilizá-los para o que desejarem. Alguns temem que estruturas assim
poderiam motivar atos de agressão e violência injustificáveis,
contra pessoas que não merecem tratamentos hostis. Porém, como
quase sempre é o caso, a caixa de Pandora está aberta. Nada impede
que seu vizinho abra um mercado de linchamentos de uma classe
desfavorecida. Também não há nada que impeça que essa mesma
pessoa atire ou promova linchamentos individualmente. Assim,
precisamos ter em mente que, no caso de ideias potencialmente
perigosas como estas, há uma maior necessidade de educar e
incentivar o tipo certo de cultura.
Com
novos mecanismos de defesa, sempre surgem novos mecanismos de
opressão. Armas eram uma ótima ideia até que decidimos dar à
instituição com o monopólio da violência a maior parte delas.
Portanto, devemos desestimular atos verdadeiramente opressivos nesses
mercados. Devemos fomentar uma sociedade de pessoas que rejeitem as
autoridades econômicas e políticas e que estejam dispostas a sair
de seus empregos e a ganhar dinheiro combatendo o sistema de
opressão, um ato de cada vez. A hora de agir é agora. Nunca houve
um momento mais oportuno. A comunidade libertária está na vanguarda
desta tecnologia, empurrando-a à frente, facilitando a possibilidade
de quebrar as leis injustas muito mais fácil a todo o momento,
tornando mais simples se envolver em atividades consideradas ilegais
e indesejáveis. Esta é nossa oportunidade.
Traduzido por Erick
Vasconcelos. Para ler o original clique aqui.
Ryan Calhoun é ativista acadêmico.