segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

O Último Ensaio "Político"


Escrito por Anna Morgenstern

Uma das coisas que torna as polêmicas políticas diabolicamente difíceis e geralmente desviante de modo desonesto é de que as máquinas de propaganda da sociedade estatista evacuam o contexto e evisceram o conteúdo, a fim de desinformar-nos e manipular-nos. Ou seja, os eventos nos são dados num vácuo, contra um campo de hipóteses ideológicas implícitas, mas nunca evidentes. Uma vez aceitemos esse vácuo, estamos em um prejuízo para entender o que realmente acontece e, pois, o que fazer a respeito, seja tática ou estrategicamente. Esse plano de fundo de hipóteses também constrange nossas possibilidades conhecidas, tornando difícil escolher coerentemente quer meios ou fins, no curto ou longo prazo. E dado que as hipóteses estão habilmente incorporadas, elas raramente são contestadas. Poder-se-ia chamar isso de mito do não mito.

Em geral, esse mito é habilmente trabalhado com aparentes contradições, mas sempre levando-nos em alguma direção de que ajudará a classe dominante, na base do “cara eu ganho, coroa você perde”. Um olhar sobre as eleições presidenciais dos Estados Unidos dos últimos 30 anos ou mais é um exemplo quase óbvio demais. De um lado sempre tem um sujeito corporativista, militarista, socialmente conservador que é devedor de favores a Wall Street… e então, aí está o candidato do Partido Republicano.

Sim, estado da Virgínia, há diferenças entre a “esquerda” e a “direita” oficial. Essas diferenças, todavia, ficam “divididas” de tal modo que um segmento da classe dominante se beneficia independentemente de quem você apoie. Eu tendo pessoalmente a preferir a tirania econômica indireta à tirania pseudorreligiosa de controle do prazer, e suspeito que a maioria de vocês também preferem, sendo vocês os devassos sem ambição que conheço e amo. Ainda assim nada há para se comemorar. A outra vantagem para os nossos pretensos senhores da criação das duas “alas” incoerentes e contraditórias em si própria é que, numa democracia, eles tendem a revezar-se na administração das coisas, de maneira que cada facção da classe dominante tem suas chances em ser mais favorecidas. Há guerra nos céus, mas você não está convidado para o jantar da vitória. Você pode até *ser* o jantar da vitória, de um modo ou de outro.

Tanto quanto eu posso dizer, os dois maiores problemas sociais que temos na sociedade estatista são Guerra e Pobreza. E, como seria de esperar, raramente esses problemas são tratados diretamente.

Quase todos os “problemas” sociais que o mundo enfrenta hoje são um resultado direto ou indireto da pobreza. A falta de acesso a água potável, falta de acesso a cuidados de saúde, crime, até mesmo poluição estão, todos, relacionados com a pobreza. E as “soluções” políticas que são oferecidas são programas tipo colcha de retalhos de quebra-galhos que aliviam um ou mais dos sintomas de pobreza, mas são projetados para fazer o mínimo possível para reduzir a pobreza em si. Muitos deles criam muito mais pobreza no longo prazo, gerando todos novos problemas para a classe dominante “resolver”. Ao advogar uma solução política para qualquer desses microproblemas fora de contexto, você está jogando nas mãos da classe dominante que diz, à maneira de Agostinho: “Eliminemos a pobreza, mas não ainda”. A interpretação mais caridosa do esquerdismo político poderia dizer que a esperança é a de que, dando-se pouco a pouco poder ao povo, ele poderá reverter o estrangulamento da classe dominante sobre a economia de forma gradual. Como, todavia, observou a respeito da escravidão William Lloyd Garrison: “O gradualismo na teoria é perpetuidade na prática”. A ideia de “onerar os ricos” é sem sentido. Os ricos nunca irão se onerar. Não pode haver um estado no qual a classe dominante aja contra seus próprios interesses de modo total e consistente.

Na verdade, há na esquerda política oficial, muito pouca sensibilização ou apoio para políticas que prejudicariam diretamente a elite corporativista, mediante tirar seus subsídios e privilégios. O raciocínio ou justificativa parece ser que “precisamos dos ricos para formar uma base tributária a ser usada para ajudar os pobres”. A ironia seria hilária, não fosse pelas implicações concretas.

O resultado inevitável, naturalmente, é que a classe dos pobres se expande enquanto a classe média fica espremida e, finalmente, torna-se “caro demais” manter todos os programas que mantém o pobre confortável e “medidas de austeridade” são tomadas. Então, quando o pobre naturalmente se rebela, a ala oficial da “direita” vai tagarelar acerca de como o pobre deseja se aproveitar da classe média, e estão dispostos a tomar medidas violentas para tanto. Ou o quê? Morrer de fome? Viver em miséria abjeta? Bem, está certo, Chefe. A “direita” adora falar acerca da moralidade da propriedade privada, mas na verdade não é sincera. Os ricos não têm respeito pela propriedade privada das classes pobre e média. Usam isso como um pretenso porrete contra os pobres forçados à miséria e contra a classe média que naturalmente deseja um pedaço dos espólios da pilhagem estatista. Quando, porém, seus próprios interesses são ameaçados, bem, então são todos a favor de socorros financeiros e empréstimos garantidos pelo governo e coisas do tipo. Toda a justificativa para a existência do banco central (ou quase um banco central, como na Lei Nacional dos Bancos (National Bank Act) , muito antes do vil Federal Reserve existir, ou da frequente “suspensão dos pagamentos em espécie” antes disso) é pura e simplesmente “assistencialismo” para os ricos. Proteger o sistema bancário de falência sistêmica significa permitir aos bancos emprestar o que é, essencialmente, dinheiro roubado para pessoas ricas para empreendimentos arriscados a que elas não ousariam lançar-se com suas próprias economias. Não há outra maneira de um banco poder falir, mas isso nunca é explicado desse modo.

Propriedade Intelectual” é outra forma de protecionismo para os ricos à custa da propriedade real das classes pobre e média. Eles querem dizer a você o que você pode fazer com sua própria propriedade, argumentando serem donos do conteúdo e das ideias embutidas nessa propriedade. Pois eles dizem isso, e tem advogados, armas de fogo e dinheiro.

A pergunta a ser feita é “em vez de (fingir) combater todos esses problemas sociais associados à pobreza, por que simplesmente não acabamos com a pobreza?” Um homem em situação confortável não pode ser economicamente coagido. Isso, porém, é exatamente aquilo de que a classe dominante tem medo. Eles preferem ser bilionários num mundo com pobreza maciça do que ser trilionários num mundo sem pobreza porque, neste último, eles serão apenas outra pessoa a quem ninguém deve nada, de quem ninguém precisa particularmente. Eles desejam sentir-se importante, querem que você dependam dele. Querem que políticas econômicas a qual beneficia os negócios dos ricos para resultar em benefícios para os pobres seja verdade, e eles vão matar milhões de pessoas para assegurar que assim seja.

O que nos traz ao outro problema importante, a Guerra. A guerra se conclui em três objetivos principais para a classe dominante. Primeiro, destrói excesso de capital e de trabalho fora do jardim murado dos que estão por dentro. Segundo, é um meio de coagir membros renegados da classe dominante que decidam afastar-se demais das regras básicas aceitas implicitamente do jogo. Terceiro, mobiliza, dentro do país, apoio à classe dominante. Os membros desta podem justificar mais intrusão e incursão nos assuntos comuns de “seus” cidadãos durante tempo de guerra, argumentando tratar-se de situação de emergência, e que essas medidas são para o bem dos cidadãos como um todo.

São os dois primeiros desses benefícios que levaram o General Smedly Butler a declarar em seu livro “War is a Racket” (A guerra é uma extorsão, tradução livre). É o terceiro benefício que levou Randolph Bourne a declarar “A Guerra é a Saúde do Estado” (War is the health of the State). O fato é que as pessoas comuns não se beneficiam da guerra, mesmo quando seu governo específico “vence”. Algumas delas vão morrer, todas elas vão pagar, tanto diretamente por meio de aumento de tributos quanto, mais comumente, indiretamente por meio de “gastos deficitários” que se transformam em inflação monetária, a mais regressiva forma de tributação (eis porque a “direita” política a prefere à tributação direta). Por cima disso, sofrem a devastação moral de serem estupeficadas pela matança de milhares ou até milhões de pessoas.

Portanto, se soluções políticas não podem superar a devastação global da pobreza e da guerra, o que pode superar? A autonomia pessoal é o único modo de podermos minar e derrubar a classe dominante.

Você não pode simplesmente levantar-se e mudar o sistema. O que pode fazer, porém, é subvertê-lo. Se pessoas o suficiente subverterem as coisas por muito tempo, o sistema muda de fato. Para fazer isso, você tem de parar de comprar a ideia de que o sistema, como tal, é legítimo, que ele pode reivindicar direitos sobre o seu comportamento. Subversão, sedição e sabotagem. Ação direta em busca de seus objetivos. Isso não apenas traz resultados como possibilita a você viver de novo como ser humano. Você será, se não completamente livre, liberto da armadilha imoral de jogar fora sua vida tentando convencer a classe dominante a ir contra os próprios interesses dela.


Anna O. Morgenstern é anarquista e escreve em seu blog "Tranarchism". Seus interesses incluem história econômica, psicologia social e teoria de organização voluntária.

Traduzido por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme.
Revisado por Rodrigo Viana.