quarta-feira, 4 de junho de 2014

Um socialismo pouco conhecido



Por Valdenor Junior

Hoje em dia, é comum, quando se fala “socialismo”, pensar exclusivamente no marxismo; quando muito, até lembra-se dos “socialistas utópicos” e dos “anarco-comunistas”, porém, o interesse se volta, precipuamente, ao socialismo de Karl Marx.
Há um outro socialismo, que considero mais interessante e fundamentado que o de Marx. Talvez não tão filosoficamente pensado como a obra marxista (Marx propõe uma filosofia da história materialista nos moldes hegelianos de esquerda como fundamentação para suas propostas políticas), porém, com uma capacidade de crítica socioeconômica e político-histórica mais precisa: o “libertarianismo de esquerda”, ou “anarquismo de livre mercado”, cujos defensores (Joseph P. Proudhon, Benjamin Tucker, Lysander Spooner, Kevin Carson, etc.) advogam um anti-estatismo radical e a defesa do livre mercado tal como este nunca recebeu implementação na história mundial. Para eles, p. ex. o neoliberalismo não seria, nem de longe, um livre mercado verdadeiro, mas um sistema estatal de benefícios e liberdades às grandes empresas…
Seu mérito é a capacidade analítica de remontar as causas até o momento em que se percebe que o produtor histórico das desigualdades é o uso da força e da violência para privilegiar uns em detrimento dos outros (e não a liberdade econômica!), sendo tal força, em geral, a estatal, ou tolerada por este, ou realizada por quem se lhe assemelhe (p. ex. os bárbaros antigos, ou a máfia moderna, ao dominar ou controlar um território).
Para compreender o efeito da desigualdade, passa-se pelas causas próximas (a ação dos capitalistas e outros diversos agentes, de cunho econômico), até alcançar a causa remota (a violência e a força, de cunho político ou com conivência política). Um exemplo seria a própria dinâmica da revolução industrial.
O interessante texto “Socialismo de Estado e Anarquismo: até onde concordam e em que diferem” (1888) do estadunidense Benjamin Tucker (1854-1939) pode ajuda a esclarecer, por sua comparação entre o “socialismo de Estado” (isto é, o marxismo) e o “anarquismo” (de livre mercado). Transcrevo algumas passagens para finalizar este texto:
“Primeiro, então, o Socialismo de Estado, o qual pode ser descrito como a doutrina de que todas as relações dos homens deveriam ser gerenciadas pelo governo, não levando em consideração a escolha individual. Marx, seu fundador, concluiu que a única forma de abolir os monopólios de classe era centralizar e consolidar todos os interesses comerciais e industriais, todas as agências produtivas e distributivas, em um vasto monopólio nas mãos do Estado. (…) A competição precisa desaparecer totalmente. Toda atividade industrial e comercial precisa ser centrada num vasto, enorme, totalizante monopólio. O remédio para os monopólios é o monopólio.” 
“Isso nos traz ao Anarquismo, que pode ser descrito como a doutrina de que todas as relações humanas devem ser gerenciadas pelos indivíduos ou por associações voluntárias, e de que o Estado deve ser abolido.” 
“Quando Warren e Proudhon, ao perseguir suas buscas por justiça ao trabalho, vieram a se deparar com o obstáculo dos monopólios de classe, eles viram esses monopólios como sustentados pela Autoridade e concluíram que a coisa a ser feita não era fortalecer essa Autoridade e assim tornar o monopólio universal, mas extirpá-lo totalmente e assim fazer brandir o princípio oposto, a Liberdade, ao fazer a competição, a antítese do monopólio, universal. Eles viam na competição o grande nivelador de preços ao custo de produção do trabalho. (…) A pergunta então que se apresentou era por que os preços não caíam ao custo do trabalho; onde há qualquer espaço para rendas adquiridas de outra forma além do trabalho; em suma, por que o usuário, o recebedor de juro, aluguel e lucro, existe. A resposta era encontrada na presente competição unilateral. Foi descoberto que o capital tinha manipulado a legislação de forma que a competição ilimitada só era permitida na oferta de trabalho produtivo (…)” 
“Embora se opusessem à socialização da propriedade do capital, eles objetivavam socializar seus efeitos fazendo seu uso benéfico para todos ao invés de um meio de empobrecer os muitos para enriquecer os poucos. E quando a luz se acendeu sobre eles, eles viram que isso poderia ser feito sujeitando-se o capital à lei natural da competição, assim fazendo com que o preço de seu uso caísse ao custo — isto é, a nada além dos gastos incidentais de manejo e transferência deles. Então eles levantaram o estandarte do Absoluto Livre Comércio; livre comércio em casa e livre comércio com os outros países; o resultado lógico da doutrina de Manchester; laissez faire, a regra universal. Sob esse estandarte eles começaram suas lutas contra os monopólios, sejam eles os monopólios totais dos Socialistas de Estado ou os vários monopólios de classe que agora prevalecem. Dos últimos, eles distinguiram quatro de principal importância: o monopólio da moeda, da terra, das tarifas e das patentes.”
Clique aqui para ler o artigo original.


Valdenor Júnior é advogado e mantém o blog Tabula (não) Rasa & Libertarianismo Bleeding Heart.

Um comentário:

Lady Morwen disse...

Eu vejo o mutualismo (sistema economico anti-capitalista, baseado em cooperativas e livre mercado, proposto por Proudhon), como uma excelente alternativa no contexto atual, mas também vejo ele como transitório, pois eu acho que com as mudanças tecnológicas, logo uma economia pos-escassez não baseada mais em dinheiro, mas sim em energia, pode se tornar viável. Vejo o mutualismo como um passo para isso e como uma forma de praticar contra-economia, como forma de oposição ao capitalismo e ao neoliberalismo.

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