terça-feira, 28 de outubro de 2014

A grande promessa das Cooperativas Sociais


Por David Bollier

A agenda de austeridade costuma ser apresentada como inevitável, mas na verdade isso é só uma desculpa que corporativistas e conservadores usam para evitar qualquer discussão e debate. “Não existem alternativas!” eles trovejam. Mas como o site Co-operatives UK demonstra em um novo e brilhante relatório, existe uma diversidade crescente de alternativas práticas que são tanto viáveis financeiramente quanto efetivas socialmente. Elas são conhecidas como cooperativas multi-stakeholder (N.T.: de múltiplas partes), ou simplesmente como “cooperativas sociais”.

A maioria de nós está familiarizada com cooperativas de consumidores ou de trabalhadores, mas a cooperativa social é um pouco diferente. Em primeiro lugar, elas recebem de braços abertos vários tipos de membros – de funcionários pagos e voluntários a usuários de serviços e membros familiares e até investidores em economia social. Se, por um lado, muitas cooperativas se parecem e operam como suas primas no mercado tradicional, com um foco intenso em lucro e prejuízo, cooperativas sociais estão comprometidas com objetivos sociais como saúde, assistência a idosos, serviços sociais, e integração de ex-prisioneiros à força de trabalho. Elas conseguem misturar a atividade de mercado com o fornecimento de serviços sociais e com a participação democrática, tudo de uma vez.
Pat Conaty é o autor do relatório “Cooperativas Sociais: Uma Agenda de Coprodução Democrática para Serviços de Bem-Estar no Reino Unido” . Ele explica como as estruturas legais e organizacionais de cooperativas sociais — assim como seu ethos cultural — geram todo tipo de vantagem. Elas conseguem fornecer serviços de maneira mais eficiente que muitos negócios convencionais. Elas são mais adaptáveis e responsáveis que muitos programas do governo. E elas convidam a participação ativa e inclusiva de membros para decidir como lidar com suas necessidades — e para contribuir com seu próprio conhecimento e energias.
O relatório examina as melhores práticas de serviços cooperativos em saúde e bem-estar social, e traça um perfil do sucesso de cooperativas sociais na Itália, Japão, França, e Espanha, entre outros países, bem como em Quebec, Canadá.
A experiência italiana com cooperativas sociais é especialmente impressionante. Desde a aprovação de uma lei de 1991 que autoriza cooperativas sociais e oferece políticas públicas em apoio a elas, os italianos fundaram 14.500 cooperativas sociais que empregam 360.000 trabalhadores pagos e dependem de mais 34.000 membros voluntários. A cooperativa típica tem menos que 30 membros-trabalhadores, e fornece serviços para idosos, deficientes, e pessoas com doenças mentais. Algumas fornecem “empregos protegidos” para pessoas com deficiências e outros grupos vulneráveis.
Atualmente, cooperativas sociais estão fornecendo serviços para quase cinco milhões de pessoas na Itália. Elas trazem e gastam nove bilhões de euros anualmente. A sua taxa de sobrevivência após cinco anos é de 89 por cento.
Em Quebec, “cooperativas solidárias” tem construído uma economia alternativa de “solidariedade social” desde 1995. Essas cooperativas estão criando elos entre o movimento de cooperativas, sindicatos trabalhistas e o setor público enquanto atendem às necessidades das pessoas com eficiência e compaixão. O foco central do movimento de Quebec, Conaty escreve, é a criação de empregos e assistência domiciliar, mas elas também são usadas para “regeneração rural” ao ajudar a salvar lojas, correios e serviços sociais em áreas rurais.
O que é empolgante sobre as cooperativas sociais é sua habilidade de misturar de maneira criativa práticas públicas com a atividade de mercado – sem deixar que as forças de mercado dominem a agenda. Além disso, elas não simplesmente “administram serviços” no estilo de uma organização sem fins lucrativos tradicional; cooperativas são dirigidas por seus membros e respondem a eles.
O modelo da cooperativa social transforma usuários de cuidados sociais em parceiros, juntos com a força de trabalho, com ambos tendo uma participação no capital da empresa e acesso aos frutos do sucesso”, diz Ed Mayo, Secretário Geral da Cooperatives UK, um grupo britânico que promove a economia cooperativa.
Por que cooperativas sociais funcionam? Claramente, existem vários fatores indo de políticas públicas esclarecidas a culturas nacionais e compromissos éticos. Mas a ideia de coprodução é um motor poderoso que sustenta essa instituição social. Como descrito por duas acadêmicas britânicas, Sarah Carr e Catherine Needham:
O termo coprodução é usado cada vez mais para se referir a novos tipos de serviços públicos no Reino Unido, incluindo novas abordagens a cuidados sociais para adultos. Ele se refere à participação ativa de pessoas que usam serviços, bem como — ou em vez de — aquelas que tradicionalmente os tem fornecido. Ele dá ênfase ao fato de que as pessoas que usam serviços têm recursos, que podem ser utilizados para melhorar esses serviços, e não só necessidades a serem satisfeitas. Esses recursos geralmente não são financeiros, mas sim habilidades, experiência, e apoio mútuo que usuários de serviços podem contribuir para serviços públicos.”
Não é preciso dizer que a maior parte dos mercados e burocracias estatais não conseguem compreender a ideia de uma “democracia associativa” participativa e a construção de instituições alternativas que incentivem a participação. Mas, como explica Henry Tam da Universidade de Cambridge:
Comunidades inclusivas são formas mais eficazes de associação humana porque reconhecem o valor intrínseco de permitir que todos os seus cidadãos/membros/interessados interajam uns com os outros como iguais na hora de decidir como o poder vai ser utilizado por eles, pelo bem do todo e de cada um. Esse modelo comunitário é baseado na criação do pensamento cooperativos pelos socialistas utópicos de Owen e democratas cooperativos do final do século XIX/começo do século XX.”
O relatório de Conaty se aprofunda nos desafios organizacionais, legais e financeiros para o estabelecimento de cooperativas sociais de sucesso — e indica soluções disponíveis. Por exemplo, cooperativas sociais precisam de novos tipos de políticas públicas e de novos tipos de financiamento, tais como financiamento de risco e financiamento social.

Considerando o papel que cooperativas sociais podem desempenhar na reconstrução da cultura democrática, ao mesmo tempo em que satisfazem necessidades sociais urgentes e insatisfeitas, todos deveriam estar prestando mais atenção à grande promessa das cooperativas sociais. Esse relatório oferece uma análise factual importante para inaugurar uma nova conversa sobre uma alternativa atraente e de eficácia comprovada.
Traduzido por Pedro Galvão de França Pupo para o site Mercado Popular. Para ler o texto original clique aqui.

David Bollier é um ativista, estrategista político e escritor americano, tendo diversos livros publicados. É co-fundador do "Commons Strategies Group" e " Public Knowledge" e "Senior Fellow" do "Norman Lear Center". Para acessar seu blog pessoal clique aqui.

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