sábado, 21 de setembro de 2013

A Filosofia de Max Stirner



Escrito pelo e-zine Non Serviam

Apresentar a filosofia de Stirner me deixou a escolha entre a brevidade ou o balanço de todas as interpretações possíveis. Eu resolvi em favor da primeira, então esteja avisado: Esta interpretação é a de um homem só. Vá à fonte fazer sua cabeça.

Compreender Stirner requer não somente uma apreciação do conteúdo e de declarações particulares, mas de um forte grau de compreensão da estrutura da obra. De acordo com Lawrence Stepelevich, a estrutura de “O Único e Sua Propriedade” foi moldada sobre  a Phänomenologie des Geistes de Hegel (Fenomenologia do Espírito). O hegelianismo em Stirner não é acidental, mas essencial.

É central para a escola de filosofia hegeliana o que se chama de Dialética: Resolver dualismos encontrando um terceiro que explica/dá ambos os lados. Stirner, nesse sentido, é um pensador dialético. Sua principal tríade é a do Materialista – Idealista – Egoísta.

Stirner acompanha a insistência de Feuerbach de que devemos descer a filosofia ao individual concreto, para logo depois fazer esta insistência voltar-se contra o “Homem” de Feuerbach, o ser da espécie. Portanto, o capítulo 1 de O Único e Sua   Propriedade, “Uma   Vida   Humana”, é uma afirmação do desenvolvimento dialético tal como este ocorre na vida concreta das pessoas; como crianças, nos encontramos no estágio materialista e tememos  o  varão, como jovens, fazemos a “primeira autodescoberta, o Espírito” e re-obtemos o varão através do  idealismo, e como adultos, práticos, também o idealismo é visto como um tipo de varão, e o interesse egoísta acaba por tomar-nos. Isto não deve ser, entretanto, tomado literalmente, mas figurativamente.

Stirner então acompanha Cieszkowski no capítulo 2, “Homens do Antigo e do Novo Tempo”,  fazendo a descrição do mesmo desenvolvimento, mas no sentido amplo da história. O capítulo termina com uma seção sobre os seus amigos Die Freien, criticando-os por não representar de todo a dissolução da oposição materialista/idealista, vindo a ser, ao invés, “os mais modernos dos modernos”, i.e. os últimos idealistas.

“Semelhantes são tratados da mesma maneira” é central para o estágio idealista. Esta é a base da crítica aos Jovens Hegelianos. Pela dinâmica interna da crítica,  “semelhantes” e “a mesma maneira” se  tornam categorias  sempre ampliadas,   e   a   “crítica”   eventualmente   deve   voltar-se   sobre   si   mesma, colapsando sob o próprio peso.

Stirner escreve: “Se estes pressupostos tiverem de ser resolvidos numa dissolução total, esta não deve levar de novo a um pressuposto superior, isto é,  a um pensamento ou ao próprio pensar, à crítica.  Essa dissolução só a mim deve ser útil. De outro modo, cairá na infindável série de dissoluções […]

Então, o colapso do idealismo e a necessidade de uma nova síntese, é o ponto a partir do qual a filosofia do próprio Stirner se inicia. Esta nova síntese, entretanto, não pode ser um ponto-ideal arquimediano situado fora do mundo, o que Stirner chama de idéia fixa. Assim, quando se afirma o que Stirner propõe como síntese, é necessário um pouco de cuidado.

Stirner   propõe   que   a   síntese   encontra-se   no   interesse   do   único   –   o egoísta.   Enquanto   declaração   isolada,   tal   síntese   coloca   Stirner   na  mesma categoria de Thomas Hobbes,  Friedrich W.  Nietzsche,  Dora Marsden,  James Walker, Ayn Rand e Robert Nozick.

Entretanto,   os   tipos   de   egoísmo   propostos   por   estes   filósofos   são notadamente diferentes do de Stirner – com uma exceção parcial para Marsden, que foi fortemente inspirada por Stirner. A diferença reside na visão do que é o eu mesmo, e o modo pelo qual nos advém o egoísmo.

Façamos uma breve descrição de alguns destes: Para Thomas Hobbes, tudo o que importa são comparações externas de riqueza e posses. O egoísmo de Stirner é sobre a relação do “eu” e o objeto. Na síntese de Stirner, “eu” sou Sujeito, permanecendo em relação com o objeto por vontade própria.

Para   Friedrich  Nietzsche,   há   um  conjunto   de  metas   para   o   egoísta perseguir. Deve-se “criar para além de si”, criar o Superhomem. Em contraste, Stirner foca a consumo, o transitório, a apropriação, pelo ego finito do mundo como seu (“apropriar-se” no mesmo sentido em que um estudante deve fazer com a literatura que lê, “sua”, a fim de bem compreendê-la).

James Walker dá uma descrição biológica que mais-ou-menos define o egoísmo   como   qualquer   coisa   pela   qual   o   indivíduo   biológico   devota   sua energia, uma mecânica do egoísmo. Em contraste, Stirner descreve o egoísmo como um caminho possível escolhido.

Ayn Rand tenta provar o egoísmo pelos primeiros princípios, colocando a “razão” e mais um número de definições – a vida (enquanto do Homem) e a justiça – como premissas. A resposta para a questão de quem é o destinatário do trabalho do homem,  Rand afirma,  é o homem ele mesmo.  Agindo de acordo com a justiça – enxergando todos os valores como instrumentais para o valor fundamental   da   vida   (enquanto   do  Homem)   –   é   o   que  Rand   define   como egoísmo.  Em  contraste,  Stirner  não   “justifica”   seu   egoísmo,   e  o   “enquanto Homem” de Rand não é nada mais do que o ser-da-espécie que Stirner rejeitou em Feuerbach.

Então, o que é o egoísmo stirneriano?

Como prefácio ao O Único e Sua Propriedade, Stirner escreve um texto breve  Ich hab’  mein Sach’  auf  nichts  gestellt (“a minha causa é a causa de nada”; usualmente traduzido como “todas as coisas são nada para mim”). Neste texto breve,  ele mostra como o Sultão,  Deus, o Bom, etc.  não servem a nada para além de si mesmos, e ainda colocam a si mesmos como o mais alto bem a se   servir.

Stirner   escreve:  “Por  mim  extraio   daqui   uma   lição:   em  vez   de continuar  a servir  com altruísmo aqueles  grandes egoístas,  sou eu próprio o egoísta”.
Então, de fato, ele não baseia sua causa num imperativo o qual implora para que sigamos, mas ao invés – nos seduz pelo exemplo. Isto é de importância focal  para Stirner se manter  coerente e não cair  na navalha da crítica de seu contemporâneo,  Karl   Schmidt,   de   que   Stirner   estaria   “fazendo   uma   nova quimera” com o seu egoísmo.

O egoísmo de Stirner vem a ser então mais uma receita terapêutica para aqueles   que   querem  aceitá-lo.   Para   Stirner,   egoísmo   é   somente   seguir   os interesses próprios como a pessoa única que se é.  A qualquer  um que diga, “Quais  são meus   interesses?”,  Stirner  diria que o  interesse dele é  tão único quanto ele mesmo,  e que  isso ele mesmo deveria descobrir.  Uma  repetitiva insistência nisso encontraria somente a resposta negativa que Stirner fornece em O Único e  Sua  Propriedade,  de  que o  interesse   e  as   idéias   fixas   estão em oposição; de que não há ponto arquimediano de referência moral externo aos valores escolhidos pelo – único.

Então “o que sou eu”? Isto é o que Stirner passa a segunda parte de seu livro explorando.   Isto é,  o que são as minhas   relações  quando elas  não são deveres  materiais  ou naturais,   tal  como  lealdade  filial  ou  relações   idealistas como ser “um e o mesmo” como cidadão,  mendigo ou Humano? O conceito chave para responder isto, é Eigentum – propriedade.

Eigentum“, ou aquilo que é possuído, exprime para Stirner uma relação de vontade.  Como uma  relação de vontade,  pode  ser  descartada  a qualquer momento – pela vontade. Oposta à relação de vontade está o dever, o “dever” e o “ter de”.  Estas são simplesmente relações que não são minhas para que eu possa dispor, mas que são me dadas de fora – de fora, também, no sentido de uma “essência” que eu devo confirmar sem que possa dispor sobre ela.

Um caso particular de tal dever é quando não se pode abandonar uma idéia. Em termos hegelianos: Quando aquele pensamento é visto como sagrado e isento ao “poder do negativo”. Tal idéia é chamada de idéia fixa. Isto é, nas palavras de Stirner “Uma idéia que sujeitou o homem a ele mesmo” – uma idéia que você não pode criticar.

A  noção   de   “Eigentum”   aplica-se   também  às   relações   com  outras pessoas, e é nesse sentido que devemos entender  Der Verein der Egoisten (A Associação  dos  Egoístas)  que   confundiu e   iludiu  a   compreensão de muitos comentadores.

Vamos dar uma olhada nos modos pelos quais eu posso me encontrar com outra pessoa, desde um ponto de vista pertinente ao assunto em questão.

      1.      O dever.  Isto é um encontro entre duas pessoas de acordo com como devem se comportar  em  relação à outra.  Este não é um encontro por vontade, mas um encontro de acordo com o “dever”. Exemplos de tais encontros são quando pai e filho encontram-se nos papéis de pai e filho. Quando eles se encontram, de acordo com tais papéis, encontram-se por um dever e não por uma “vontade”. Papéis são atribuídos a uma relação quando esta é vista como objeto estático.

      2.      A Propriedade. A relação pode ser de vontade unilateral. Assim, se se é um Einzige ao passo que o Outro se torna um Eigentum (para aquele que é Einzige). Talvez, seja este o estado de coisas em que podemos dizer “O Inferno São Os Outros” (i.e. quando aquele Outro cara é o Einzige e o eu é reduzido ao papel de Eigentum).

Moses  Hess   já   criticava   a   concepção   daquilo   que  Stirner   chama   de “Verein der Egoisten” ["A Associação dos Egoístas"] seguindo a linha de  que  num  tal   encontro,   teria  de  haver  um dominador   e  um outro submetido à dominação.  Isto é,  Hess imagina que “A Associação dos Egoístas” seria uma relação do tipo (2) descrita acima. Agora, (2) pode descrever   um  egoísta  Hobbesiano.  Mas   pode   descrever   “la   derniere mallon de la chaine Hegelienne” [o último elo da corrente hegeliana] (como Stirner foi chamado)? Não, isto é um pouco rude demais.  Stirner ele mesmo fez a réplica desta crítica apontando para exemplos: Dois amigos brincando com seus brinquedos, dois homens que,  vão  juntos a  loja de vinhos.  Certamente esta não é uma lista exaustiva de associações, e nosso homem Stirner, de fato, fala sobre   associações   consistindo   em   centenas   de   pessoas,   também, associações que se formam para se capturar um ladrão ou para ganhar salários  melhores   no   próprio   trabalho.  Mais   filosoficamente,  Moses Hess descreveu uma unilateralidade,  e pensou que  isso era necessário para   a   relação.  O  que   de  mais   natural   do   que   aplicar   um  pequeno argumento dialético para resolver o que Stirner realmente quis dizer. Eu proponho isto:

      3.      A Associação.  A  relação  é  compreendida  como um processo.  É um processo em que as  relações são continuamente  renovadas por ambas [/todas]   as   partes   sustentando-a   através   de   um  ato   de   vontade.  A Associação requer que ambas/todas as partes estejam presentes através do   egoísmo   consciente   –   i.e.   da   vontade   própria.   Se   uma   parte, silenciosamente encontra-se em sofrimento, mas se contém para salvar as aparências, a associação degenerou a uma outra coisa qualquer. Somente após desenvolver a compreensão de associação de egoístas é que Stirner  chega à  relação  sumamente   importante  – minha  relação comigo mesmo.  Na seção  intitulada “O meu gozo pessoal”,  Stirner  distingue a mera valorização da vida contra o gozo de vida. Na primeira visão, eu sou um objeto a ser preservado.  Na segunda,  eu vejo a mim mesmo como sujeito de  todas minhas relações de valor.

Nesse   sentido,   Stirner   pode   rechaçar   a   questão   “o   que   sou   eu?”   e recolocá-la em termos de “quem sou eu?”, uma questão que guarda a resposta na mesma pessoa encarnada que a interroga. Este é o “nada” do qual Stirner fala como sendo o eu. “O nada que sou não é no sentido de vacuidade, mas antes o nada criador”.

A minha relação comigo é assim um encontro comigo por vontade, uma associação comigo mesmo e um consumo – apropriação – de mim como o meu próprio.

Leitura sugerida:

O Único e Sua Propriedade – Max Stirner (Baixe o livro aqui)
Kleinere Schriften – Max Stirner
Stirner Studien (Bernd Laska)

N.T: Termos e trechos conforme a tradução de Barrento, Ed. Antígona.


Traduzido por José Paulo M. Souza