Por Mabel Dias e
Coletivo Insubmiss@s
Publicado na cartilha “Mulheres Anarquistas: o resgate de uma história pouco contada” em 2003.
Nascida em 16 de
maio de 1887 em Minas Gerais, foi uma figura polêmica, e
desde cedo teve interesse pelas idéias sociais e
anticlericais.
Maria Lacerda de Moura
defendia uma postura libertária para as mulheres,
quando, por exemplo, incitava as mães de soldados que
estavam indo participar da Segunda Guerra Mundial, no combate
às tropas nazistas, para que não deixassem que seus
filhos se alistassem no exército; dizia ainda que o voto
não significava nenhuma emancipação para as mulheres e defendia
a maternidade como uma livre opção, e não uma imposição.
Foi professora
primária, em Barbacena, Minas Gerais, formada pela Escola
Normal, e acreditava na educação como um instrumento de
transformação social, tendo adotado a pedagogia libertária
de Ferrer. Como educadora aderiu às campanhas de
alfabetização de adultos, e fundou a Liga Contra o
Analfabetismo. Na década de 20, 80% da população brasileira tinha acesso
a uma alfabetização rudimentar. Teve um trabalho
com as mulheres da região, incentivando mutirões de construção
de casas para a população carente da cidade.
Ao se mudar para
trabalhar em São Paulo, em 1921, começou a dar aulas
particulares e posicionou-se contra as iniciativas oficiais no ensino,
buscando alternativas educacionais ligadas a movimentos sociais.
Partindo de suas
leituras e reflexões sobre a condição feminina, no
trabalho e na educação, passou a combater outras formas de
autoritarismo na esfera do pequeno grupo e na privada, como
combateu na esfera pública com relação ao poder político e
econômico.
Participou do
teatro social e colaborou com a imprensa operária e
anarquista, tendo fundado em 1923 a revista Renascença, que
circulava entre os anarquistas e livres pensadores. No
jornal A Plebe, escrevia principalmente sobre pedagogia e educação.
Denunciava as práticas pelas quais os exploradores mantinham
o saber e o poder sobre a mulher e a criança, adotando
assim o discurso e a prática pedagógica
anarquista.
A partir de 1926,
passou a viver em uma comunidade, em Guararema, interior
de São Paulo. Tratava-se de um lugar formado por
objetores de consciência da Primeira Guerra Mundial, que tinham
se reunido à beira do rio Paraíba, pretendendo viver
em liberdade, sem hierarquias. A comunidade de
Guararema pereceu diante da repressão do governo de Getúlio
Vargas, em 1935. Quando a comunidade acabou, Maria
Lacerda de Moura voltou para Barbacena e tentou viver como
professora de preparatórios para o ginásio.
Teve algumas
divergências com os anarquistas, respectivamente nos
anos de 1923 e 1935. A primeira divergência foi
quando em uma conferência chamada "Conformados e
Rebeldes", ela discorreu sobre a obra
educacional do
ministro da União Soviética, elogiando-a. A platéia era de
anarquistas, que ficaram revoltados, pois sofriam com as
violentas perseguições movidas pela União Soviética aos
dissidentes do Comitê Central e não gostaram nada no apoio que
Maria Lacerda deu a obra do ministro russo em seu
discurso. Em 1922, ela volta a juntar-se aos anarquistas na
campanha contra a guerra e na Liga
Anticlerical.
Mas vem então a
segunda polêmica, quando ela declarou, durante a
publicação de seu livro antifascista "Fascismo
-filho dileto da Igreja e do Capital”, que além de
Jesus Cristo não conhecia outros
anarquistas. Daí então, houve um novo afastamento, tanto de
Maria Lacerda de Moura em relação aos anarquistas, quanto dos
anarquistas em relação a ela.
Osvaldo Salgueiro e
Pedro Catalo, no jornal A Plebe, diziam que Maria Lacerda
tinha um discurso confuso e disperso, uma inconsistente
teoria política e apresentava contradições em seus escritos e em
sua atuação. Edgard Leuenroth, teve a colaboração da
jornalista nos jornais A Plebe e A Lanterna e quando escreveu seu
livro, em 1953, Anarquismo: roteiro de libertação social,
não menciona nenhuma obra de Maria Lacerda de Moura.
Ela se considerava
individualista e dizem que por isso ganhou antipatias das
feministas que não davam respaldo aos livros publicados e
palestras que ela fazia, até porque ela criticava os propósitos das
feministas, que acreditavam que o voto e a mulher no poder
mudariam a situação de submissão das mulheres. Durante
algum tempo foi presidenta da Federação Internacional
Feminina e tentou articular as mulheres de Santos e São
Paulo num movimento que ultrapassasse os objetivos eleitorais do
movimento sufragista de Bertha Lutz. Embora tivesse tido
divergências com @s anarquistas, os pontos em comum entre
el@s eram vários.
Tinha posturas que
se aproximavam dos movimentos anarquista e
feminista, mas sentia-se livre para tecer críticas a ambos, ou a
outros movimentos político-sociais, pois via erros neles e não
conseguia deixar que isso passasse "em branco", sem que
ela exprimisse sua posição pessoal.
De 1939 a 1945
(ano em que morreu), recolhe-se a um silêncio
correspondente à crença de que cada um@ só pode descobrir a sua
verdade, e sob a inspiração de Tolstoi, Gandhi e do individualista
francês Han Ryner, passou a denunciar os perigos da "ciência
sem consciência", cujas descobertas ligadas aos interesses
industriais iriam ampliar as conquistas bélicas.
Algumas obras de
Maria Lacerda de Moura: Em torno da educação; A mulher é
uma degenerada?; Lições de Pedagogia; Religião do amor
e da Beleza; Clero e Estado; Amai... e não vos multipliqueis;
Clero e Fascismo e Serviço Militar Obrigatório para
mulher - Recuso-me, Denuncio!
Mabel Dias é ativista e atua no Coletivo Insubmiss@s
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