terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

A igualdade só pode ser alcançada no mercado



Por Grant Mincy

A linha de frente da igualdade esteve movimentada nos últimos dias. Algo que ganhou notoriedade nos EUA foi uma ação política no Tennessee que tinha como objetivo marginalizar a comunidade LGBTQ. O senador do estado Brian Kelsey introduziu um projeto de lei chamado “Afastando os gays”. Trata-se de uma lei que permitiria que as empresas se recusassem a oferecer seus serviços à comunidade LGBTQ. De acordo com o projeto, nenhuma “pessoa” deverá fornecer serviços “relacionados à celebração de qualquer união civil, comunhão doméstica ou casamento que não sejam reconhecidos pelo estado, se isso violar suas crenças religiosas mais caras [...] a respeito de sexo e gênero”. A lei é apoiada pelos conservadores estatistas e enfrenta resistência de vários grupos de militância e social-democratas.

Há notícias do Kansas nesse sentido também. Nesta semana, os legisladores do Kansas, com base na liberdade religiosa, votaram uma proteção legal a empresas que se recusam a fornecer serviços à comunidade LGBTQ. Opositores notam que isso significa que o governo tem a tarefa de proteger comportamentos discriminatórios.

A mesma tendência é perceptível em Nevada, Utah, Oklahoma, Ohio e Indiana. Alega-se que a visão de mundo socialmente conservadora é melhor para famílias e crianças — e, portanto, o casamento de pessoas do mesmo sexo deve ser banido. Uma voz dissidente,Shannon Minter, diretora legal do National Center for Lesbian Rights (em português, Centro Nacional de Direitos das Lésbicas), afirma, ao contrário, que “o estado não pode privar quaisquer grupos de pessoas de um direito fundamental com base nas visões religiosas de alguns”.

É o dinheiro dos impostos trabalhando — os argumentos políticos se resumem simplesmente a “eles deveriam apoiar ou rejeitar esta lei no plenário”. Esse é o problema fundamental com o discurso político. A retórica está presa na vertical.

Deixe-me propor, então, uma ética de liberdade? Com a liberdade, o poder social é maior que o poder do estado. Ao invés de olharmos para a estrutura vertical do governo, nós olhamos horizontalmente uns para os outros no mercado — a verdadeira arena pública.

No mercado, nós trabalhamos para comercializar bens e serviços, desenvolver federações, criar instituições e empurrar nossa sociedade para a frente. O mercado é a expressão máxima do que é de todos. Mercados libertos são mercados livres de estruturas de poder que impedem o exercício da democracia.

Não há qualquer necessidade de leis que protejam ou permitam a liberdade de associação. Os conservadores estatistas usam a retórica da “liberdade religiosa”, mas defendem uma sociedade que não chega nem perto da liberdade. Se um grupo religioso ou civil deseja honrar um relacionamento entre indivíduos conscientes, então, em liberdade, que seja. O uso dos tribunais para bloquear esse progresso não é nada além de uma tática para marginalizar as pessoas na sociedade.

Eu não sou favorável (mas sou simpático) ao uso dos tribunais para combater essa agressão. Não lamento a existência de direitos de propriedade ou das trocas voluntárias — eu as defendo. Também defendo protestos passivos, boicotes e trocas mútuas. Estas devem varrer práticas empresariais regressivas do mercado. O mecanismo de mercado permite esse tipo de progresso, enquanto o mecanismo estatal atrapalha e às vezes impede as mudanças sociais. Os movimentos sociais crescem em oposição ao poder estatal — ou seja, aos conservadores estatistas e a sua sede por poder.

A história pode ser vista como uma disputa entre o poder estatal e o poder social. É hora de colocar os comuns de volta no poder. O trabalho individual dos seres humanos é capaz de construir sociedades. O poder institucional e suas amarras ao progresso estão no caminho da extinção — finalmente.

Traduzido do inglês para o português por Erick Vasconcelos.
Para ler o artigo original clique aqui.


Grant Mincy é comentarista político e mantém o blog Appalachian Son. Seus interesses incluem política, geologia, sustentabilidade e ativismo.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Expropriações de terras nos países em desenvolvimento



Como poderosos interesses tomam as terras de camponeses, pastoralistas e outros por todo o mundo

Por Joseph R. Stromberg

Resenha do livro The Land Grabbers: The New Fight over Who Owns the Earth, de Fred Pearce, Beacon Press.


The Land Grabbers é uma ótima introdução às mais novas manifestações de uma antiga forma de pilhagem: a tomada dos recursos de outras pessoas e a destruição de seus sustentos. O autor, Fred Pearce, é um conhecido jornalista ambiental britânico. Aqui ele examina a alienação em andamento de terras "ociosas" ou "sub-utilizadas" na África, na América Latina, no leste asiático, na Rússia, na Ucrânia, na Geórgia, na Austrália e em vários outros lugares para as mãos de corporações internacionais, tanto privadas quanto estatais. Os políticos nos países afetados são parceiros-chave nas operações, que lembram a corrida pelo controle da África no final do século 19. As tomadas de terras têm como meta enriquecer empresas privilegiadas e seus aliados políticos, normalmente em detrimento daqueles que já ocupam a terra. Os estados, as empresas e seu aliado usual, o Banco Mundial, não veem motivos para respeitar os ocupantes donos e usuários dos recursos, quaisquer que sejam seus direitos estatutários pós-coloniais ou de jurisprudência. Nômades pastorais são ainda menos respeitados. Na Tanzânia, por exemplo, os governos e capitalistas de safáris reduziram as terras tradicionais reservadas ao pastoreio dos Maasai para uma fração do que eram. E na Etiópia a política governamental de "vilagização", afirma Pearce, realoca os camponeses "da mesma maneira que Stálin, Mao e Pol Pot", abrindo caminho para acordos com capitalistas estrangeiros.

No caso da agricultura, as ações são realizadas sob a justificativa ideológica de que somente fazendas de escala industrial, estruturadas como o subsidiado agronegócio americano, podem alimentar o mundo. Os ideólogos em questão incluem John Beddington, cientista chefe do governo britânico; Paul Collier, ex-diretor de pesquisas do Banco Mundial; e Richard Ferguson, da companhia de investimentos Renaissance Capital, que sonha em ver "fazendas industriais de um milhão de hectares". Para realizar essa visão, pequenos proprietários, caçadores, coletores e pastores devem sair da frente e submeter ao trabalho assalariado, onde quer que o encontrem. Essa ideologia anda de mãos dadas com o tipo de globalização que depende do poder dos Estados Unidos e de alguns países associados para ditar os contornos do comércio mundial. Embora os Estados Unidos tenham derrubado estados vistos como hostis aos interesses comerciais americanos (como na Guatemala em 1954), os métodos atuais são normalmente mais sutis. Incluem programas da USAID, a dominação americana das políticas do Banco Mundial e uma teia de tratados que criam obrigações, especialmente em acordos de investimento internacional.

Pearce é um ambientalista, mas seu livro não é especialmente ideológico. Ele tem mais interesse na apresentação de dados. Quando possível, ele apresenta dados sobre o tamanho de áreas em acres (ou hectares) e afirma quem fez o quê e em que lugar. Ele também culpa os ricos ambientalistas utópicos e suas ongs, afirmando que seus parques e reservas podem deslocar as populações locais e suas propriedades, da mesma forma que reservas de caça comercial, plantações de açúcar e áreas para exploração de madeira também podem.

Pearce dá os nomes dos empresários, empresas e políticos envolvidos, esboça seus motivos, alianças e conflitos mútuos. Ele considera seus motivos também, que vão além de dinheiro e poder. A Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e a China, por exemplo, carecem de terras aráveis. Para assegurar o acesso a commodities necessárias (ou de maneira lucrativa), corporações estatais chinesas e árabes arrendam áreas onde podem, e esses arrendamentos podem durar décadas. A moda dos biocombustíveis como o pinhão manso tem levado várias companhias a arrendar grandes áreas de terra, mas esses projetos não têm se materializado. Altos especuladores financeiros, na rápida fuga do colapso dos derivativos, têm buscado fugir para commodities como o milho e a soja, mesmo se isso significar o desalojamento de camponeses e outros usuários de recursos que estavam primeiro nos locais, em países como Etiópia e Brasil.

Muito tempo atrás, o jornalista econômico Terence McCarthy descreveu o resultado final das indústrias de extração que trabalhavam com recursos não-renováveis em solo estrangeiro: "nada é deixado além dos buracos no hão, alguns estreitos e profundos, outros largos e rasos – até que todo o terceiro mundo se torne a Virgínia Ocidental". Pelo menos hoje em dia os beneficiários das terras plantam alguma coisa. Os camponeses deslocados não parecem achar tal fato muito reconfortante. Arrendatários estrangeiros constantemente avançam sobre pequenos proprietários e, quando necessário, tratam os donos e usuários anteriores das terras como invasores e criminosos. Suas represas inundam as plantações dos outros – o tipo de conflito que as cortes americanas tiveram que resolver no começo do século 19, muitas vezes em favor dos latifundiários de então. As companhias de extração de madeira da Indonésia estabeleceram o parâmetro para agressão violenta contra seus vizinhos, como lembrou um local da província de Riau: "Um dia, simplesmente fomos roubados de nossa terra comunal." Adicionalmente, as atividades dos madeireiros poluíram córregos, reduzindo a disponibilidade de peixes. O general Suharto, ditador virtual da Indonésia de 1967 a 1998, entregou enormes regiões florestais para seus aliados e arrancou os habitantes das localidades das terras.

Pearce menciona um camponês que foi expropriado na Sumatra que disse: "Não temos mais como viver aqui agora." A palavrinha "agora" tem que estar no começo de qualquer discussão que envolva ex-camponeses que vão para as cidades para trabalhar em péssimas condições em empregos a baixos salários. Sim, sob essas condições, as pessoas podem até querer assumir esses empregos. A questão relevante é a de por que elas deveriam. Eles preferem as oportunidades urbanas à vida no campo? Ou a tomada das terras tirou pessoas anteriormente independentes de suas casas?

Pearce habilmente defende os pastoralistas contra a fábula criada por Garret Hardin sobre a "tragédia dos comuns", segundo a qual os usuários de recursos comuns vão super-explorá-los, levando à degradação no longo prazo. A resposta de Pearce é que os usuários dos comuns criaram instituições que permitem que eles gerenciem os recursos e evitem esse resultado. (O trabalho de Elinor OstromE. P. Thompson e J. M. Neeson dá suporte a essa posição.) Ele argumenta em prol da capacidade dos pequenos proprietários de inovar localmente, adicionando que as modernas comunicações pode rapidamente dispersar essas descobertas. Uma vez que essas formas de produção não têm problemas, não há necessidade de "consertá-las".

A recente onda de tomadas de terras é um processo em curso. Pearce não alega que todas elas vão terminar em desastre, mas muitas vão. Por um breve momento nos anos 1970, libertários como Roy Childs e Murray Rothbard levantaram a questão dessas expropriações de terras. Mais tarde o interesse diminuiu, e a teoria monetária, estruturas de capital e outros temas se tornaram centrais. Agora, porém, as tomadas de terras estão de volta e os libertários devem dar a ela a atenção que merece.


Traduzido por Erick Vasconcelos



Joseph R. Stromberg é um historiador independente e escreve regularmente artigos para diversos veículos políticos.

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terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

A desigualdade como uma revolta contra a natureza


Por Kevin Carson
O cerne da minha filosofia, como um anarquista de mercado, é a crença de que a igualdade de troca é mutuamente benéfica. A exploração econômica só pode resultar de uma troca desigual, o que exige a interferência coercitiva no processo normal das trocas de mercado. Muitas pessoas acham isso questionável. Então, vamos tomar o argumento do porque isso é assim e dividi-la em etapas.
A igualdade de troca normalmente gera resultados igualitários porque os seres humanos são maximizadores de utilidade. Adam Smith argumentava que a troca de bens e serviços tende a ocorrer numa proporção que reflete o esforço para produzi-los. Se levar um dia de trabalho para apanhar com uma armadilha três castores ou caçar dois veados, o preço de mercado tenderá a um equilíbrio de três castores = dois veados. A razão é que, se o veado estiver precificado acima de três castores, vai ser economicamente mais vantajoso caçar veados do que trocar castores por eles. O prêmio sobre o preço dos veados em relação ao dos castores demandará esforço, ao longo do tempo, para a troca da montagem de armadilhas para a caça, conduzindo o preço de volta ao seu nível natural.
Enquanto a concorrência for livre, as pessoas reagirão às trocas desiguais procurando condições de maior igualdade. E desde que não existam barreiras à entrada no mercado, os preços acima do custo de produção (incluindo a desutilidade do trabalho) proporcionam um incentivo à entrada no mercado a um preço mais baixo. Portanto, como argumentou Franz Oppenheimer, o mercado sempre tende a um equilíbrio no qual a troca de bens ocorre com uma razão que reflete as desutilidades subjetivas dos produtores.
Essa é a tendência natural, obtida na medida em que os agentes em determinado mercado são iguais e o poder não entre na equação. O único modo de vender bens e serviços a preços superiores ao custo de produção e da desutilidade subjetiva existente na sua produção, no longo prazo, é por meio do uso da força para suprimir a concorrência por parte de fornecedores mais eficientes.
Privilégio é o uso de força direta ou indireta para suprimir a concorrência, controlar as condições sobre as quais as outras pessoas trabalham para obter bens de consumo, de tal maneira que elas tenham de trabalhar para sustentar o detentor do privilégio como condição para serem autorizadas a trabalhar para sustentarem a si próprias.
Impor privilégios é o que o estado faz. O exemplo clássico, o qual Oppenheimer explica em The State” (O Estado), é a propriedade artificial da terra. A exploração do trabalho assalariado torna-se impossível quando os empregadores estão sujeitos à concorrência desenfreada por parte do emprego autônomo.
Em países predominantemente agrários, isso significa, especificamente, que desde que terra vaga convenientemente localizada esteja disponível para o cultivo, a concorrência oriunda da agricultura de subsistência vai elevar os salários e reduzir os lucros. Em países agrários, o estado age em conluio com latifundiários e patrões para se apropriar da terra por meios políticos. A oligarquia fundiária usa títulos artificiais de propriedade tanto para excluir produtores de terras vagas quanto para extrair arrendamentos daqueles que são os proprietários legítimos em virtude do cultivo.
O mesmo princípio básico aplica-se a todas as situações em que uma classe privilegiada interpõe-se entre produção e consumo, cobrando taxas pelo direito de alguém transformar sua própria mão-de-obra em subsistência. Esse princípio toma a forma de direitos de propriedade artificiais tais como patentes e direitos autorais, de cartéis regulatórios que restringem a concorrência de preços ou aumentam artificialmente os dispêndios de capital e despesas gerais necessárias para a produção, e de subsídios que ocultam preços de monopólio mascarados na nota fiscal.
Por exemplo, 95% ou mais do preço dos tênis da Nike advém de sua marca, preço muito acima do custo de produção, constitui-se uma renda de propriedade artificial para a empresa Nike. O mesmo ocorre em relação ao enorme sobrepreço (mark-up) a título de “propriedade intelectual” de um CD do Windows ou do Office da Microsoft ou de um medicamento patenteado. O mesmo ocorre com a maioria dos preços de bens eletrônicos que resultam de rendas embutidas em patentes em vez de serem oriundos de partes e peças e trabalho verdadeiro.
Como Robert Anton Wilson argumentou na trilogia Illuminatus!, sempre que você ver trocas resultando sistematicamente em ganho para uma parte e prejuízo para outra, pode saber que não se trata de troca de “livre mercado” coisa nenhuma. O jogo está viciado. Big Bill Haywood, um dos fundadores do I.W.W. – Industrial Workers of the World – ou “Wobblies,” expressou isso da seguinte maneira: “Para cada homem que ganha um dólar pelo qual não trabalhou, há um homem que trabalhou por um dólar que não ganhou”.
Mamães progressistas gostam de falar de pessoas que “trabalham duro e que jogam limpo” ainda que não sejam bem-sucedidas. Quer dizer, duh! Alguém está surpreso quando alguém se pauta pelas regras, em Las Vegas, e a casa ganha? Apesar da retórica do “livre mercado” usada por nossa elite plutocrática de bilionários, banqueiros e do top 500 dos executivos da Fortune, o que temos não é um livre mercado. É um jogo de cartas marcadas no qual a casa sempre ganha.
Tradução de Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme. Revisão de Matheus Pacini e Rodrigo Viana.


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Sobre o culto à autoridade



Por Kevin Carson

Na segunda, dia 13 de janeiro, dois policiais de Fullerton, na Califórnia, acusados do espancamento até a morte de Kelly Thomas foram inocentados e o promotor anunciou sua decisão de não processar um terceiro policial envolvido. As milhões de pessoas que acompanhavam o desenrolar dos fatos encararam o veredito com incredulidade: como alguém que tinha visto o terrível vídeo em que Thomas era espancado contra a parede de forma brutal com punhos e cassetetes, implorando por sua vida e chamando por seu pai, poderia justificar outra decisão que não “culpados”?

A resposta está num famoso experimento psicológico – a Experiência de Milgram -, conduzido em 1961. Conduzido quando ainda se lembrava claramente dos julgamentos de Nuremberg, o experimento levava os sujeitos a acreditar que estavam torturando um colega na sala ao lado (que, na verdade, se tratava de um ator fingindo ser um voluntário e não sofria qualquer dor) com choques elétricos cada vez mais potentes. Seguros de que os cientistas conduzindo o experimento assumiriam toda a responsabilidade pelos atos e impelidos a continuar, o sujeitos continuaram a (pensavam eles) causar mais e mais dor com choques dolorosos nos colegas, mesmo quando os gritos se tornavam cada vez mais altos e depois se silenciavam. Em suma, eram pessoas dispostas a infligir dor em estranhos que imploravam por piedade, ao ponto de perderem a consciência e talvez morrerem, confiando em garantias de “figuras de autoridade responsáveis”, contanto que a vítima fosse enquadrada como alguém de fora.

Psicólogos do desenvolvimento nos dizem que as crianças são introduzidas à socialização com a visão de que a autoridade política é uma extensão da autoridade dos pais. O presidente é visto primariamente como um tipo de mamãe ou papai e o resto do país é a família. Gradualmente, agentes como o Congresso, os tribunais e assim por diante entram no cenário – primeiramente vistos simplesmente como “auxiliares” ao presidente, somente mais tarde como limitadores de sua autoridade. A aura de autoridade parental, porem, persiste num nível subliminar.

A aura contínua de autoridade estimula a tendência a dar a líderes políticos o benefício da dúvida mesmo quando eles iniciam guerras (“devem conhecer informações de que não sabemos”) e a perceber sistemas de autoridade como coisa que exitem por consentimento popular para solucionar problemas comuns (“o governo somos todos nós”). Em nenhum outro lugar esse sentimento é mais forte que na visão do policiais inculcada em crianças pequenas. “O policial é seu amigo”. “Se estiver em perigo ou precisar de ajuda, chame um policial”. “Eles deviam estar fazendo algo de errado ou não teriam sido presos”.

Isso tudo, porém, é simplesmente falso. Talvez no passado a polícia tenha sido uma presença benéfica aos bairros e em pequenas cidades, onde os residentes locais conheciam há tempos uns os outros e o policial em ronda (e mesmo neste caso, as coisas podiam não ser tão floridas para mendigos e membros de minorias raciais). Mas hoje em dia a maioria dos policiais de corporações metropolitanas de qualquer tamanho são pessoas que escolheram o trabalho de polícia baseados em suas personalidades autoritárias e em seu desejo de brutalizar os outros; outra parte são pessoas aculturadas à brutalidade após se juntarem às forças policiais, enquanto a maioria daqueles que não se encaixa em nenhuma das primeiras duas categorias aprende a honrar o código de silêncio da farda quando testemunham a brutalidade dos seus “companheiros”.

O que aconteceu com Thomas é um procedimento padrão de operação da polícia em muitas jurisdições: continue a brutalizar alguém que já tenha se tornado fisicamente incapaz de resistência – para além de espasmos involuntários de agonia – enquanto você grita “Pare de resistir! Pare de resistir!”. As polícias locais não passam de impérios sórdidos de criminalidade sustentados por evidências plantadas, armadilhas, testemunhos forçados, confiscos de bens de indivíduos privados e cães treinados para dar alertas falso sob comando. Graças à ampla disponibilidade de equipamentos militares e treinamento cruzado com as forças armadas, os policiais americanos estão militarizados ao ponto de que os times da SWAT são usados para executar buscas de rotina ou mandados de prisão – derrubando portas, atirando em animais domésticos, pilhando casas e aterrorizando famílias na calada da noite como as polícias soviética e nazista. As forças policiais cada vez mais veem os civis como uma população inimiga para ser sujeita a mostras aleatórias de força.

Até que a maioria das pessoas abandone seu respeito pela autoridade uniformizada que foi inculcado pelo estado e sua tendência a tratar pessoas de fora como “o outro”, os vereditos de Rodney King e Kelly Thomas – e tantas outras decisões parecidas, mas desconhecidas – continuarão a acontecer.

Traduzido por 

Kevin Carson é um anarquista individualista e teórico mutualista contemporâneo cujos trabalhos incluem "Studies in Mutualist Political Economy", "Organization Theory: A Libertarian Perspective" e "The Homebrew Industrial Revolution: A Low-Overhead Manifesto", todos disponíveis online. Ele é associado sênior do instituto Center for a Stateless Society (c4ss.org).

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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O mito do laissez-faire do século 19: quem se beneficia hoje?


Por Roderick Long
Na semana passada, Michael Lind fez uma pergunta tola (“A questão que os libertários simplesmente não podem responder”): Se o libertarianismo é tão bom, por que nenhum país tentou adotá-lo?
A pergunta é tola porque a resposta libertária é óbvia: o libertarianismo é bom para os cidadãos comuns, mas não para as elites do poder que controlam os países, determinando quais políticas implementam, e, portanto, não recebendo cordialmente medidas que exponham seu status privilegiado à concorrência de livre mercado. E os cidadãos comuns não apoiam as políticas libertárias, visto que: i) a maioria deles não está familiarizada com todos os benefícios do libertarianismo, e também ii) porque o sistema educacional é controlado por aquelas elites mencionadas acima.
A pergunta de Lind é análoga àquelas que poderiam ser feitas alguns séculos atrás: se a tolerância religiosa, ou igualdade entre sexos, ou a abolição da escravatura eram tão boas, por que nenhum país adotou-as? Todas essas perguntas equivalem a questionar: se a liberação da opressão é tão grande para os oprimidos, por que os opressores não as adotaram?
E. J. Dionne propõe uma resposta distinta (“O calcanhar-de-aquiles do Libertarianismo”) à pergunta de Lind: “Nós tivemos algo próximo à utopia libertária de governo mínimo no final do século XIX e decidimos que não funcionava”.
Deixando de lado o uso orwelliano de “nós” – como uma afirmação séria sobre a história, isso é um absurdo. Mesmo se ignorássemos, como não deveríamos, as inabilidades jurídicas anti-libertárias impostas às mulheres, não brancos, e homossexuais (isto é, a maioria da população), permanece verdade que os Estados Unidos do final do século XIX foi caracterizado por uma intervenção vigorosa e sistemática do governo em nome das grandes negócios (às vezes envolto em uma retórica de laissez-faire, outras na retórica progressista). Um governo que habitualmente leva a polícia ou o exército às ruas para terminar com greves é dificilmente um regime laissez faire.
Na década de 1880, o anarquista de livre mercado Benjamin Tucker identificou a dominação dos interesses empresariais na Idade de Ouro baseado em uma variedade de monopólios impostos pelo Estado, destacando quatro em particular: tarifas protecionistas; a monopolização do crédito por meio do controle governamental da oferta de moeda; a supressão da competição via monopólios informais (patentes e direitos de propriedade intelectual); e a transmissão legal de títulos de propriedade de terras e recursos naturais com base na expropriação e influência política ao invés de propriedade e comércio. Junto a esses, Tucker listou a monopolização de serviços de segurança representados pela instituição do próprio estado.
A manipulação do mercado em favor dos grandes negócios não terminou na Era do Ouro. A alegação de Dione de que naquela era “monopólios se formavam facilmente” ignora a pesquisa histórica de James Weinstein e Gabriel Kolko  mostrando que as supostas regulações anti-trust da era progressista (e, da mesma forma, Butler Shaffer, mostrou, aquelas do New Deal) foram atualmente propostas pela elite corporativista, de maneira a gerar monopólios que não poderiam sobreviver no livre mercado. A visão de Dionne sobre o New Deal como salvador de um governo que estava anteriormente “sem ajuda” e “algemado” por uma “ideologia anti-governo” é ridícula. O grande governo de Roosevelt, criador de políticas cartelizantes foi largamente uma continuação do governo de Hoover. E dada a destruição do sistema de saúde disponível no início do século XX pelo poder político da classe medica, como documentado pelo historiador David Beito. A alegação de Dionne que o laissez faire deixou os pobres “incapazes de pagar planos de saúde” é literalmente adicionar insulto à injúria.
O mito do laissez-faire do século XIX é útil para os estatistas tanto da esquerda quanto da direita. Como o anarquista de mercado Kevin Carson observa, “os defensores do estado de bem estar regulatório devem fingir que as injustiças da economia capitalista resultam do mercado desenfreado, ao invés da intervenção estatal no mercado”, posto que, de outra forma, “eles não poderiam justificar seu próprio poder como solução”. Justamente por isso, “apologistas das grandes empresas” necessitam “fingir que um estado de bem estar regulatório era algo imposto sobre eles por ideólogos anti-negócios, em vez de algo que eles mesmos trabalharam arduamente para criar”.
A identificação de Dionne com a Tea Party (ala mais conservadora do Partido Republicano) mostra que ele mesmo foi enganado pela retórica anti-governo do que é principalmente (com algumas poucas exceções) um campanha governamental pro-corporativismo (capitalismo de compadres), legislação moral intrusiva, assédio a imigrantes pacíficos, e uma politica externa sanguinária. As regulações contra as quais os participantes da Tea Party reclamam são principalmente regulações secundárias, desenvolvidas meramente para dirimir os efeitos daquelas regulações primárias que mantem as estruturas de poder essenciais em voga.
Uma pergunta melhor poderia ser feita a Lind e Dionne: se o estado intrusivo é tão bom, por que ele necessita reter seus clientes pela força, em vez de permitir que eles pacificamente optem ou não por ele?
Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Ivanildo Terceiro.


Roderick T. Long é um anarquista de mercado de esquerda e leciona filosofia no Auburn University. É presidente do Molinari Institute e do Molinari Society.

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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Mercados libertos do capitalismo




Por Charles W. Johnson

Este artigo é parte integrante do livro "Markets Not Capitalism"

Vamos falar sobre a estrutura e os mecanismos do capitalismo de estado. Quero dizer, como, na vida econômica cotidiana, a estrutura política do privilégio corporativo tende a produzir e sustentar as condições materiais da economia dos patrões – para utilizar uma distinção tripla de Gary Chartier[1], como o capitalismo2 promove o capitalismo3 – e como os mercados libertos iriam abolir o primeiro e colocar o outro por água abaixo. Muitas das minhas observações aqui serão amplamente em caráter histórico e econômico – embora de um tipo necessariamente superficial e programático, dado o tamanho do tema e das restrições do espaço. Por isso, considere isso um guia para direções de pesquisa e discussão, uma tentativa de mostrar-lhe, de modo breve, onde os pontos de referência principais da análise do livre mercado anti-capitalista estão, ao invés de uma tentativa de um completo guia turístico. Penso que isso é importante para, pelo menos, esboçar o mapa porque o obstáculo principal que anti-capitalistas de livre mercado enfrentam para explicar a nossa posição não é tanto uma questão de corrigir erros particulares em princípios políticos ou analises econômicas embora existem erros particulares que nós esperamos falar e corrigir. É mais uma questão de convencer nossos parceiros de conversa a fazer um tipo de mudança de aspecto, adotar um novo ponto de vista do que se vê no gestalt político-econômico.

A necessidade para essa mudança é urgente porque – com desculpas a Shulamith Firestone[2] – a economia política do capitalismo de estado é tão profunda ao ponto de ser invisível. Ou pode parecer ser um conjunto superficial de intervenções, um problema que pode ser resolvido por algumas reformas legais ou, talvez, a eliminação de ajuda por resgates financeiros e subsídio de exportação ocasional, enquanto isso preservando mais ou menos intacto os padrões reconhecíveis básicos da atividade capitalista como de costume. O livre mercado anti-capitalista assegura que existe algo mais profundo e mais difundido, sob o risco de que tipo de debates políticos de nível superficial a que libertários pró-capitalistas, muitas vezes, limitam suas discussões. Um mercado liberto completo significa a libertação de postos de comando vitais na economia, recuperando-os a partir de pontos do controle estatal das relações de mercado e do empreendedorismo social – transformações a partir do qual um mercado surgiria, de que pareceria profundamente diferente de qualquer coisa que temos atualmente. Uma mudança tão profunda que não se encaixa facilmente nas categorias tradicionais de pensamento, por exemplo, "libertária" ou "de esquerda", "laissez faire" ou "socialista", "empreendedora" ou "anti-capitalista". Não porque estas categorias não se aplicam, mas porque elas não são grandes o bastante. Livre mercados radicalmente os rompem completamente. Se houvesse outra palavra mais abrangente do que revolucionário, nós usaríamos.

Dois Significados de "Mercados"

A fim de deixar claro sobre o assunto numa conversa sobre "Anti-capitalismo de Livre Mercado", os pontos óbvios onde o esclarecimento possa ser necessário, segue o significado de capitalismo o significado de mercados e o significado de liberdade no contexto de mercados. Libertários de esquerda e anarquistas de mercado tem gastado muito tempo e surgido muita controvérsia a respeito do primeiro tópico – se "capitalismo" é realmente um bom nome para o tipo de coisa que nós queremos, a importância dos mercados em distinção do capitalismo atualmente existente e a possibilidade de desembaraçar múltiplos sentidos do "capitalismo". Tem havido muita discussão sobre isso, mas no momento eu gostaria de passar essa questão, a fim de focar no lado menos frequentemente discutido de nossa distinção – não no significado de "capitalismo", mas as diferentes linhas de significados dentro do termo "mercado". O significado do termo é, obviamente, fundamental para qualquer estudo de economia de livre mercado, mas eu diria que há, pelo menos, dois sentidos distintos em que o termo é usado normalmente.

  • Mercados como livre troca: quando libertários falam sobre mercados ou especialmente sobre "o mercado", no singular, nós geralmente queremos dizer como para escolher a somatória de todas as trocas voluntárias[3] – qualquer ordem econômica que se baseia, sobre princípios da posse pessoal de propriedade, troca consensual, livre associação e da liberdade para empreender em qualquer competição pacífica e de descoberta empreendedora.

  • Mercados como a relação por dinheiro: contudo, geralmente nós também usamos o termo em um sentido diferente – para se referir a uma forma particular de aquisição e propriedade de troca – isto é, se referir o comércio e trocas de compensação equivalente bilateral [N. T.: do inglês, quid pro quo exchanges], relações sociais relativamente impessoais sobre uma base de pagamento, tipicamente mediada por instrumentos de circulação e financeiros denominados como unidades de moeda.

Estes dois sentidos estão inter-relacionados. Quando eles ocorrem dentro do contexto de um sistema de livre troca, os relacionamentos sociais baseados na relação por dinheiro – produzir, comprar e vender a preços de mercado, poupar dinheiro no uso futuro, investir dinheiro em iniciativas produtivas e coisas do tipo, tem todo o papel positivo, até mesmo essencial, em uma sociedade livre florescente. Eu não pretendo discutir que isso desaparecerá em uma sociedade de liberdade uniforme, mas eu pretendo discutir que eles não podem parecer com o que você espera que pareça, se a sua ideia de relações comerciais é formada do comércio sob as condições do capitalismo corporativo. O comércio sob o capitalismo possui muitas características exploratórias e alienantes que os críticos da esquerda acusam a "iniciativa privada" ou "sociedade de mercado" de tê-las. Mas não por causa da iniciativa ou por causa do mercado. O problema com o comércio sob o capitalismo é o capitalismo, e sem isso, tanto trocas de mercado liberto quanto de comércio de relação por dinheiro terá um caráter completamente diferente.

Para ver como eles podem se reunir, devemos primeiro observar como eles se separaram. Contudo, frequentemente eles podem estar ligados de fato, trocas livres e relação por dinheiro são distinguíveis no conceito. Mercados, no primeiro sentido (a soma de todas as trocas voluntárias), incluem a relação por dinheiro – porém muito mais do que a relação por dinheiro. Se um "mercado liberto" é a soma de todas as trocas voluntárias, então partilhamento familiar ocorre dentro do mercado liberto, caridade é parte de um mercado liberto, donativos são partes do mercado liberto; troca informal e permuta são todos partes de um mercado liberto. Da mesma forma, enquanto os mercados como livre troca possam incluir arranjos "capitalistas" – contanto que sejam consensuais – eles também abrangem bem mais do que isso. Não há nada em um mercado liberto que proíba o trabalho salarial, aluguel, empregos corporativos ou seguros empresariais contra crises financeiras. Mas um mercado liberto também engloba arranjos alternativos – incluindo muitos do quais não tem nada a ver com relações entre empregador-empregado ou gestão corporativa e que encaixam inadequadamente, na melhor das hipóteses, com qualquer significado convencional do termo "capitalismo": propriedade coletiva de trabalhadores e cooperativas de consumo são partes do mercado, associações de ajuda mútua grassroots [N. T.: "grassroots" é um tipo de instituição independente e voluntária criada por pessoas comuns de uma comunidade, gerenciada sem a figura de um líder ou grupo formal, para prover serviços comunitários] e comunidades de clínicas médicas gratuitas são partes do mercado. Assim como sindicatos trabalhistas voluntários, comunas consensuais, experimentos mais limitados ou mais amplos de economia do dom e inúmeras outras alternativas prevalecentes ao status quo do capitalismo corporativo. Para focar no ato específico de troca pode até ser um pouco enganoso, poderia ser mais sugestivo e menos enganoso, descrever um mercado totalmente liberto, neste sentido, como o espaço de máxima experimentação social mantida consensualmente.

A questão, então, é saber se, quando as pessoas são livres para experimentar quaisquer ou todos os meios pacíficos de ganhar a vida, os tipos de alternativas mutualistas que eu mencionei pode assumir um papel maior na economia, ou se as formas capitalistas prevalecentes continuariam a predominar como fazem atualmente. Seguramente, os arranjos capitalistas predominantes de hoje – a maioria das formas viáveis de ganhar a vida são empregos capitalistas, a maioria das pessoas alugam suas casas a partir de um senhorio ou "tomam posse" disso contanto somente que eles mantenham mensalmente contas a um banco. Gerenciamento amplo e centralizado predomina nas empresas e corporações no fornecimento de crédito, seguro, saúde e praticamente todos os bens de capital e de consumo. Iniciativas produtivas são quase todas empresas comerciais, empresas comerciais são predominantemente em alta escala, empresas corporativas centralizadas e empresas corporativas controladas por uma selecta classe relativamente pequena e socialmente privilegiada de gestores e financistas. As desigualdades em termos de riqueza e renda são vastas e as vastas desigualdades tem profundos efeitos sociais.

Mas claro, o fato de arranjos capitalistas predominarem hoje não é razão para concluir que "era o que tinha que acontecer com o mercado" ou que as concentrações capitalista de riqueza são uma tendência básica de trocas de livre mercado. Pode ser uma razão para pensar que, se a predominância dos arranjos capitalistas fossem o produto de preferências reveladas em um livre mercado, no entanto, visto que no presente momento nós não temos um livre mercado, ao menos, isso irá tomar alguma investigação mais profunda – a fim de determinar se essas alternativas capitalistas prevalecem apesar do modelo não livre do mercado existente atual. Ou se prevalecem, em parte, por causa desse modelo não livre.

Primeiramente, vamos levar esta lição e aplicá-la ao mercado como relação por dinheiro. A relação por dinheiro não esgota as formas de troca voluntária e experimentação econômica que possa surgir em um mercado liberto. Porém, mais do que isso, uma relação por dinheiro pode existir, e pode ser expansiva e importante para a vida econômica, queira ou não queira opera sob as condições da genuína liberdade individual. Mercados, no nosso primeiro sentido de troca voluntária, onde pessoas são realmente livres para produzir e trocar – "livre mercado", no sentido de troca voluntária de "mercado", é na verdade uma tautologia, e onde não há livre troca, não há ordem de mercado. Todavia, um "mercado" no sentido de relação por dinheiro pode tanto ser livre como não livre. Trocas em dinheiro ainda são trocas em dinheiro, quer sejam reguladas, restringidas, subsidiadas, taxadas, delegadas ou, de maneira diferente, reprimidas pela ação governamental.

Qualquer discussão da relação por dinheiro no mundo real – das "instituições de mercado" cotidianas, relações econômicas e arranjos financeiros que temos que lidar nessa economia governamental – precisa levar em conta não apenas as formas em que o governo limita ou proíbe as atividade de mercado, mas também as formas em que o governo, ao invés de limpar os mercados, cria novos mercados aparelhados – pontos de troca, relações por dinheiro que seriam menores, ou menos importante, ou de característica radicalmente diferente ou simplesmente não existiria de modo algum, exceto pela intervenção do estado. Os libertários geralmente falam de troca de mercado e alocação de verba governamental como esferas separadas claramente, como se eles fossem dois balões, colocados um próximo do outro, em uma caixa fechada, de modo que quando você explodir um deles, o outro tem que encolher para a mesma medida. Isso é bem verdade a cerca do mercado como experimentação social – na medida em que você colocar nos processos políticos, você extrai relações voluntárias. Mas a relação entre troca de relação por dinheiro e alocação de verba governamental é, de fato, como duas plantas crescendo uma o lado da outra. Quando uma se torna maior, pode ofuscar a outra e tolher o crescimento dela. Mas elas também trepam uma na outra, modelam uma na outra e podem até mesmo induzir algumas partes da outra planta a crescer muito mais do que se ela tivesse nenhum apoio.

Anarquistas de mercado devem ser claros, quando falamos sobre o crescimento dos "mercados" e o de seus papéis na vida social, se estamos nos referindo ao mercados como troca livre ou mercados como uma relação por dinheiro. Ambos possuem um valioso papel a desempenhar, mas o tipo de valor que eles oferecem e as condições e o contexto que eles tem desse valor, depende do que queremos dizer. Para um anti-estatista de princípios, o crescimento dos "mercados" como espaços para experimentação social consensual é sempre um desenvolvimento libertador – mas esses experimentos sociais podem ser mediados pela relação por dinheiro ou podem ser mediados por relações sociais inteiramente diferentes, e podem parecer como negócio ou comércio nada convencional. O crescimento dos "mercados" como trocas de relação por dinheiro, por outro lado, pode ser libertador ou violador e seu valor deve depender inteiramente do contexto em que se surge – se essas relações acontecem através da livre ação recíproca de forças sociais ou dos efeitos em cascatas diretos ou indiretos da força governamental e da criação coerciva dos mercados aparelhados. As formas de interação que são positivas e produtivas no contexto de troca livre facilmente se tornam instrumentos de alienação e exploração quando o governo coercivo os força sobre os participantes não dispostos ou os empurra para áreas de nossas vidas onde nós não precisamos ou não queremos.

Mercados aparelhados, mercados cativos e empresa capitalista como habitual

Quando anarquistas de mercado cuidadosamente distingue o amplo significado de “mercados” (como experimentação social voluntária) e o significado restrito e conotações de “mercados” como o a relação por dinheiro, isso sublinha a necessidade de olhar não apenas as formas em que a troca voluntária pode ser limitada e limpa, mas também as formas em que a troca de dinheiro – e os tipos de relações humanas e mediação social acompanham-no – pode ser bloqueada ou trancada – retida das pessoas ou impingidas sobre elas.

Para anarquistas de mercado anti-capitalistas há pelo menos três mecanismos específicos que nós poderíamos mencionar que empurram as pessoas para os mercados aparelhados – mecanismo que são especialmente difundido e especialmente importantes para a estrutura global de mercados existente atualmente – mecanismos pelos quais as grandes empresas já residentes no mercado e os arranjos amplamente capitalistas se beneficiam dos mercados aparelhados às custas dos trabalhadores, consumidores, pagadores de impostos e de alternativas mutualistas ao status quo. São estas três:

  • Monopólios e cartéis governamentais: em que as penas governamentais suprimem a concorrência diretamente ou erguem barreiras efetivas de entrada contra recém-chegados ou a bens e produtos substitutos.

  • Redistribuição regressiva: em que a propriedade é diretamente apreendida dos trabalhadores comuns pela desapropriação governamental e transferida para os beneficiários poderosos economicamente, na forma de subsídios financiados por imposto e política de bem-estar corporativa, empréstimos especiais do governo para as elites bancados pelos pagadores de impostos, o uso difundido do domínio eminente para apreender propriedade de pequenos proprietários e transferi-los para desenvolvedores comerciais enormes[4] e etc., e

  • Mercados cativos: em que a demanda por um bem é criada, ou artificialmente aumentada, pela coerção governamental – o que pode significar um mandato direto com penas infligidas a quem não comprar. Ou uma situações em que agentes de mercado são levados para dentro de um mercado sob termos desvantajosos artificialmente como um efeito em cascata indireto (até mesmo não intencionado) de intervenções governamentais anteriores.

Um exemplo fácil de um mercado cativo diretamente imposto, considere a demanda por seguro de carro corporativo. Quando os governos estaduais ordenam todo motorista a adquirir e manter seguro automotivo de companhias de seguro aprovadas burocraticamente, eles necessariamente encolhem o escopo de troca voluntária, mas eles também, de forma dramática, fortalecem uma forma particular e fetichista de troca de dinheiro – por intermédio da criação de um novo projeto de lei em que todo mundo seja obrigado a pagar e uma selecta classe de empresas residentes, com fácil acesso a um fluxo constante de consumidores, muitos do qual não podem pagar pelos “serviços” destas companhias exceto pelas ameaças de multas e prisões. O espaço de experimentação social se contrai, porém a relação por dinheiro se engorda sobre o que o governo destruiu.

Como um exemplo de um mercado cativo indiretamente imposto, considere a demanda por contadores certificados profissionalmente. O órgão público regulamentador dos contadores realiza um serviço útil, mas é um serviço em que muito menos pessoas e, de fato, muito menos empresas necessitaria, exceto pelo fato de que eles precisam de ajuda para lidar com exigências de documentação e papelada que o governo impõe de códigos de imposto. Um contador certificado é essencialmente alguém treinado a lidar com complexidade financeira, mas as finanças são muito mais complexas do que seriam em uma sociedade livre. Precisamente por causa da taxação do governo e dos requerimentos bizarros e incentivos perversos que tendem a tornar as coisas muito mais complexas do que elas seriam de outra forma. Embora o governo não tenha interesse especial em beneficiar a linhagem inferior dos contadores certificados, não obstante, é o caso de que esses contadores certificados são capazes de começar um negócio mais avançado, sob uma posição mais elevada, do que seriam em um mercado sem imposto de renda, imposto sobre salários, impostos sobre ganho de capital, imposto de propriedade, imposto sobre vendas, imposto de uso e uma miríade de outros impostos que demandam um conhecimento especializado em contabilidade e interpretação de requisitos legais.

Com estes três mecanismos à vista, um jeito rápido de explicar a tese do livre mercado anti-capitalista é esta: nós consideramos que muitos dos padrões de economia capitalistas reconhecíveis resultam do fato de que certas questões primordiais de mercados – importante, o mercado de trabalho, o mercado de aluguel residencial, mercados de seguro e financeiros, e outros pontos importantes do mercado, são mercados aparelhados. E em particular, de que eles são geralmente mercados cativos criados indiretamente, e na medida que essas necessidades sejam atendidas por meio de relações comerciais convencionais sob o título de relação por dinheiro – ao invés de ser atendidas por outros tipos, talvez, radicalmente diferentes de relações sociais como cooperativas, apropriação, trabalho de sweat equity[N. T.: sweat equity é um conceito usado para descrever um interesse em adicionar valor em uma propriedade, melhorando o estado atual através de trabalho de conservação ou reforma], troca informal, economia do dom vagamente recíproca, redes de ajuda mútua grassroots e outras alternativas mutualistas – tem pouco a ver com os desejos ou preferências básicas das pessoas, e bastante a ver com acordos de restrições aplicadas na manifestação daqueles desejos ou preferências. Os relacionamentos comerciais e relações por dinheiro engordam porque as pessoas da classe trabalhadora, na necessidade de casas e empregos, são conduzidas para um mercado onde eles são sistematicamente privados de recursos e alternativas, onde são constantemente enfrentados pelos preços altos artificiais, e onde eles geralmente são forçados a negociar com agentes de mercado já residentes que tem sido colocados artificialmente em posições vantajosas sobre eles através das intervenções governamentais contínuas, repetitivas e difundidas em favor dos residentes[5].

Os quatro grandes monopólios de Tucker e os muitos monopólios

Pode ser incomum por reivindicações como essa serem associadas com os defensores da liberdade de mercado. "Economia de livre mercado" é geralmente presumido a ser a região de políticos "pró-empresa" e da direita econômica. Normalmente se espera que os intervencionista de estado, progressistas, social-democratas e radicais econômicos são os que venham discutir que as pessoas, em seus papéis como trabalhadores, inquilinos ou consumidores, são impelidas para relações alienantes e de transações de exploração – de que eles são sistematicamente privados de alternativas mais humanas e sofrem porque são deixados à barganha, em uma tremenda desvantagem com patrões, bancos, senhorios, e corporações grandes e sem identificação própria. Embora eu concorde de que isso seja radical – na verdade uma posição socialista – eu nego de que exista qualquer coisa reacionária, de direita ou "pró-empresa" sobre o ideal dos mercados libertos. Na verdade, são as relações de mercado liberto que provê a base mais incisiva, vibrante e frutífera para os ideais socialistas de justiça econômica, emancipação do trabalhador, e solidariedade grassroot. Reivindicações anti-capitalistas como essas que fiz podem ser raramente ouvidas entre os apologistas de "livre iniciativa" vulgares hoje em dia, mas essas reivindicações vulgares são pouco incomuns na visão de longo prazo da história libertária.

Antes de meados do século vinte, de quando os libertários americanos se emaranhavam em coalizões conservadoras contra o New Deal e o comunismo soviético, os pensadores de "livre mercado" amplamente viam a si próprios como liberais ou radicais, não como conservadores. Escritores libertários, de Smith, Bastiat à Spencer, tiveram pouco interesse em adaptar suas políticas em medidas conservadoras ou "pró-empresas". Frequentemente eles identificavam os capitalistas e suas políticas protecionistas como os inimigos mais perigosos da troca livre e dos direitos de propriedade. O mais radical entre eles eram os mutualistas e anarquistas individualistas, entre eles Benjamin Tucker, Dyer Lum, Victor Yarros e Voltairine de Clayre. Tucker, o editor individualista do periódico Liberty, escreveu em 1886[6] que seu anarquismo chamado por "Comércio Livre Absoluto... laissez faire, a regra universal". Porém o tempo todo ele descrevia essa doutrina do laissez faire completo e da concorrência livre como uma forma de "socialismo anarquista". Para Tucker, claro, "socialismo" não poderia significar propriedade governamental dos meio de produção (isso era o "socialismo de estado", que Tucker se opôs de cabo a rabo). O que ele quis dizer, ao contrário, era o controle dos trabalhadores sobre as condições de seu trabalho – oposição às desigualdades econômicas atualmente existentes, relações de trabalho capitalistas e as práticas exploratórias de grandes empresas apoiadas por privilégio estatal. Para Tucker, o caminho mais certo para desmantelar o privilégio capitalista estava em bater completamente em privilégios políticos que o protegia e expô-lo, sem proteção, para o alcance total de empresas competindo – incluindo iniciativas mutualistas de, para e pelos trabalhadores libertos – que a troca liberta genuinamente fluiria.

Afim de tornar claro quais eram esses privilégios e como eles aparelharam o mercado em favor de grandes empresas capitalistas, Tucker identificou e analisou das quatro grandes áreas onde a intervenção governamental, de modo artificial, criou ou encorajou os "monopólios de classes" – concentrar riqueza e acesso aos fatores de produção nas mãos de uma selecta classe politicamente isolada da concorrência e proibindo trabalhadores de organizar alternativas mutualistas. Os Quatro Grandes Monopólios que Tucker identificou como centrais para a economia da Gilded Age [N. T.: Era Dourada]) foram[7]:

  1. O Monopólio da Terra: a concentração governamental do posse da terra e dos recursos naturais através do cumprimento de títulos de terra forjados legalmente (como concessões de terra preferencial aos especuladores politicamente conectados ou reivindicação de terra literalmente feudal na Europa).

    Desde Tucker, o monopólio da terra, questão principal para a economia do Gilded Age, tinha se expandido radicalmente – com a nacionalização frequente de recursos minerais e de combustíveis fósseis por toda a parte, e o surgimento de códigos de zoneamento locais, códigos de construção de complexo habitacional, restrições de uso da terra, políticas de “Renovação Urbana”, domínio eminente por fins lucrativos, extorsões de “desenvolvimento” municipal e uma série de políticas locais intencionadas a manter os preços altos de imóveis e em aumento permanente. Em um mercado liberto, a posse da terra seria baseada inteiramente na apropriação baseada no trabalho e em transferência consensual, ao invés de conquista militar, títulos de nobreza, acordos de “desenvolvimento”
    baseados em
    empréstimos especiais do governo para elites, ou confisco de domínio eminente e a terra tenderia (ceteris paribus) a ser mais amplamente distribuída e com mais pequenas propriedades individuais e dramaticamente menos cara, com propriedade mais livre e evidente e poderia ser facilmente baseada em trabalho de "sweat equity" e apropriação de terra sem uso, sem a necessidade de qualquer troca em dinheiro comercial.[8]
  2. O Monopólio da Moeda: o controle governamental sobre a oferta da moeda, limitando artificialmente o controle do dinheiro e do crédito para um cartel bancário aprovado pelo governo. Tucker enxergou isso não apenas como uma fonte de lucros de monopólio para bancos residentes, mas também como fonte de concentração de capital (e, portanto, propriedade econômica) nas mãos de uma selecta classe empresarial: crédito e acesso ao capital foram artificialmente restritos para aquelas empresas amplas e já estabelecidas em ao qual bancos grandes e já estabelecidos preferiram a lidar com isso, enquanto os requisitos em espécie impostos pelo governo, requisitos de capitalização e penalidades sobre a circulação de moedas alternativas, suprimiu a concorrência de associações de crédito mútuo, ordens de pagamento trabalhistas [N. T.: ordens de pagamento trabalhistas, do inglês labour notes, são um tipo de moeda alternativa baseada na troca de horas de trabalho], bancos da terra [N. T.: banco da terra (land banking) é um modelo em agregar parte de uma propriedade para uma venda ou desenvolvimento futuro em cuidar da oferta de terra, tendo ou não alguma ligação com setores governamentais.] e outros meios em que os trabalhadores possam ser capazes de compartilhar seus próprios recursos e acesso ao crédito sobre condições mais vantajosas do que aqueles oferecidos por bancos comerciais.

    Tucker, em 1888, estava escrevendo sobre o Monopólio da Moeda antes do banco central americano (
    Federal Reserve) ou da conversão a uma moeda fiduciária pura, antes do SEC (Securities and Exchange Commission), FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation), TARP (Troubled Asset Relief Program), Fannie Mae, Freddie Mac, FMI (Fundo Monetário Internacional), Banco Mundial, feriados bancários, bailout financeiro, política "Too Big To Fail" [N. T.: Too big to fail, grande demais para cair, são subsídios governamentais dados à grandes empresas que beiram a falência para cumprir com suas obrigações, a visar a "estabilização econômica como um todo"] e inúmeros outros meios pelo qual o governo tem isolado grandes banqueiros e financiadores das consequências do mercado, geralmente às custas de pagadores de impostos diretos e barreiras regulatórias erguidas à entrada que isolam modelos empresariais sancionados politicamente da concorrência do mercado. Talvez tão importante, à luz dos debates políticos recentes, na medida que a regulamentação e a cartelização da indústria também tem se tornado assegurada, assim como o crédito, a poupança e o investimento, de uma nova ramificação do monopólio da moeda, com os mercados aparelhados pelo governo diretamente determinando a aquisição de seguro automotivo corporativo e o convênio de saúde corporativo e efeito de crowding out [N. T.: efeito crowding out, ou deslocamento, é quando existe uma queda nos investimentos privados devido ao aumento de gastos governamentais.] ou implementando shutdown [N. T.: o shutdown (desligamento) é um processo para suspender temporariamente serviços públicos considerados não essenciais, como museus, parques ou bibliotecas] não corporativo, formas de ajuda mútua grassrott que poderia prover meios alternativos para se assegurar contra despesas catastróficas.
  3. O Monopólio da Patente: os subsídios governamentais de privilégio de monopólio para os titulares de patentes e titulares de direitos autorais. Tucker alegava que patentes e direitos autorais não representavam uma reivindicação de propriedade privada legítima para seus titulares, visto que não protegia qualquer propriedade tangível de modo que o titular da patente pudesse estar destituído do uso, mas ao contrário, proibindo outros agentes de mercado do uso pacífico de suas próprias propriedades tangíveis em oferecer um bem ou serviço que imitava ou copiava o produto sendo oferecido pelo titular da então chamada “Propriedade Intelectual”.

    Estas proibições, aplicadas com o propósito explícito de suprimir a concorrência do mercado e elevar os preços, a fim de garantir um longo período de lucros monopolistas ao titular da propriedade intelectual, somente tem se intensificado de forma dramática desde o tempo de Tucker. Tanto quanto o crescimento na indústria de mídia, a indústria de tecnologia e inovação científica tem feito um controle concedido politicamente sobre a
    economia da informação um pilar do poder corporativo, com lucros de monopolizados sobre a “propriedade intelectual”, hoje em dia constituindo mais ou menos o todo modelo de negócio da lista das 500 maiores empresas da revista Fortune, como a General Electric, Pfizer, Microsoft ou Disney. Estes monopolistas de propriedade intelectual tem insistido sobre a necessidade para um poder governamental quase ilimitado, expandindo para todos os cantos do globo, isolar seus ativos privilegiados de uma pacífica concorrência de livre mercado, e como um resultado de sua influência legislativa, as típicas condições de direitos autorais tem dobrado ou quadruplicado de extensão, sanções legais tem apenas ficado mais rigorosa. E para coroar tudo, ordena em prol de expansões massivas e sincronizadas internacionalmente nas proteções de direito autoral e patentes, que são agora características padronizadas embutidas em acordos de “livre comércio” neoliberal como o NAFTA, CAFT e KORUS FTA.
  4. O Monopólio Protecionista: Tucker identificava a tarifa protecionista como um “monopólio”, no sentido de que protegia artificialmente produtores nacionais favorecidos politicamente da concorrência estrangeira: o imposto sobre importados foi explicitamente intencionado a tornar os bens mais caros para os consumidores quando eles vinham do outro lado de uma fronteira do governo, portanto permitindo produtores nacionais a permanecerem no negócio enquanto negociavam seus produtos a preços mais altos e em menor qualidade do que eles poderiam encarar de uma concorrência sem restrições. Além de proteger a linha de base dos capitalistas nacionais, o monopólio protecionista também infligia custos de vida artificialmente elevados sobre a classe trabalhadora, devido ao aumento dos custos de bens de consumo.

    Dos Quatro Grandes Monopólios, o Monopólio Protecionista tem sido a maioria da reconfiguração e realinhamento desde a época de Tucker. Com o surgimento de corporações multinacionais e pressão política em favor de acordos de “livre comércio” neoliberais[9], a tarifa tem declinado notoriamente em importância política e econômica desde a década de 1880. Contudo, as tarifas continuam sendo uma força de distorção com domínios limitados (por exemplo, os Estados Unidos e os países europeus ainda mantém tarifas elevadas sobre muitos bens agrícolas importados). Ademais, o
    mecanismo específico de tarifas de importação foi muito menos importante, para o propósito de Tucker, do que o objetivo geral de proteger os residentes ligados a partir da concorrência estrangeira. Na década de 1880, isso significava a tarifa protecionista. Na década de 2010, isso significa uma vasta e complicada rede de tarifas de importação na chegada de bens estrangeiros, subsídios de exportação para a saída de bens nacionais, a manipulação política de taxas de cambio de moeda fiduciária e outros métodos para controle político do equilíbrio de tratado internacional.

Como eu tentei indicar, os Quatro Grandes Monopólios de Tucker permanecem intensos e pelo menos três desses quatros tem, de fato, expandido seus alcances e capacidade de invasão desde que Tucker originalmente os escreveu. Mas além da expansão e intensificação dos Quatro Monopólios de Tucker, o século passado viu a proliferação e a propagação metástica dos órgãos regulatórios do governo pretendidos a reestruturar os mercados e monitorar e regimentar transações econômicas. Se fôssemos tentar fazer uma lista similar de todas as principais formas em que os governos locais, estaduais, federais e exteriores agora intervém para proteger interesses dos residentes e colocar barreiras à entrada contra concorrentes em potencial, não haveria como saber com quantos monopólios que estamos lidando. Porém, eu acredito que existe pelo menos cinco novos grandes monopólios, junto com os quatro originais de Tucker e um sexto fator estrutural, que são dignos de atenção especial pelas sua abrangência e importância para a estrutura geral da economia regulada pelo estado.

Primeiro, o monopólio do agronegócio: desde o New Deal, um sistema extenso de cartéis governamentais, pesadas regulamentações do USDA [N. T.: órgão semelhante ao Ministério da Agricultura brasileiro], subsídios para aumentar artificialmente os preços para a venda no mercado americano, mais subsídios aos preços artificialmente mais baixos para exportar ao mercado exterior, programas governamentais de compras excessivas em em grande quantidade[10], projetos de irrigação, projetos de construção como "Estrada de fazenda ao mercado" [N. T.: do inglês Farm-to-market road, são rodovias que ligam as áreas rurais aos centros comerciais de cidades], apoio técnico governamental para formas mais mecanizadas e de capital intensivo de cultivo. Juntamente com muitas outras medidas similares, todas tem convergido a aumentar os preços dos alimentos aos consumidores, fazer importação e exportação de produtos sobre tremendas distâncias atrativas artificialmente, distorcer a produção da agricultura através de produtos de origem vegetal e animal que pode atrair com sucesso subsídios e projetos de apoio governamental, favorecer a cultivação de monocultura de larga escala sobre a de pequena escala e, geralmente, concentrar a agricultura para modelos de confinamentos de animais e agronegócio industrializado.

Segundo, existe o monopólio da segurança: o governo sempre exerceu um monopólio da força dentro de seu território, mas desde a década de 80 do século século dezenove, o governo tem, de forma massiva, expandindo o tamanho das forças militares permanente, forças policiais paramilitares e das agências de "segurança" e "inteligência". Portanto, o século passado viu a criação de uma industria gigantesca, ceia de mercados aparelhados monopsonista, para prover as necessidades das forças de "segurança" governamental e com um ecossistema em florescimento de empresas nominalmente "privadas". Empresas que subsistem, em grande parte ou completamente, por contratos governamentais financiados por impostos – contratos que, por serem financiados por impostos, são financiados coercivamente por trabalhadores cativos, mas controlados por legisladores e agencias governamentais. Além de empresas como Lockheed-Martin, General Dynamics, Raytheon, DynCorp, Blackwater/Xe Services e o resto do "complexo militar industrial", o monopólio da segurança também inclui o crescente número de empresas como Taser[11], American Science & Engineering [12] ou Wackenhut/GEO Group[13], que fornece principalmente às forças policiais governamentais e a outras agências de "Segurança Interna". Imposto de guerras, impostos de polícia e impostos de prisões representam uma massiva distração de sangue, suor, lágrimas e trabalho duro de trabalhadores pacíficos de uma economia paralela e violenta controlada por contratos governamentais e corporações ligadas politicamente.

Terceiro, devemos levar em conta o monopólio da infra-estrutura: isto é, a monopolização governamental federal, estadual ou local, subsídio fiscal e alocação de acesso à infra-estrutura de transporte. O governo constrói estradas, trilhos e aeroportos com subsídios fiscais extensos e recursos destinados à infra-estrutura governamental com base na força política. Além disso, o governo carteliza e regulamenta pesadamente o trânsito de massa local e de viagens de longa distância com políticas restringindo fortemente a concorrência e a entrada de táxi, ônibus, trem, metrô, embarcações e transporte aéreo. Estes subsídios, em forma particulares de transporte em longa distância e embarcação de carga de longo trajeto, proporciona lucros monopolizados para provedores cartelizados. Eles também proporciona oportunidades de negócio apoiados em impostos para o agronegócio e para grandes varejistas como Wal-Mart, cujos modelos de negócio são autorizados, e dependentes, de subsídios governamentais para a construção e manutenção de estradas e resultando em preços artificialmente baixos de transporte de longo trajeto.

Quarto, existe o monopólio das comunicações: assim como o controle do governo dos meios de transporte e da infra-estrutura física tem beneficiado corporações residentes e centralizadas no varejo e na distribuição, as empresas residentes de telecomunicação e empresas de mídia (da Viacom, AT&T à Comcast), tem sido capazes de construir impérios, em parte, por causa o acesso à transmissão de banda larga ter sido restrito e distribuído politicamente através do Federal Communications Commission [N. T. órgão regulamentador semelhante a Anatel no Brasil] enquanto o acesso a cabo, telefone e fibra ótica de banda larga tem sido fortemente controlado e restrito através de concessões de monopólio sobre instalação de cabos e fibras, cujo os governos locais tem concedido como um monopólio a um a uma empresa estabelecida para cada meio de transmissão principal.

Quinto, poderíamos acrescentar o protecionismo regulatório: a proliferação de regulamentações comerciais, burocracia governamental e vigilância rigorosa, honorários de licença de negócio e códigos fiscais extremamente complicados, cartéis e honorários de licenciatura profissional obrigatória pelo governo (para tudo, desde dirigir táxi, trançar cabelo à fazer design de interiores)[14] – , todos os quais, cumulativamente, tendem a beneficiar empresas já estabelecidas às custas de empresas iniciantes, para proteger aqueles que podem pagar taxas, advogados e contadores necessários para atender os requerimentos da concorrência por aqueles que não podem, e geralmente em direção ao desprotegido fora de oportunidades empreendedora, profissões independentes e mais alternativas autônomas ao trabalho assalariado convencional.

Além destes cinco monopólios, podemos também mencionar os efeitos estruturais da criminalização em massa, encarceramento e deportação de pessoas marginalizadas socialmente ou economicamente. Libertários ativistas geralmente tem condenado, em um nível moral ou político, a Guerra às Drogas do governo, Apartheid de Fronteiras ou outros esforços governamentais para criminalizar os pobres e sujeitá-los ao aprisionamento por crimes sem vítimas. Assim devem – estas "guerras" do governo são nada mais do que violência e crueldade massiva dirigida contra pessoas inocentes. Mas ainda não tem sido identificado o bastante as estrutura dos sub-produtos estruturais e econômicos de políticas do governo que restringem, se livram, aterrorizam e estigmatizam minorias, imigrantes e os pobres em geral. Estas políticas prendem de um a cada três homens afro-americanos numa cadeia, muitas vezes vários por anos, retirando anos de sua vida de trabalho, expondo seus lares, carros e dinheiro à procedimentos de confisco policial, sujeitando-os a humilhação, trabalho em presídio de sub-salário mínimo (geralmente terceirizado à corporações politicamente ligadas) e permanentemente estigmatizá-los quando eles tentam entrar no mercado de trabalho e na sociedade civil. Estas políticas que constantemente ameaçam imigrantes não legalizados com ameaça de detenção, aprisionamento e exílio de seus lares e meios de subsistência corta-os quase de todas as oportunidades fora dos salários em dinheiro imediato e exaustivo trabalho manual feitos por debaixo dos panos. Fechando oportunidades para educação atrás de requerimentos de prova de residência e colocando-os constantemente à mercê de patrões, colegas de trabalhos, senhorios e vizinhos que possam ameaçar a entregá-los e deportados por retaliação, influência ou simplesmente pelo motivo de rotatividade de funcionários. Tal sistema massivo de violência governamental, desapropriação e constrangimento em seus meios de subsistência é certamente para ter impactos massivos nas condições em que muitas pessoas pobres e juridicamente vulneráveis entrem no mercado de trabalho, mercado imobiliário e outras áreas da vida econômica.

E quanto a eles, os velhos conhecidos e pobres patrões? E quanto aos ganhos do comércio e das economia de escala?

Passei um bom tempo discutindo a tese geral de que a relação por dinheiro é artificialmente expandida e forçosamente deformada para os padrões do capitalismo realmente existente, por meio de privilégios governamentais à grandes atuantes. E discutir os muitos monopólios (uma vez que os Quatro Grandes Monopólios, agora os Dez Grandes pelo menos) que fornecem alguns dos mais difundidos e intensos pontos de força que subjugam as pessoas que trabalham, favorecem grandes e centralizadas formas de negócio e coercivamente favorecem usos capitalistas, formalizados e comercializados de recursos sobre alternativas não comercializadas[15]. Uma das objeções que pode ter ocorrido contigo agora é que a intervenção governamental na economia vai em mais do que uma direção. Pode ser verdade de que os monopólios de Tucker e o que eu denominei tendem a beneficiar atuantes entrincheirados e arranjos capitalistas convencionais. Mas e quanto a regulamentações governamentais que beneficiam as pessoas pobres (como esquemas assistencialistas do governo), pequenos atuantes (tal como, digamos, empréstimos do Small Business Administration [N. T.: Small Business Administration é uma agência federal americana semelhante a brasileira "Secretaria da Micro e Pequena Empresa" ]) ou que se supõe a regular práticas comerciais de grande escala, formas concentradas de empresa (tal como regulamentações de saúde e segurança ou legislação antitruste)?

Porém, em primeiro lugar, este tipo de resposta parece sugerir uma fé injustificada na eficácia da regulamentação governamental e programas estatistas de bem-estar social para alcançar seus fins determinados. Na verdade, como eu já sugeri, grande parte da estrutura regulatória "progressista", supostamente determinada em restringir grandes empresas, tem servido principalmente para cartelizar grandes empresas e para criar grandes custos fixos que tendem a expulsar concorrentes potenciais dos mercados aparelhados em que eles se entrincheiraram. O trabalho histórico de Gabriel Kolko[16] e Butler Shaffer[17] tem, acredito, demonstrado de modo convincente de que estas medidas regulatórias serviram principalmente para enrijecer as posições dos mercados residentes existentes e para socorrer financeiramente cartelistas em falência, de modo a impedir a liberdade de "desregular" um mercado bem regulado. Em geral, isso nem foi um acidente. Estas medidas foram, na maior parte, passadas ao comando de empresas residentes que esperavam ver seus competidores esmagados pelos custos da complacência. Existem boas razões, a princípio, – das análises da escolha pública dos incentivos encarados por reguladores nomeados politicamente – para acreditar que tais esforços regulatórios sempre estarão altamente inclinados a capturar interesses concentrados de residentes de mercado, para ser manejados contra interesses dispersos dos consumidores, trabalhadores e e competidores que estariam iniciando.

Em segundo lugar, é importante ter em mente questões de prioridade e escala. Enquanto eu desaprovo empréstimos do Small Business Administration, Occupational Safety and Health Administration [N. T.: OSHA é uma agência federal americana que visa o bem estar dos trabalhadores, um pouco parecido com o Ministério Público do Trabalho], legislação antitruste, os programas de bem-estar social e outras intervenções do governo tanto quanto qualquer outro livre-mercadista, eu penso que nessa época de salvamentos bancários de trilhões de dólares deveria estar claro que, mesmo que o governo esteja colocando seus dedos em ambos os lados da escala, um dedo está empurrando para baixo de modo muito mais difícil do que outro[18].

Você também pode estar preocupado que eu tive tão pouco a dizer, até agora, sobre algumas das explicações convencionais de que economistas de livre mercado tem oferecido para a eficiência e escalabilidade de arranjos capitalistas – argumentos baseados – por exemplo – na divisão do trabalho, em economia de escalas ou em ganhos do comércio. Porém eu não estou negando o valor da divisão do trabalho ou dos ganhos do comércio. Eu estou sugerindo que o trabalho e o comércio podem ser organizados juntamente em diferentes linhas do que eles estão organizados atualmente, em formas alternativas de especialização de comércio tais como cooperativas, empresas geridas por trabalhadores ou contratante independente, comparativamente menos centralização da tomada de decisão, menos hierarquia, menos gerência e, em muitos casos, mais comércio e independência empresarial entre os trabalhadores envolvidos. Formas centralizadas e capitalistas de organização são apenas um tipo de relação por dinheiro entre muitos outros. E a relação por dinheiro por si só é somente um modo de facilitar a divisão do trabalho e uma troca mutuamente benéfica que pode lugar. Retornar ao sentido mais amplo de "mercados" como um espaço de experimentação social, existem todos tipos de outros experimentos sociais não necessariamente baseados sobre trocas de favores [N. T.: no original, quid pro quo exchanges] ou meio por dinheiro, que oferecem locais para pessoas se encontrarem, trabalharem e permutarem. Se os Dez Grandes Monopólios e os Muitos Monopólios provam algo, é que existem inúmeras áreas da vida em que as pessoas não estão optando dividir o seu trabalho ou fazer comércios por intermédio do comércio corporativo. Existem muitas áreas da vida onde eles preferem não estar gastando muito ou nenhum dinheiro, porém são impulsionados a fazer isso, e impulsionados a fazer com um chefe, senhorio ou uma corporação que não está nem aí com seus empregados [N. T.: no original, faceless corporation] quando um mercado liberto lhes permitiria dividir seus trabalhos de outras maneiras, comercializar com outras coisas ou comercializar para o que eles precisam por outros meios do que por uma fatura e pagamento à vista.

Isso também é comum apontar para economias de escala como um motivo econômico para acreditar que corporações amplas e centralizadas, o agronegócio industrial e etc sobreviveria mesmo sem os subsídios e monopólios do governo que eles atualmente desfrutam, contanto que eles tivessem em uma arena de mercado para competir dentro. Porém embora eu dificilmente negaria a importância das economias de escala, eu penso que é importante lembrar que economias de escala representam um trade-off entre ganhos e perdas. Existem deseconomias de escala assim como existem economias de escala – conforme a escala aumenta, de modo que os custos de comunicação e gestão dentro da força de trabalho maior, os custos de manutenção de equipamentos pesados, a dificuldade de contabilidade e alocação de recursos eficiente como mais transações são internalizadas dentro da empresa, e a dificuldade de re-engrenar como um amplo mecanismo para responder a novos desafios vindos de novos concorrentes e mudanças nas condições de mercado[19].

A questão não é se existe ou não existe economias de escala. Existe e também existe um ponto que economias de escala são superadas pelas deseconomias. A questão onde está o ponto e se num livre mercado o ponto de equilíbrio tenderia a deslocar para escalas menores ou em direção à escalas maiores. Quando os monopólios do governo e os mercados aparelhados artificialmente encorajam formas enormes, consolidadas e burocráticas de organização – organizações que podem se dispor melhor dos elevados custo fixos pelas exigências regulatórias, que podem melhorar o lobby por subsídios, podem captar melhor os órgãos regulatórios e usá-los a promover seus próprios interesses e etc. – que deslocam o equilíbrio, forçando-se as recompensas de escala. Quando as mesmas medidas punem pequenos concorrentes em favor do mercado residente e, especialmente, quando pune a comunidade informal ou de pequena escala ou os usos pessoais de recursos escassos em favor de usos comerciais formalizados, o governo, de forma forçosa, empurra as deseconomias de escala para baixo, através da supressão de concorrentes que podem comer os ovos de dinossauros político-econômico. Em ambos os casos, as formas mais difundidas e de longo alcance de intervenção econômica governamental tendem a deformar a vida econômica para a escala de formalização, comercialização, consolidação e hipertireóidica e para o hierarquia complexa de que é necessário gerenciá-la. Não porque essas coisas são naturalmente demandadas por economias de escala, mas, ao invés, porque elas crescem fora de controle quando os custos de escala são socializados e pressões e alternativas competitivas são queimadas pelo monopólio governamental.

Isso tudo é apenas um debate semântico?

Quando anarquistas de mercado se declaram em favor do "livre mercado", mas contra o "capitalismo", quando eles sugerem que é importante não usar o termo "capitalismo" para descrever o sistema do qual são a favor, e apoiar suas posições com a identidade retórica e social da esquerda radical, convencionalmente libertários pró-capitalistas geralmente acusam que anarquistas de mercado estão apenas brincando com as palavras ou tentando "mudar o vocabulário de nossa [sic] mensagem" em um estratagema equivocado para "atrair pessoas que não compartilham de nossos [sic] pontos de vistas econômicos[20]". Não há muito o que dizer sobre isso, exceto perguntar apenas quem escreveu essa "mensagem" de que nós supostamente compartilhamos com a direita econômica, e apontar que o uso do "capitalismo", em qualquer caso, de fato é muito mais complicado do que isso. Existe vários significados atrelados à palavra que tem co-existido historicamente. Esses significados são, geralmente, conflacionados e confundidos com cada outro, e o capitalismo1, a utilização técnica peculiar do termo pelos libertários "pró-capitalistas" para referir-se estritamente aos mercados livres – mercados livres no sentido mais amplo, mercados como espaço de experimentação social ilimitada – é apenas um uso histórico entre muitos, nem sequer a utilização original[21] e nem a utilização mais comumente usada hoje em dia[22]. Os anti-capitalista de livre mercado não estão tentando mudar nada, estamos usando a palavra "capitalismo" em um perfeito sentido tradicional e razoável, totalmente franco da linguagem comum, quando o usamos para descrever os privilégios políticos que somos contra (capitalismo2) e as consequências estruturais sórdidas desses privilégios (capitalismo3).

Mas a preocupação neste ponto pode ser se vale apenas lutar por esse pedaço específico do solo. Para ser claro, os usos equívocos e conflação de termo é uma coisa ruim – é importante distinguir os diferentes significados de "capitalismo" para estar claro com o que queremos dizer, e deixar claro o que os nossos interlocutores dizem quando usamos o termo. Mas uma vez que você tenha feito a distinção, vale a pena gastar algum grande esforço em discutir algum rótulo sobre "capitalismo" ao invés de apenas romper os subscritos, quando necessário, e seguir em frente? Se a discussão sobre "capitalismo" tem ajudado a extrair alguns dos pontos econômicos e históricos que eu estive focando nestas observações, então isso pode ser de alguma utilidade genuína ao dialogo libertário. Porém uma vez que estes pontos estejam traçados, eles não são a coisa importante não levando em conta a disputa etimológica? E não são algo que, nominalmente, libertários "pró-capitalistas", de igual modo, contestariam imediatamente, se questionados? Todos os libertários, mesmo os nominalmente pró-"capitalistas", se opõem ao assistencialismo corporativo, os monopólios governamentais, cartéis regulatórios e mercados aparelhados em favor das grandes empresas. Então por que se preocupar tanto com a terminologia?

Certamente eu simpatizo com o impulso. Se eu tiver que escolher entre debates sobre a palavra "capitalismo" e debates sobre intervenções corporatistas estatais que eu estive discutindo, eu penso que o último vai ser sempre o mais importante. Quando tentamos entender o que outras pessoas dizem sobre os mercados e o capitalismo, considerações de caridade, absolutamente chama por esse tipo de abordagem – quando um escritor libertário elogia o "capitalismo", significando mercados libertos, ou quando um escritor libertário condena o "capitalismo", significando privilégio corporativista ou modelos econômicos de patrão, então a melhor coisa a se fazer é levá-los em seus próprios termos e interpretar seus argumentos de acordo em conformidade.

Mas há muito o que discutir sobre isso aqui de que isso não é apenas sobre rótulos, e nem sempre fica claro de que isso é algo de que "nós todos" prontamente concordamos. E quando não está claro de que o escritor, de fato, se apoiou consistentemente na distinção entre mercados livre e o capitalismo realmente existente[23]? E quando não estamos falando apenas sobre posições únicas de propostas políticas isoladas, mas falando sobre um panorama maior de como tudo funciona – não apenas peças individuais, mas sobre o panorama gestalt de que eles formam quando encaixados juntos? Isto é, quando realmente começa a importar não apenas como um escritor responderia a uma lista de perguntas, se questionado, mas bem como quais questões ela pensa para perguntar em primeiro lugar – que características da situação imediatamente vem à mente para análise e crítica e quais características são deixadas de lado como adendos? Isso levanta a questão dos casos paradigmáticos, de quais tipos de exemplos nós tomamos como típico, característico ou especialmente ilustrativo de quais mercados libertos seriam e como eles funcionariam.

Quando estamos olhando para um quadro mais amplo, sobre como as estruturas políticas e econômicas se jogam uma contra a outra, estamos falando de uma estrutura que tenha um primeiro plano e um plano de fundo – características mais importante e menos importante. E uma das questões importantes não é apenas o que pode ser englobado pelas definições verbais dadas pela nossa terminologia, mas também quais tipos de casos paradigmáticos para sociedades de mercados e voluntárias a terminologia pode sugerir e se os casos sugerem, são realmente bons casos paradigmáticos – se eles revelam algo importante sobre sociedades livres ou se escondem ou confundem isso. Identificar uma posição de livre mercado com "capitalismo"– mesmo se você estiver totalmente claro de que você apenas queira dizer capitalismo1, teoricamente incluir todos os tipos de troca de mercado e experimentação social voluntária fora da relação por dinheiro – oferece um cenário particular do que é importante e a característica de uma sociedade livre. E esse cenário tende a confundir muito mais do que revela.

Quando imaginamos a atividade de mercado liberto, o que isso se parece? O nosso modelo é algo que se parece muito com o tipo de negócio habitual, com algumas mudanças aqui, acolá em torno das beiradas? Ou algo radicalmente diferente, ou radicalmente além de qualquer coisa que prevalece atualmente nesse mercado enrijecido e monopolizado. Será que nós concebemos e explicamos os mercados sobre o modelo de um shopping center comercial: higienizado, centralizado, regimentado, serviçal e dominado por alguns proprietários poderosos e suas pequenas listas de parceiros favorecidos, para quem todos os outros se relacionam tanto como um empregado quanto um consumidor? Ou será que, em vez de olharmos para o potencial revolucionário de mercados verdadeiramente livres para fazer coisas confusas – como os mercados, sem o controle generalizado de licenciamentos obrigatórios estatais, regulamentações, inspeções, documentação, impostos, "honorários" e tudo mais, então parece muito mais com a imagem tradicional de uma feira livre: decentralizada, diversa, informal, flexível, permeado por pechincha, uma aglomeração para relações sociais assim como o comércio estereotipado e tudo isso mantidos junto pela ordem espontânea de incontáveis de operadores independentes de curto tempo que, rápido e facilmente, se alternam entre os papéis de cliente, comerciante, gente em busca de lazer , trabalhador independente e mais além[24]?

Quando "mercados" são associados com um termo como "capitalismo", que é historicamente tão intimamente atrelado a hierarquia de local de trabalho e a grandes empresas, e um termo que é tão linguisticamente ligado com negócios de capitalistas profissionais (isto é, pessoas no negócio de alugar capital acumulado), isso naturalmente influencia os tipos de exemplos que vem em mente, fetichizar o negócio de capitalistas profissionalizados à custa de formas mais informais e simplesmente não-comerciais de propriedade, experimentação e troca. Tende a desvirtuar o entendimento de "mercados" no sentido de um foco exclusivo sobre a relação por dinheiro. E tende a desvirtuar o entendimento de relação por dinheiro no sentido de um foco exclusivo sobre o mais confortável capitalista – hierárquico, centralizado, formalizado e "metódico" – tipos de empresas, como se essas características fossem tanto características do panorama natural em um mercado, ao invés de resultados visíveis de uma força governamental em acordo.

Libertar o mercado liberto da bandeira do "capitalismo", por outro lado, e identificar mercados com a oposição ao privilégio mercantil, à expropriação do trabalho e às concentrações resultantes de riqueza nas mãos de uma classe selecta traz um novo e grande conjunto de considerações e exemplos para o primeiro plano. Estes novos casos paradigmáticos de "mercados livres" são profundamente importantes se eles incentivam uma concepção mais ampla e mais rica do que está num mercado, uma concepção que não apenas inclui, teoricamente, alternativas mutualistas e experimentações sociais fora da relação por dinheiro (como algum tipo de possibilidade desnuda ou fenômeno marginal), mas na verdade, incentiva-nos a imaginar "mercados" permeados por estas formas de livre associação e de troca, para ver como a experimentação não-capitalistas e não-comercial podem assumir um papel de destaque, mesmo um papel explosivo numa economia liberta dos mercados aparelhados e dos muitos monopólios do capitalismo corporativo apoiados pelo estado.

O livre mercado anti-capitalista assegura que é precisamente por causa desses mercados aparelhados de que temos shopping center ao invés da feira livre, e precisamente por causa de termos o shopping center em vez da feira de que muitas pessoas da classe trabalhadora encontram-se com problemas, presos em arranjos precários, à mercê dos patrões, senhorios, cobradores e avaliadores de seguros, sofrendo com contas médicas altíssimas ou aluguel e dívida infinita, confrontados por corporações que não ligam para seus funcionários, sociedade hiper-comercializada e uma luta fria e desesperada para sobreviver em um mercado dos capitalista altamente aparelhados.

Dado que essa natureza cruel seja tão central para como a pessoas experimentam "o mercado" na vida cotidiana, é vital para os anarquistas de mercado limitar de forma clara as possibilidades diferentes, positivas e rompedora que os mercados oferecem para uma sociedade civil libertada. O problema social não está no fato da troca de mercado, pelo contrário, a deformação da troca de mercado pelo privilégio hierárquico e político. Devemos mostrar de que maneira o comércio pode parecer sem capitalismo, e de que maneira os mercados podem parecer quando relações comerciais são apenas um tipo de relação entre muitos, escolhidos onde eles, de maneira mais positiva e agradável, cuidam das coisas e não onde eles sejam impingidos sobre nós por necessidade sombria. Nossas palavras devem ser palavras revolucionárias e as nossas bandeiras não devem ser bandeiras que enterram alternativas radicais debaixo do conservadorismo e do privilégio. Elas devem ser bandeiras que resistam honesta e bravamente a promessa de uma transformação social e econômica radical.

Notas:

[2] Shulamith Firestone, "The Dialectic of Sex: The Case for Feminist Revolution" (New York: Farrar 2003) 3.
[3] Economistas pró-capitalistas frequentemente tem sugerido como um amplo entendimento de tais "mercados", ainda que eles não tivessem compreendido totalmente ou que não estivessem dispostos a postegar essas implicações. Por exemplo, Murray Rothbard, Toward a Reconstruction of Utility and Welfare Economics (Ludwig von Mises Institute, 2002) (Março 13, 2011) escreve que "O livre mercado é o nome para o conjunto de todas as trocas voluntárias que acontece no mundo" (29-9). Ludwig von Mises, Human Action: A Treatise on Economic Principles, scholars ed. (Auburn, AL Mises 1998), escreve que "Há na operação do mercado nenhuma compulsão ou coerção... Cada homem [sic] é livre; ninguém está sujeito a um déspota. De acordo consigo [sic] o indivíduo se integra [sic] ao sistema cooperativo... O mercado não é um lugar, uma coisa ou uma entidade coletiva. O mercado é um processo, acionado pela ação recíproca das ações de vários indivíduos cooperando sob a divisão do trabalho" (158).
[4] Para o caso recente mais famoso de tal "abuso de domínio eminente" ver Kelo v. New London, 545 U.S. 469 (2005). O governo municipal usou o domínio eminente para condenar e \preender as casas de Susette Kelo e outros pequenos proprietários de imóveis residenciais em New London, Connecticut, para entregar o verdadeiro imóvel sobre um desenvolvedor privado rico. O desenvolvedor intencionado a acabar com as casas e substituí-los com "desenvolvimentos" para seu próprio lucro e para o benefício da empresa farmacêutica, listada no ranking Fortune 500, Pfizer Inc. O tribunal de justiça apoiou o governo municipal, assegurando que eles pudessem pegar qualquer casa e transferi-la para qualquer parte privada, contanto que um plano de "desenvolvimento econômico" patrocinado pelo governo indicasse que aumentaria a receita de impostos do governo. Kelo atraiu a atenção bem difundida para o assunto, mas apreensões e transferências similares, principalmente direcionados contra a vizinhança de minorias raciais, imigrantes e pobres urbanos, tinha sido praticado largamente por décadas sob o título de "Renovação Urbana". Cf. Mindy Fullilove, Root Shock: How Tearing Up City Neighborhoods Hurts America and What We Can Do About It (New York: Random 2005), e Dick M. Carpenter e John K. Ross, Victimizing the Vulnerable: The Demographics of Eminent Domain Abuse (Arlington, VA: Institute for Justice 2007).
[5] Veja também Charles W. Johnson, “Scratching By: How Government Creates Poverty As We Know It”, The Freeman: Ideas on Liberty 57.10 (Dezembro 2007): 33-8 (Foundation for Economic Education, 2007) (Janeiro 2, 2010).
[7] Tucker (1888). Para uma discussão contemporânea, veja também a segunda parte de Studies in Mutualist Political Economy de Kevin Carson (Charleston, SC: BookSurge 2007).
[8] Veja também Charles Johnson, “Scratching By", junto com “Urban Homesteading”, Rad Geek People’s Daily (n.p., Novembro 16, 2007) (Março 13, 2011); Charles Johnson, "Enclosure Comes to Los Angeles” (n.p., Junho 15, 2006) (Março 13, 2011).
[9] Esses acordos na verdade não representam o "comércio livre". Eles representam uma mudança nas barreiras comerciais coercivas, não uma redução delas. Enquanto eles reduzem as taxas de tarifas em algumas indústrias, os acordos de "livre comércio" neoliberal tipicamente incluem aumentos massivos e coordenados sob monopólios de patente e de direitos autorais. Eles também são tipicamente acompanhados pela utilização de larga escala de empréstimos de governo para governo, apreensões de terras de governamentais, projetos de "desenvolvimento" de infraestrutura financiados pelo governo e monopólios permitidos pelo governo para corporações multinacionais de corso, cumpridos através de alianças multi-governamentais tal como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Veja Joe Peacott, Free Trade is Fair Trade; Kevin Carson, “Free Market Reforms and the Reduction of Statism”; e Charles Johnson, “‘Two Words on ‘Privatization” em Charles Johnson e Gary Chartier, Markets not Capitalism: Individualist Anarchism Against Bosses, Inequality, Corporate Power, and Structural Poverty, (Minor Compositions, 2011). Veja também Shawn Wilbur, “Whatever Happened to (the Discourse on) Neoliberalism?” Two Gun Mutualism & the Golden Rule (n.p., Outubro 3, 2008) (Março 11, 2011).
[10] Em especial, os programas de compras excessivas em grande quantidade para merenda escolar e militar, em que mantém preços elevados e enviesa profundamente os mercados agrícolas por incentivar a superprodução e o fornecer um mercado cativo de último recurso permitido para carne e baixa qualidade, batatas, laticínio e outras mercadorias cash crops [N. T.: "cash crop" é uma safra agrícola produzida para a venda em retornar lucro. Geralmente é adquirida por partes separadas de uma fazenda] cultivadas em fazendas de confinamento.
[11] Fabricante de dispositivos móveis de tortura elétrica amplamente utilizado pelas forças policiais governamentais.
[12] Fabricante de dispositivos de "retrodifusão" de raio-X de investida sexual amplamente utilizado pelo Transportation Security Administration.
[13] Indústria de prisões de gerência corporativa financiadas por impostos amplamente utilizada por diversos governos estatais.
[14] Veja Johnson, “Scratching By".
[15] Mais sobre o último ponto, veja Charles Johnson, Three Notes for the Critics of the Critics of Apologists for Wal-Mart Rad Geek People’s Daily (n.p., Abril 25, 2009) (Junho 16, 2010).
[16] Gabriel Kolko, The Triumph of Conservatism: A Reinterpretation of American History, 1900-1916 (New York: Free 1963).
[17] Butler Shaffer, In Restraint of Trade: The Business Campaign against Competition, 1918-1938 (Lewisburg, PA: Bucknell University Press 1997).
[18] Alguns anos atrás, eu recebi um cheque de $600 do United States Department of the Treasury durante o programa de abatimento de imposto, supostamente com o objetivo de reaquecimento econômico. Em torno da mesma época, o AIG recebeu um cheque de $85,000,000,000 do United States Department of the Treasury, também supostamente com o objetivo de reaquecimento econômico. Mas isso seria muito difícil de crer que dizer que significa que o socorro ao capitalismo está subsidiando o cara assim como subsidia jogadores corporativos entrincheirados.
[19] Para uma discussão detalhada da deseconomia de escala, veja Kevin A. Carson, "Cálculo Econômico na Comunidade Corporativa".
[20] Jackson Reeves, carta à Walter Block, qtd. Walter Block and Jackson Reeves, ‘Capitalism’ Yesterday, ‘Capitalism’ Today, ‘Capitalism’ Tomorrow, ‘Capitalism’ Forever, LewRockwell.Com (Center for Libertarian Studies, Março 26, 2010) (June 16, 2010).
[21] "Capitalismo", ou "capitalisme", primeiramente aparece como um termo utilizado para descrever um sistema político-econômico de produção na literatura radical da França de meados do século dezenove. Anteriormente a isso, o termo era simplesmente utilizado para se referir a linha de trabalho em que os capitalistas estavam dentro — isto é, fazer dinheiro para emprestar de dinheiro sobre interesse, para investir em negócios de outras pessoas ou para possuir pessoalmente o capital e contratação de trabalho para trabalhar com isso. As utilizações originais do termo, em especial, tinha nada a ver com mercados livres nos fatores de produção. Louis Blanc, em Organisation du Travail, definia "capitalisme" como "a apropriação do capital por alguns em exclusão de outros", e quando Proudhon, que era a favor dos mercados livres, escrevia sobre "capitalisme" em La Guerre et la Paix, ele o definia como um "Regime econômico e social em que o capital, a fonte de renda, geralmente não pertencia àqueles que faziam funcionar através do seu trabalho". Dependendo dos detalhes de que um significa por "apropriação" e "exclusão", o uso de Blanc pode se referir ao capitalismo2 ou capitalismo3. A definição de Proudhon é claramente uma referência ao capitalismo3.
[22] O recente filme de Michael Moore, Capitalismo: Uma História de Amor, não é sobre mercados livres, é sobre socorros financeiros.
[23] Como exemplos, veja a discussão crítica em Roderick Long, "As Corporações Contra o Mercado"; Kevin Carson, Vulgar Libertarianism, Neoliberalism, and Corporate Welfare: A Compendium of Posts, Mutualist Blog: Free Market Anticapitalism (n.p., Setembro 9, 2006) (Março 13, 2011); Charles Johnson, El pueblo unido jamás será vencido! Rad Geek People’s Daily (n.p., Março 23, 2005) (Março 13, 2011); etc.
[24] As imagens do shopping enter e da feira são tiradas do meu parágrafo em conclusão em “Scratching By”. Essas imagens foram inspiradas e modificadas para o uso de Eric Raymond da "The Cathedral and the Bazaar" para explicar e defender a cultura hacker e programas de código aberto.

Traduzido por Rodrigo Viana



Charles W. Johnson é escritor, ativista político, professor de lógica e desenvolvedor de sistemas open-source. Seus trabalhos podem ser encontrados em seu site Rad Geek People’s Daily.

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