sexta-feira, 14 de novembro de 2014

O anarquismo e voto



Publicado originalmente no Jornal Causa do Povo nº56 set/2010.

O boicote às eleições burguesas pode ter diferentes significados, conjunturais e teóricos. É importante marcar aqui tal diferença do ponto de vista do anarquismo revolucionário. 

Podemos dizer que tal tática começa a ser delineada no século XIX. Em uma resposta de Proudhon aos Operários do Senna (que o consultaram sobres candidaturas operárias), Proudhon fala que a constituição de tais candidaturas era um processo legítimo e expressava a capacidade política operária. Para ele tais candidaturas não deviam ser o foco da ação operária, mas sim sua organização econômica.

Bakunin reforçaria tal perspectiva, enfatizando o boicote como recusa a teoria estatista (da reforma e da revolução). A revolução e a ação dos trabalhadores não passariam pela luta pela conquista do Estado, seja através das eleições, seja através da violência. A estratégia era aprofundar as lutas econômicas e políticas e organização dos trabalhadores, combinando a greve com as lutas insurrecionais que desembocariam na destruição do Estado. Assim, a tática do boicote às eleições burguesas aparece no anarquismo como reflexão critica da participação dos operários nas repúblicas burguesas (especialmente 1848) e como concepção de revolução anti-estatista.

Tal tática tem outro significado nos partidos reformistas e mesmo nos partidos revolucionários. No caso dos Partidos reformistas, a tática do boicote expressa no máximo uma incapacidade conjuntural. A ausência de força eleitoral leva ao boicote. No caso dos partidos revolucionários, tal tática é subordinada à conquista do Estado pela violência. Tanto a participação eleitoral quanto o boicote não implica numa critica do Estado.

No caso dos Partidos reformistas é importante dizer que eles constantemente evoluem no sentido de deixarem de ser partidos de organização de massa (que organizam os trabalhadores para lutas econômicas e políticas de massa, intensificando assim a luta de classes, como o fizeram por exemplo, durante certo período a social-democracia alemã e o partido socialista chileno) para serem partidos eleitorais de massa (que tentam apenas se organizar em termos de Estado, relegando a segundo plano as lutas e desarticulando as organizações de trabalhadores que só tem função no sistema eleitoral).

Essa é a situação dos partidos políticos no Brasil (PT, PCdoB, e também PSOL, e em certa medida PSTU). Os Partidos Eleitorais de Massa não intensificam a luta de classes. Nessa situação, os partidos reformistas não somente cumprem um papel evidentemente contra-revolucionário na situação revolucionária. Eles são fatores que impedem que a luta de classes se desenvolva ao ponto de constituir uma situação revolucionária. E num contexto como esse a tática do boicote eleitoral, tal como vislumbrada pelo anarquismo revolucionário, é a ainda mais importante. Elas implicam na oposição de diferentes políticas para a organização dos trabalhadores: ou estas são subordinadas à política burguesa ou lutam contra essa subordinação.

A tática do boicote eleitoral retoma e vincula o aspecto negativo (o boicote às eleições como recusa do Estado) com o aspecto positivo (afirmação da capacidade política operária e a teoria/práxis da revolução social, com a centralidade das greves e insurreição). Assim, ela tem um aspecto educativo/ideológico: a negação do substituísmo da ação de classe pela do partido eleitoral de massas (com suas conseqüências desorganizadoras); e aspectos político-organizativos, já que combate a desorganização induzida pelas estruturas derivadas dos "Partidos Eleitorais de Massa" que pulverizam e reduzem as lutas dos trabalhadores ao mínimo e as subordinam às eleições e estrutura do Estado.

A tática do boicote às eleições burguesas assim se vincula à luta ideológica e política concreta. Não é apenas propaganda ou denuncia (como no caso dos reformistas libertários, que não têm estratégia contra a hegemonia reformista), ou escolhas derivadas da própria conjuntura eleitoral (como os partidos oportunistas da oposição).

O boicote é assim uma arma ideológica e organizativa. Por isso a palavra de ordem Não Vote: Lute! é a única palavra de ordem revolucionária no atual momento histórico ante às eleições. E ela se liga a uma estratégia de luta e organização de massas e só assim se diferencia do reformismo e oportunismo.

Ou se vota com os de cima ou se luta com os de baixo


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