quarta-feira, 30 de abril de 2014

Mutualismo e mercados



Por Jakob Pettersson “Sushigoat”

Como mutualista, um socialista que apoiará os mercados sob a condição de que seja baseado no trabalho ao invés do habitual “fazer dinheiro do seu dinheiro” que te negocia sob o sistema atual do feudalismo de papel passado, eu não me incomodo de me denominar um “anarquista de mercado”. Ao menos que eu queira me distinguir dos anarquistas de não-mercado por vários razões:
  • A questão mais óbvia é que é um termo muito ligado ao “anarco-capitalismo”. Ora, mesmo embora eu de forma nenhuma temo o anarco-capitalismo e penso que se eles fossem coerentes nos direitos de propriedade lockeano eles rejeitariam o sistema de propriedade presente e as estruturas capitalistas tudo junto como os agoristas e uma enorme parte dos rothbardianos de esquerda tem rejeitado, eu não quero estar ligado com grupos de ideais, meios, fins, quadro ético, valores culturais, economia e todo esse barulho em geral. Eles incorporam todas as coisas que eu odeio do Libertarianismo (em L maiúsculo) americano [N. T.: Nos EUA tem-se o costume de citar Libertarianism, com L maiúsculo, ao se referir às políticas públicas ou ao partido político (no caso, Libertarian Party ou Libertarian) que visa atender a filosofia política do libertarianismo, mas não a filosofia em si].
  • O risco da adoração ao mercado: um mercado pode ser uma forma efetiva de satisfazer necessidades e desejos. Isto não significa que o mercado seja Jesus. Isto não significa que você deva amar o comércio. O mercado é uma forma em que as pessoas possam interagir com resultado positivo e, em muitos casos, não é o melhor.
  • Não dar tanta importância de que, mais do que qualquer coisa, o estado está nos impedindo de compartilhar. Enquanto os Quatro Grandes Monopólios (Dinheiro, Patentes, Tarifas e Terra) de Benjamin Tucker impedem as pessoas de concorrer, de um modo que tornaria impossível as propriedades privadas de grande escala sobre os meios de produção e que cria artificialmente grandes barreiras para entrar da classe trabalhadora, eu penso que faz algo pior: nos impede de compartilhar. O monopólio do dinheiro, junto com o monopólio da terra e impostos, força as pessoas em relações de mercado em que não teria sido necessário de outro modo. Também impede indivíduos de se tornarem auto-suficiente. É verdade que estamos impedidos da concorrência que destruiria a classe capitalista, mas a mensagem mais poderosa e igualitária é que estamos impedidos da cooperação.
  • Falar sobre toda a situação econômica em termos de mercado torna-se ridículo após um tempo. Charles W. Johnson é ótimo, mas sua definição de um “livre mercado” como “a soma de todas interações econômicas voluntárias” levaria a termos ridículos como “comunismo de livre mercado” e tal. Essa citação de Ian McKay descreve essa ideia muito bem:
“Eu particularmente gostei do seu 'Proudhon era um livre-mercadista porque ele se opunha à intervenção do governo na economia'. Por este critério Kropotkin era um 'livre-mercadista' (ou Marx, como minha carta sugere). Anarquismo, por definição verdadeira, se opõe a intervenção estatal em uma economia (não capitalista) livre porque é contra o estado — sem governo, sem intervenção!”
  • Isso tonar a diferença entre eu e, digamos, um anarco-sindicalista maior do que atualmente é. No fim do dia, se minhas escolhas por mudança social e política fossem votar para Ron Paul ou me juntar em uma revolução marxista de esquerda, você saberia que eu me juntaria ao último. A ideia geral do mutualismo é um sistema de economias locais, empresas possuída por trabalhadores, recursos possuídos de forma comum e estruturas de ajuda mútua. Compare isso com a vila de John Galt que muitos “voluntaristas” e “anarco-capitalistas” parecem ansiar. Estou indo para o lado deles ou dos anarquistas sociais? Eu me sinto desconfortável por partilhar muitas das semânticas deles.
Se você quer se identificar como um “anarquista de mercado”, ótimo, mas eu estou cansado do termo.


Traduzido por Rodrigo Viana. Para ler o artigo original clique aqui.




Sushigoat é um blog que aborda assuntos corriqueiros, bem como anarquismo.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Resposta a “Mutualistas são apenas anarco-capitalistas tentando parecer socialistas”


Por Jakob Pettersson “Sushigoat”


É uma coisa comum para anarco-comunistas e anarco-capitalistas se juntarem em uma aliança profana contra a relativamente pequena e marginalizada facção mutualista da comunidade anarquista. Eu realmente não crio o sectarismo entre um grupo de pessoas com uma lista enorme de objetivos comuns compartilhados e geralmente isso parece uma tentativa infantil, de ambas as partes, para atribuir coisas aos mutualistas aos quais os mutualistas não acreditam. O ataque de que nós somos socialistas posers é totalmente repugnante. Aqui está algumas das coisas que eu ouço muito sendo lançadas:


Kevin Carson concorda com os anarco-capitalistas em alguma ética = ele é um anarco-capitalista!


Eu (sushigoat por referência) considero Kevin um amigo meu, falo com ele quase que diariamente no twitter e aprendo muito. Eu sempre acho estranho quando eles falam sobre Kevin como algum tipo de “capitalista de armário”, que utiliza retórica anti-capitalista a fim de ferir o movimento anarco-capitalista e apelar para os esquerdistas. Carson, em minha experiência, é sempre honesto sobre sua intenção e inspiração. Ele TEM sido inspirado pela escola austríaca e de forma alguma ele é desonesto quanto a isso. Ele também tem sido inspirado por Marx e os marxistas, agrários como Ralph Borsodi e neo-ludistas como Kirkpatrick Sale. Suas influências são muitas para se contar e eu não vejo porque sua leitura e compreensão dos austríacos é algum tipo de heresia entre os círculos anarquistas. Kevin frequentemente nota que, mais do que o contrário, ao passo que ele permanece sincero à teoria do valor trabalho e do fundamento da ocupação e uso de propriedade, liberais honestos concordariam com suas análises se eles realmente rejeitassem o estado. Ele é, em minha opinião, inclusivo, não exclusivo: e embora sua definição de capitalismo e socialismo possa provocar ao ultraliberal da escola austríaca ataques de fúria e possivelmente a destruição da propriedade privada, aqueles que são mente aberta geralmente constatam mérito em seu argumento.


Mutualismo é apenas ancaps tentando parecer socialista!


Essa tal declaração é estranha pra mim, em parte porque Josiah Warren, Pierre-Joseph Proudhon, Lysander Spooner e Thomas Hodgskin precederam muito pouco o anarco-capitalismo da escola austríaca. Quão absurdo é pensar que a imitação precedeu o original? Mas sério, achar que estamos sendo desonestos sobre nosso anti-capitalismo porque apoiamos assuntos geralmente (e falsamente) ligados ao capitalismo é ofensivo para mim. Qual é a definição do capitalismo se nada além de um sistema de classe baseado no modo de produção capitalista? Mutualistas apoiam o modo de produção capitalista? NÃO. Proudhon, indiscutivelmente o fundador do mutualismo, foi um dos primeiros a apontar a imoralidade de tal sistema e suas críticas ainda estão de acordo acerca da maioria dos mutualistas. Mutualismo, para ser claro, não tem uma oposição normativa contra arrendamento e extração da mais-valia (assim como muitos anarquistas sociais não tem). Nós não queremos proibi-lo ou punir pessoas que o busca. Nós apenas não concordamos que (A) estas ações serão proeminentes na economia sem estado, (B) de que a proeminência destas ações são positivas para a sociedade e (C) de que estas ações são vitais para uma economia crescer e satisfazer a necessidade humana. Na verdade, nós achamos a última proposta desagradável e vulgar. Acreditamos que em uma sociedade saudável os trabalhadores controlam os meios de produção, que é coerente com as escolas de economia socialistas. Nos diferimos dos coletivistas, como Bakunin, porque somos desconfiados da coletivização onde a individualidade poderia ser fomentada, mas não somos de nenhuma forma RADICALMENTE diferentes. Nós somos todos, do sindicalismo mutualista de Dyer Lum ao individualismo áspero de Benjamin Tucker, anti-capitalistas porque apoiamos estratégias para livrar o trabalhador dos donos do capital.


Nós, anarco-capitalistas, nos opomos [insira um assunto] e promovemos [insira outro assunto] também!


Não consigo ver a relevância disso. Bem, eu suponho. Tenho nada contra isso, na verdade eu acho isso genuinamente positivo. Não estou envergonhado. Kevin Carson, pessoas do libertarianismo de esquerda e a pequena, mas crescente comunidade mutualista não estão fora pra para te destronar, cara. Nós apontamos o que achamos ser incoerente, estranho e negativo em sua ideologia quando achamos necessário, mas essa não é a principal função dos mutualistas. Se você é tão egocêntrico que pensa que o crescente coletivo de pessoas do libertarianismo de esquerda na internet está se estabelecendo para destruir você e sua comunidade anarco-capitalista, então você não compreendeu a porra toda e nós realmente não temos vontade de visar o seu interesse. Nós estamos estabelecidos para efetuar a versão esquerdista radical e social de uma economia livre. LIVRE caso você queira fazer suas coisas, faça suas coisas, mas não vá chorar para sua estatueta do Hans-Hermann Hoppe se nós não estivermos dispostos a partilhar em sua sociedade favorita.


Mutualismo é apenas uma forma para enganar pessoas de outro anarquismo de esquerda/ marxismo libertário. Eles se enganam de que são radicais, mas na verdade, eles são reacionários adoradores do mercado e eles são prejudiciais para a revolução.


Isso é sempre um assunto engraçado porque eu sinto que mesmo tentando responder isso, eu estaria dando muito crédito. Estas pessoas não entendem nada sobre mutualismo, nem tem intenção de descobrir qualquer coisa sobre isso. Se você ouvisse o que nós dizemos ao invés de chorar e se masturbar sobre qualquer questão estética, você compreenderia o mutualismo e os mutualistas, veria que nós não somos radicalmente diferentes de você: somos pessoas que partilham do objetivo de abolir o estado e o capital contigo. Uma vez que ambos acreditam na liberdade individual e conjunta, eu tomo isso do qual poderíamos encontrar uma forma de coexistir. Nós temos críticas legítimas de um com o outro e questões para perguntar um ao outro, mas para fazer isso vocês devem parar de agir como a porra de uma criança e começar a se comunicarem conosco em bases iguais e mútuas que ambos dizemos apoiar.


Traduzido por Rodrigo Viana. Para ler o artigo original clique aqui.




Sushigoat é um blog que aborda assuntos corriqueiros, bem como anarquismo.

domingo, 27 de abril de 2014

Proudhon e Bakunin: polar opostos?


Por Jakob Pettersson “Sushigoat”

Proudhon e Bakunin, tradicionalmente, representam dois lados diferentes da moeda da anarquia: o individualista e o coletivista. Enquanto Proudhon acreditava que o “Livre Contrato” é o objetivo da anarquia, Bakunin enfatizava a unidade coletiva como o libertador único do homem. Bakunin é geralmente citado como dizendo o seguinte:

Quão ridículas são as ideias dos individualistas da escola de Jean Jacques Rousseau e dos mutualistas proudhonianos que concebem a sociedade como o resultado do livre contrato de indivíduos absolutamente independentes de um do outro e entrando em relações mútuas somente por causa da convenção elaborada entre homens. Como se estes homens tivessem caídos dos céus, trazendo com eles a linguagem, o arbítrio, a reflexão original e como se eles fossem estrangeiros a qualquer coisa da terra, isto é, qualquer coisa tendo origem social.”


Todavia, o abismo entre eles não era realmente tão grande como é compreendido por ser pelos anarquistas contemporâneos. Certamente não era tão grande quanto a lacuna entre anarquistas coletivistas e individualistas são hoje. Coletivistas contemporâneos geralmente se aderem a alguma forma de Comunismo de Conselho ou Economia Participativa, enquanto individualistas geralmente se inclinam em direção a adoração de mercado dos austríacos (Rothbard e Konkin) ou a boemia hippie da multidão “pós-esquerda” (Zerzan e Bob Black). Eu imaginaria que Bakunin e Proudhon teria aprovado nenhuma destas facções ou, pelo menos, teria tido algumas queixas sérias.

A partir do que li, os esquemas políticos e econômicos de Bakunin são formas mais similares daquelas de Proudhon do que daquelas dos anarco-comunistas. Bakunin acreditava em um sistema de mercado baseado na Teoria do Valor-trabalho, assim como Proudhon acreditava. Ambos tinham teorias sobre um Banco de Câmbio, embora não idênticas. Bakunin também herdou o federalismo de Proudhon. Em meu entendimento, é a ênfase na comunalidade, fazer decisão coletiva e ação coletiva que diferencia Bakunin de Proudhon, completamente separado das dicotomias modernas de “mercado vs comunismo”. Proudhon, embora sendo um apoiador de cooperativas de trabalhadores e de outros empreendimentos cooperativos, não se importava muito por “coletivismo por causa do coletivismo”, isto é, coletivizar uma indústria ou comércio que pudesse ser manuseado individualmente. Bakunin argumentava que trabalho coletivo “aumenta a moral” e é mais eficiente.

O apoio de Bakunin de um sistema de mercado distorce algumas concepções modernas do que é um “livre mercado”. Certamente, existe uma forma de troca e ainda existe salários na forma de notas de ordem de pagamento [N. T.: no original, labour notes], mas é um “livre mercado”? Parece mais como uma forma de democracia descentralizada e comunal social para mim. Alguma coisa interfere e controla a economia; a livre comuna, embora claramente não um “governo”. É um “livre mercado” simplesmente “trocas econômicas sem interferência governamental”, ou está atrelado às concepções das políticas econômicas libertárias de direita? Oh bem, uma coisa é certa; os debates circulantes de assuntos sem estado hoje não são representativos aos debates a respeito de assuntos sem estado no século 19.

O coletivismo bakuninista não é uma ideologia muito difundida hoje, muito embora ela é ainda citada e admirada. Os individualistas não se importam pela filosofia dele e os comunistas não se importam pela economia dele. As ideias de Proudhon viveram, de forma breve, na adaptação de William B. Greene de suas ideias sobre comércio bancário e nos Anarquistas de Boston, mas extinguiram no início do século 20. A falácia é para assumir que, por causa das ideias deles não são discutidas, as ideias não são relevantes.

Assume-se que Kropotkin “desbancou” o anarquismo coletivista de Bakunin em seu ensaio intitulado “The collectivist wages-system”, mas o fato é que não havia realmente ninguém da escola bakuninista para defender o mercado comunal publicamente, ao menos não em meu conhecimento. Então não é uma enorme vitória. Enquanto Proudhon, é adotado que Böhm-Bahwerk desbancou a teoria do valor-trabalho (aquele que nem abordou Proudhon), que Rothbard desbancou a teoria dele de banco mútuo, embora isso é uma vitória vã, uma vez que realmente não havia nenhum proudhoniano reconhecido para abordar estas críticas. E porque não havia ninguém para responder estas críticas post-mortem de Bakunin e Proudhon, espantalhos foram mais facilmente permissíveis.


Conforme o estudo da relação entre o coletivismo de Bakunin e o mutualismo de Proudhon, você obtém um senso mais profundo do contexto histórico do que você poderia obter por apenas assumir que Proudhon era um individualista laissez faire e Bakunin um comuna anti-mercado (apesar de eu enxergar de onde vieram essas ideias ). Proudhon e Bakunin eram ambos pessoas únicas e complexas e devem ser tratados como tal. Eles eram antagonistas às vezes, é verdade, mas eles compartilham mais um com outro do que com qualquer outra facção do anti-estatismo moderno.

Traduzido por Rodrigo Viana. Para ler o artigo original clique aqui.



Sushigoat é um blog que aborda assuntos corriqueiros, bem como anarquismo.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Mutualismo e anarco-capitalismo: diferenças



Por Mutualist Alliance Blog
Eu percebo que a última postagem era mais sobre discurso e responder ataques ao invés de uma conta real das diferenças legítimas entre mutualistas e anarco-capitalistas. Eu vou tentar fazer isso aqui, não como uma forma de iniciar uma luta, mas para educar.

Teorias do valor

Muitos mutualistas subscrevem à Teoria do Valor-trabalho, e foram entre os primeiros a perceberem suas conclusões socialistas. Isso é um pouco controverso na economia moderna, uma quantidade considerável de pessoas (libertários de direita em particular) considerá-la como algum tipo de pseudo-ciência, embora haja sérios debates sobre isso. Os anarco-capitalistas geralmente se apoiam no trabalho de Eugene Böhm-Bawerk para por um fim nas teorias do trabalho ricardianas e marxistas, e argumentam que a teoria do valor subjetivo está correta. Kevin Carson, em seu livro “Estudos na Economia Política Mutualista”, argumenta que Böhm-Bawerk criou um espantalho de Ricardo e de outros economistas clássicos, e tenta sintetizar a teoria do valor trabalho mutualista[1] com a praxeologia austríaca.

Robert P. Murphy e Kevin Carson tiveram um debate amigável e interessante sobre isso que você pode ler aqui e aqui.

O apoio da TVT entre mutualistas os levam se oporem ao lucro, juro e arrendamento. Anarco-capitalistas não tem quaisquer problemas com isso. Debates interessantes podem ser tido sobre isso, mas ambos tendem a concordar de que os problemas são menos predominantes em uma economia livre.

Direitos de propriedade

É justo dizer que geralmente anarco-capitalistas são lockeanos. Anarco-capitalistas, como Rothbard, apoiavam algumas formas de direitos de Propriedade Intelectual, mas anarco-capitalistas modernos normalmente acham isso ilegítimo. Mutualistas tendem a subscrever a doutrina de Ingalls-Tucker de ocupação e uso, mas Lysander Spooner, por exemplo, apoiava o mesmo tipo de doutrina de lei natural que é comum entre rothbardianos, e até mesmo apoiava a Propriedade Intelectual. Thomas Hodgskin, para citar outro exemplo, defendia o holding privado de terra, contra Herbert Spencer de todas as pessoas. Outras pessoas, como Ezra Heywood, sugeria que:

"...não pode haver nenhum mercado verdadeiramente livre enquanto propriedade em materiais crus e monopólio de meios de troca existir."

Kevin Carson, no entanto, subscreve a doutrina anterior mencionada de Ingalls-Tucker, e uma vez que ele é a principal fonte de material mutualista atualmente, muitas pessoas que se denominam mutualistas subscrevem a ele. Roderick T. Long (que não se denomina capitalista, embora é um rothbardiano) debateu com ele sobre isso[2]. Mas o que mutualistas de hoje acham interessante não é quem está filosoficamente certo ou errado, mas a carência geral de compreensão de a partir de onde a propriedade capitalista vem, que isso não é limitado apenas a anarco-capitalistas, mas a maioria das pessoas (embora alguns marxistas reconheçam isso). Mutualistas argumentam que isso levou enormes força e intervenção governamental na economia a fim de criar o que é geralmente conhecido como “propriedade capitalista”, e que isso se isso não tivesse ocorrido, a economia teria se desenvolvido mais em direção do auto-gestão de trabalhadores. Isso não é tanto um argumento contra os direitos de propriedade anarco-capitalistas, mas um argumento contra a “liberdade orgânica” que alguns alegam que o capitalismo é. Alguns rothbardianos tem aceitado isso e tem moldado a si mesmos “anti-capitalistas” como um resultado.

Semântica

É claro que nós, às vezes, sustentamos as mesmas ideias mas as expressamos com semânticas diferentes. Capitalismo, para a maioria dos anarco-capitalistas, é uma economia com zero de intervenção governamental. Socialismo, para a maioria dos mutualistas, é uma economia com zero de intervenção governamental. Capitalismo, para a maioria dos mutualistas, é intervenção governamental sistemática, destruindo a atividade de emprego autônomo para criar uma classe de capitalistas arrendadores. Socialismo, para a maioria dos anarco-capitalistas, é intervenção governamental sistemática no mercado para redistribuir riqueza e confiscar propriedade privada.

Ora, pode haver uma parte certa ou errada a isso? Pessoalmente eu penso que não. Mutualistas usam uma definição de capitalismo e socialismo que remontam aos anarquistas do século dezenove, enquanto anarco-capitalistas usam uma definição de capitalismo e socialismo mais ligada a Mises e Rand. Anarco-capitalistas definitivamente tem aceitado o uso mais moderno e comumente do termo, enquanto mutualistas voltam a definição no seu ponto principal para ilustrar que a principal função do governo está em manter a regra capitalista.

Dinheiro

Anarco-capitalistas são geralmente pessoas muito otimistas pelo ouro, muito embora alguns tem estado entusiasmado por Bitcoins. Mas de acordo com eles, o melhor dinheiro é lastreado. Mutualistas argumentam que, ao contrário, uma forma de crédito mútuo, que é criado através de um “banco-mútuo” de juro livre (efetivamente uma economia do dom com uma unidade de conta). Rothbard argumentava que isso era algum tipo de “moeda fiduciária”, ao qual Kevin Carson respondeu:

"Greene e Tucker não propunham inflacionar a oferta de moeda, mas ao contrário, eliminar o preço de monopólio do crédito feito possivelmente pelas barreiras de entrada estatais: licenciamento de bancos e grandes requerimentos de capitalização para instituições comprometidas em fornecer somente empréstimos assegurados."

Mutualistas modernos tendem a ser muito interessados em economias de permuta, uniões de créditos e outras formas de moeda circulante local.

Objetivos e visões

É injusto dizer que anarco-capitalistas querem tudo a ser um supermercado, mas a atitude geral entre os anarco-capitalistas é aquela em favor de uma sociedade centralizada em torno de empresários e comércio. A maioria deles não tem uma visão real, conquanto que seja voluntário e não infrinja nos direitos de propriedade. Eles são favoráveis aos meios de produção sendo mantidos privadamente. Suas formas favorecidas de chegar lá parecem ser tanto tornar o governo o mais libertário quanto possível, tornando mais fácil para as pessoas se secederem ou revoltarem através de “tribunais libertários revolucionários”, como Walter Block sugere, ou a estratégia libertária de esquerda do “agorismo”, significando “contra-economia”.

No entanto, mutualistas não são fetichistas de mercado na mesma extensão. Nossa visão favorecida é melhor descrita como um comunitarismo, onde a maioria dos bens é produzida para a economia local e baseada nas necessidades locais por produtores autônomos e empresas possuídas por trabalhadores. As diferentes comunidades se entreligariam sob os princípios do federalismo livre para se comunicar efetivamente sobre ampla área geográfica. Desde Proudhon, mutualistas tem geralmente sido gradualistas quando se trata de revoluções, mas não reformistas. Eles apoiam as tomadas de controle sindicalistas de empresas através de greves gerais, estratégias de dualidade de poder para criar alternativas às instituições legais e também concordam com os agoristas de que precisamos comercializar fora da relação ao dinheiro.


Nota do tradutor:

[1] No original “and attempts to synthesize the Marxist labor theory of value with Austrian praxeology.” Na verdade o autor cometeu um equívoco, pois Carson renega a teoria marxista e se apoia na teoria mutualista do valor-trabalho. Para a melhor compreensão do leitor, foi traduzido de forma corrigida.
[2] Esse debate pode ser conferido aqui e aqui.

Traduzido por Rodrigo Viana. Para ler o artigo original clique aqui.



sexta-feira, 18 de abril de 2014

Como a classe trabalhadora é explorada?



Escrito pelo blog Mutualism
De acordo com a teoria do valor-trabalho existe uma diferença entre valor de uso e valor de troca (para pessoas que pensam que a TVT é besteira, eu irei explicar a exploração do trabalho até mesmo sem a TVT depois de um tempo, mas é mais fácil iniciar assim). Valor de uso é o uso que um indivíduo pode ter de um certo bem ou serviço, enquanto o valor de troca é o preço — isto é, que esse bem ou serviço pode ser barganhado no mercado. No longo prazo, com concorrência livre, o valor de troca de bens facilmente reproduzíveis irá simplesmente variar em torno do valor trabalho, ou o custo de reproduzir o mesmo bem.

Na economia capitalista, trabalho é tanto um bem que é comprado e vendido, quanto um fator de produção que fornece outros bens seu valor. Isso significa que trabalho tem uma função dual; é o valor de troca que é determinado pelo quão necessário reproduzir esse trabalho (que é alimento e habitação para o trabalhador e sua possível família — juntamente, quando é sobre trabalho que requer qualificação maior, um salário alto o bastante para atrair esse tipo de força de trabalho), enquanto é o valor de uso que é decidido pelo quão esse trabalho contribui para a produção.

Isso significa, por sua vez, que o valor de uso de trabalhadores, na economia capitalista, deve ser maior que o valor de trocas de trabalhadores. Se o valor de troca é maior que o valor de uso — isto é, se o trabalho custa mais do que o que isso rende — então não existe capitalista no universo que contrataria. Se o trabalho rende em 1000 dinheiros, mas custou 2000 dinheiros, seria uma completa perda contratar tal força de trabalho; se o trabalho, ao contrário, rende 2000 dinheiros, mas custou 1000, a força de trabalho seria um completo ganho. A diferença entre o valor de uso e o valor de troca é normalmente chamado de “mais-valia”, isto é, o valor que o trabalhador cria mas que vai para o empregador. A mais-valia é também que, em primeira mão, forma o lucro para o capitalista (em que ele ou ela pode aumentar através de barreiras de mercado que conduzem ao poder de monopólio ou oligopólio). O lucro e a exploração são, portanto, dois lados da mesma moeda, para ser explorado é necessário que haja alguém para lucrar de seu trabalho, e para lucrar é necessário o trabalho de alguém ser explorado. Isso conduz Benjamin Tucker para a opinião que “lucro é outro nome para pilhagem” (Coughlin, Hamilton and Sullivan (red.) Benjamin R. Tucker and the Champions of Liberty”, s. 29).

Através da teoria do valor trabalho, como tal, é muito fácil mostrar como a classe trabalhadora está sendo explorada pelos capitalistas. Sem surpresa, esta teoria não é usada pelos economistas nacionais modernos que, ao invés, usam diferentes tipos de teorias de utilidade marginal (que como Kevin Carson previamente apontou, não é de qualquer meio “errado” — mas tal teoria deve ser incorporada dentro de uma mais compreensiva teoria de valor-trabalho ao invés de ser colocada contra ela, porque as teorias de modo algum contradizem uma a outra). Como estas teorias não usam termos como “valor de uso” ou “valor de troca” é mais difícil provar mais clara e concisamente essa exploração (talvez um fator que contribui em por que, de forma relativamente rápida, se tornou tão popular nas economias burguesas?) — mas essa relação exploratória que é fundação da economia capitalista pode, claro, ser ilustrada sem estes valores. Ao invés de falar sobre valores de uso e troca, eu irei mostrar essa relação através de exemplo, e desmascarar os argumentos pró-capitalistas fomentados contra eles.

Imagine um trabalhador que executa trabalho assalariado para uma empresa que produz e vende pregos de ferro, enquanto a companhia lucra. Qual é a fonte desse lucro? As receitas, que são mais altas do que as despesas. O que são as receitas? A venda de pregos de ferro. O que são as despesas? Aluguéis, investimentos de capital e — isso mesmo — força de trabalho. Os aluguéis provavelmente não serão afetados (ao menos que o capitalista possua a terra e edifícios que ele os aluga para outro dono/ capitalista de terra, que coloca seu próprio preço em relação ao mercado atual). Os investimentos de capital são também uma coisa que não podem ser afetados a um nível maior, quando tal fator — do mesmo modo como aluguéis — é feito através de comércio com outros capitalistas. O que o próprio capitalista pode afetar é o custo da força de trabalho que ele usa, e como o modo de produção fica. Aqui ele pode gerar lucros por pagar aos trabalhadores o mais baixo que possivelmente conseguir — que significa embora lucro tão grande quanto possível para si próprio, todas outras coisas iguais. 

As maiores objeções pró-capitalistas são normalmente estas:
1) O capitalista está tomando todo o risco, ele merece essa mais-valia (mesmo se liberais e conservadores raramente queiram chamar isso de mais-valia)!
2) O capitalista contribui através da fábrica e do maquinário, claro, ele deve ter esse excedente (mesmo se...)!

E estas objeções são razoáveis numa economia capitalista; é correto dizer que o capitalista é aquele tomando risco e aquele contribuindo com a fábrica e o maquinário. O que os liberais esquecem é que nós, libertários socialistas, não queremos um modo de produção capitalista; essas objeções se tornam bastante sem sentido. Por que é que o capitalista tem a possibilidade para possuir fábricas e tomar o risco para produzir com a promessa de enormes lucros? As relações de propriedade de hoje em dia não são dadas pela natureza, porém é um resultado de uma evolução econômica baseado, primeiro e principalmente, na violência e coerção, intervenção estatal e jogos de poder capitalista. Nós, socialistas, não queremos roubar os capitalistas de suas “recompensas” na economia capitalista como os liberais capitalistas presumem; nós queremos substituir o capitalismo com outra coisa, onde estas relações de propriedade não mais se aplicam e onde o trabalho — ao invés da usura, seja a fonte de renda. Eu ainda tenho que mostrar a exploração da força de trabalho sem a ajuda de uma teoria do valor trabalho — porque isso não pode ser explicado na linguagem marginalista sem um contra-exemplo. Por causa da orientações dos blogs, Eu estou, claro, escolhendo um contra-exemplo mutualista.

Vamos imaginar que ao invés de capitalismo e trabalho assalariado nós tivéssemos uma ordem econômica mutualista. Produtores autônomos possuem seus próprios meios de produção, grandes produtores trabalham conjuntamente e a própria produção deles cooperativamente, investimentos são feitos através de cooperativas de créditos e bancos mútuos enquanto a posse da terra é decidida baseada na ocupação e uso. Nós imediatamente nos livraríamos do aluguel sobre a terra, porque essa posse é baseada na posse da terra capitalista e é impossível com ocupação e uso. Os bancos mutualistas e cooperativas de crédito, ademais, significam que os produtores autônomos e cooperativas de trabalhadores não tenham mais que confiar em capitalistas com muitos recursos para fazer investimentos. Que os produtores possuem diretamente o local de trabalho deles torna nenhum lucro necessário para pagar a um dono específico, quando as receitas deduzidos das receitas que vão para o investimento adicional (se os produtores estão interessados em produzir para amanhã) — vão diretamente para os trabalhadores. Aqui nós vemos uma ordem econômica onde nenhum lucro capitalista é necessário — o capitalista está fora de cena. Se o meu trabalho cria 2000 dinheiros então minha receita é também 2000 dinheiros; onde eu sozinho (e possivelmente meus trabalhadores cooperados, se eu trabalho cooperativamente) decido o quanto de minha receita deve ir para o meu consumo e quanto deve ir para futura produção. Eu contribui então com o trabalho que eu ganhei 2000 dinheiros para o negócio e eu recebo 2000 dinheiros por isso; algo completamente diferente do que o que nós podemos ver na economia capitalista construída sobre hierarquia, com o capitalista no topo e os trabalhadores embaixo.

Quando nós comparamos estes dois exemplos a exploração se torna mais aparente. Mesmo se você que lê isso estiver relutante para usar termos como valor de troca e valor de uso, nós podemos a partir destes dois exemplos ver claramente uma diferença entre valor de uso e troca na economia capitalista, enquanto valor de troca de trabalhos na alternativa socialista mutual é irrelevante, quando o processo inteiro é baseado no valor de uso. O liberal, que é relutante a aceitar qualquer pensamento de “usurpação”, poderia substituir “valor de troca” com “o preço de trabalho” e “valor de uso” com “o que o trabalhador contribui para produção”, se isso torna os conceitos mais fáceis para compreender. Que nos conduz para nossa próxima objeção pró-capitalista ao fato de que a classe trabalhadora é sistematicamente explorada na economia capitalista:

3) Você está esquecendo da preferência temporal! Algo hoje vale mais do que algo amanhã, por causa das avaliações subjetivas dos humanos — o capitalista desiste de algo hoje, investe na produção, para receber mais amanhã — todo mundo está feliz!

Preferência temporal, com todo o devido respeito, tal coisa existe para o mais alto nível na consciência humana; mas o pensamento que capitalismo é legitimado por causa da preferência temporal é, mais uma vez, algo que vem a partir da ideia de que as relações de propriedade capitalista são algo “natural”, junto com a produção baseada no capitalismo proprietário e trabalhadores sem propriedade. Mais uma vez, por esse motivo: uma defesa brilhante do capitalismo se pressupomos o capitalismo, mas algo bastante inútil se nós discutimos alternativas socialistas. Porque, na alternativa mutualista acima, no que está baseada a preferência temporal? Preferência temporal está baseada no que tem sido mencionado acima: a decisão dos trabalhadores sobre quanto das receitas eles devem usar para eles mesmos e quanto devem ser reinvestidos na produção. Kevin Carson apresenta essa relação numa forma excelente:

“Numa economia (...) como teria existido tivesse o livre mercado sido permi tido se desenvolver sem roubo em larga escala, a preferência temporal afetaria apenas os cálculos dos trabalhadores de seu próprio consumo presente versus seu próprio consumo futuro. Todo consumo, presente ou futuro, seria o resultado inquestionável do trabalho. É apenas numa economia capitalista (isto é, estatista) que uma classe proprietária, com riqueza supérflua mui to além de sua habi l idade de consumi r, pode se manter na ociosidade emprestando os meios de subsistência para produtores em troca de uma revindicação sobre a produção futura.”
 - Kevin A. Carson, “Estudos na Economia Política Mutualista, Capítulo 3

Se nós usarmos a teoria do valor-trabalho, ou se nós excluirmos completamente ela de nossa análise, a resposta é a mesma: a classe trabalhadora é explorada na economia capitalista, quando essa é comparada a uma alternativa socialista. Todas as pessoas produtivas em nossa sociedade ganham a partir do socialismo libertário e anarquista — enquanto os perdedores são as classes parasitas: os capitalistas e os donos de terra, que vivem dos trabalho de outros. Reacionários liberais e economistas nacionais burgueses em defesa da ordem existente, com o devido respeito, mas essa defesa é tão falha que até mesmo um texto tão curto como esse pode facilmente acabar com isso.

Traduzido por Rodrigo Viana. Para ler o original clique aqui.


quarta-feira, 9 de abril de 2014

Estudos na Economia Política Mutualista - Parte Um



Por Rodrigo Viana


Como prometido, estamos retornando com a série de artigos sobre o livro Estudos na Economia Política Mutualista do economista Kevin Carson. O que vemos agora é a análise completa da teoria do valor no resgate do valor-trabalho fundamentada pelo economistas clássicos e socialistas. É primeira parte do livro chamada de Fundamentos teóricos: teoria do valor, traduzida e revisada para o português.

Nesta parte Carson fundamenta a teoria do valor-trabalho desmascarando as falsas interpretações dos economistas marginalistas (sobretudo de Eugen von Böhm-Bawerk bem como de outros teóricos da Escola Austríaca) referente aos economistas clássicos, como também criticando e denunciando a versão do valor-trabalho de Karl Marx junto com seus erros basilares. Como construção teórica, Carson adiciona a teoria da utilidade marginal, embora denunciando o modo deturpado, "pró-capitalista",  que os marginalistas aplicam-na. E junto, elabora uma versão da teoria da preferência temporal para o corpo da teoria do valor-trabalho como um todo.

Essa parte do livro é composta por três capítulos:
  • O ataque marginalista à economia política clássica: uma avaliação e contra-ataque (capítulo já disponibilizado anteriormente).
  • Uma reformulação subjetiva da teoria do valor-trabalho
  • Preferência temporal e a teoria do valor-trabalho.

Nestes três capítulos Carson constrói sua teoria de forma consistente para ser usada como apoio na análise contra o capitalismo dominante. No qual veremos isso ocorrer nos próximos capítulos, uma verificação histórica da economia dos primeiros países industrializados através de uma perspectiva anarquista e anti-capitalista.

Aguardem as próximas postagens.

Segue abaixo a primeira parte do livro contendo seus três capítulos disponibilizados para ser baixado:





Rodrigo Viana escreve para o site Libertarianismo.org, Mercado Popular.com e mantém os blogs Libversiva! e A Esquerda Libertária. Siga seu twitter: @VDigo

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Alguns pensamentos sobre as deficiências e o anarquismo



Por Marja Erwin
Por toda a cultura ocidental, existe uma tensão entre a ideia de que nosso valor é inato e a noção de que o valor das pessoas depende de sua utilidade para os fins dos outros. Utilidade, porém, não é algo que existe em si mesma, mas se encontra sempre num tempo e num local, para pessoas dentro de um sistema social complexo. Alguém que controle um fator importante dentro do sistema social (como uma patente ou um monopólio de telecomunicações) pode utilizá-lo ou não, ou pode mesmo cobrar pelo seu uso (mesmo que seja apenas a força que faz com que exista esse fator ou evita o surgimento de alternativas a ele). De fato, essas pessoas podem até gerar maior utilidade numa perspectiva neoliberal, porque permitem o uso do fator que controlam, e desutilidade numa perspectiva anarquista, por terem criado esse problema e por exigirem pagamento. Uma pessoa que não tenha uma posição privilegiada no sistema social não pode fazer o mesmo. Alguém que a sociedade tenha capacitado pode fazer bem ou mal. Alguém que seja socialmente deficiente, não tanto.

É importante entender que a deficiência não é uma condição puramente médica, mas também social. Nossas sociedades sistematicamente capacitam algumas pessoas que possuem certas condições e debilitam outras, com condições diferentes. Algumas deficiências são quase totalmente médicas. Por exemplo, minha asma ocasiona problemas médicos e problemas sociais secundários, como evitar alergias. Por outro lado, meu autismo ocasiona problemas sociais – como ter que evitar luzes estroboscópicas, contato visual e fazer ruídos agudos – sem muitas consequências médicas.

Se nossa sociedade normaliza exigências de contato visual, normaliza o uso de escadas em vez de rampas, e assim por diante, isso tem o efeito de capacitar algumas pessoas e debilitar outras. Permite que algumas pessoas sejam mais úteis e faz com que outras criem menos e, então, a diferença é usada como justificativa do favorecimento de alguns em detrimento de outros. Se nossa sociedade exige luzes brilhantes em todo lugar, isso ajuda pessoas com determinadas condições visuais e prejudica aqueles com condições diferentes. Se ela exige luzes piscantes como dispositivos de segurança, também permite que algumas pessoas evitem as luzes e incapacita outras com o uso delas.

Por todos esses motivos, eu não consigo confiar em qualquer sistema econômico que tenha como princípio “a cada um de acordo com seu trabalho”, porque nem todos têm a mesma oportunidade de executar trabalhos úteis. Ao mesmo tempo, eu não confio em sistemas que tenham como lema “de cada um de acordo com sua capacidade a cada um de acordo com suas necessidades”, porque não é possível para mim confiar em outro indivíduo para entender minhas capacidades e incapacidades ou para compreender minhas necessidades. Eu sou, em última análise, um especialista em minha própria experiência, mesmo se os outros sejam mais especializados em meus problemas médicos. Se uma comunidade anarco-comunista permitisse a utilização o que desejasse em serviços comunais, não há garantias de que os serviços estariam disponíveis ou de que minhas necessidades seriam atendidas. Na verdade, poderiam haver objeções políticas ao tratamento de meus problemas endocrinológicos, além de problemas práticos, como encontrar protetores auriculares, um computador silencioso e outras solicitações especiais. Seria necessário obter essas facilidades através de trocas mútuas.

Ao que parece, nem o comunismo por si só, nem as trocas por si só, são capazes de incluir a todos com deficiências. Devo perguntar aos anarquistas, esquerdistas e libertários como propõem solucionar esse problema.

Acredito que a sociedade, como um todo, tem a obrigação de incluir a todos e que certas instituições comunitárias terão a obrigação de garantir essa inclusividade. Suponho que uma renda mínima seja um primeiro passo, tanto como meio de inclusão quanto como compensação por exclusões. Da mesma forma que o geoísmo propõe compensar aqueles que são excluídos da terra, isto compensaria aqueles excluídos das instituições sociais e contrabalancearia a exclusão. Isso, porém, traria seus próprios problemas. Quem administraria o sistema? Por que tais administradores seriam mais responsáveis por aqueles debilitados pela sociedade que todas as outras instituições? Ou por que seriam menos corruptíveis que aqueles capacitados pela sociedade? Eu não acho que essa seja a melhor solução.

Créditos: Acho que fiquei sabendo do modelo social para a deficiência descrito extensivamente acima numa oficina de AndreA Newmann-Mascis (minhas notas estão misturadas e eu confundi esta oficina com outra a qual compareci). Sugiro que as pessoas interessadas sensibilidades sensoriais procurem o trabalho de Sharon Heller e Olga Bogdashina.

Traduzido por Erick Vasconcelos. Para ler o artigo original clique aqui.


Por Marja Erwin mantém o blog marjaerwin.livejournal.com.

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