Por
Kevin
Carson
O
editor do The
Freeman,
Sheldon Richman, falando no George
Mason University,
levantou a questão sobre o que os libertários convencionais querem
dizer quando chamam um país de “capitalista”. O que ilustra um
país como “capitalista”?
Muitos
países com índices relativamente baixos de liberdade econômica
(incluindo aqueles classificados como “na maior parte não-livre”)
são convencionalmente considerados “capitalistas”, e
referenciados como tais no agitprop
neoliberal comparando-os, de forma favorável, a países
não-capitalistas como Cuba. E os âncoras na CNBC e escritores da
imprensa corporativa geralmente se referem a “nosso sistema
capitalista”, apesar de que isso nem sequer se aproxima, de forma
remota, a um livre mercado.
Assim,
no uso comum entre libertários do establishment
e daqueles que se passam por crânios-de-ferro do “livre mercado,”
qualquer país que não tenha adotado o socialismo marxista como sua
ideologia oficial é “capitalista”.
Baseado
nessas observações, Richman conclui que “capitalismo”, na
prática, “designa um sistema em que os meios de produção são,
de fato, possuídos de forma privada.”
Curiosamente,
Murray Rothbard relata uma anedota em que Ludwig von Mises elaborou
essa distinção, ou algo muito parecido com isso, explícita. Ele
perguntou para Mises: "dado que existe certa variação de possíveis
graus de estatismo, do estatismo total ao mercado totalmente livre, e
dado que nenhum país se aproxima tampouco do total, o que você
considera como a característica definidora que divide essencialmente
sociedades capitalistas de essencialmente não-capitalistas?" A
resposta de Mises: "a existência de um mercado de ações. Uma
sociedade com um mercado em favor de bens de capital é
essencialmente capitalista".
Como
já apontei no passado – um ponto onde Richman se refere o seu
discurso – é um tanto curioso que o “capitalismo” fosse
adotado como o termo convencional para uma sociedade baseada na
propriedade privada e na livre troca. Não há nenhum motivo óbvio,
na procura de um nome para uma economia em que todos os fatores de
produção sejam ostensivamente iguais e se estabeleçam em livre
contrato como iguais, do qual o capital deveria ser distinguido, em
especial, para ênfase específica. A escolha do “capitalismo”
sugere alguma agenda ideológica específica, como se o sistema
funcionasse pelo e para o capital como distinguido de outros fatores
de produção.
A
suposição não declarada incluída em chamar um país
“economicamente não-livre” e também capitalista, é esta: um
país não-livre economicamente só deixa de ser capitalista quando a
falta de liberdade econômica interfere na capacidade das pessoas
ricas de se tornarem mais ricas a partir dos rendimentos sobre a
terra e o capital. Contanto que a falta de liberdade econômica
essencialmente limita a liberdade do pobre fugir da pobreza, embora o
rico esteja apto a enriquecer a si mesmo no modelo do United
Fruit Company,
da Guatemala,
ou dos clientes do Jack
Abramoff,
nas Ilhas Marianas, ele recebe o selo
de aprovação capitalista
Good
Housekeeping.
A
resposta de Mises a Rothbard, anteriormente – além de confundir um
“mercado para bens de capital” com um mercado de investimentos
financeiros em empresas – sugere que, sem importar o quão
não-livre economicamente, um país em que a maioria das empresas
comerciais seja possuída de forma absenteísta por proprietários de
riqueza concentrada, e que a maior parte do trabalho seja contratada
por salários por esses proprietários absenteístas, passa a ser
chamado como “capitalista.” De forma presumível, um país em que
a riqueza esteja, de forma tão ampla, distribuída e o emprego
autônomo e a propriedade cooperativa sejam, assim, formas básicas
de organização, de modo que o comércio de ações seja de
importância marginal, iria ser posto no lado “socialista” da
linha de Mises – mesmo que não houvesse restrições
regulamentárias das transações de tudo quanto sobre o mercado de
câmbio e o livre movimento de preços.
Esse
é um conjunto bem notável de prioridades: o “capitalismo,” por
oposição ao “socialismo,” não é definido pelo grau de
liberdade econômica como tal. É definido por uma estrutura
institucional particular, no qual está, de modo desproporcional, à
benefício de uma classe particular de agentes do mercado.
Como
evidência de que algumas formas de falta de liberdade importa mais
do que outras, consideremos a propensão de alguns direitistas por
dizer “o autoritarismo político de Pinochet foi lamentável, mas
pelo menos ele tornou o Chile mais livre economicamente”. Não tem
importância questões “menores”, como se anular uma reforma
agrária e devolver a terra das pessoas que trabalharam nela para uma
oligarquia fundiária estivesse a um passo em direção a “liberdade
econômica.” Apenas considere a repressão autoritária de Pinochet
do movimento trabalhista: se tivessem sido os donos do capital, e não
os vendedores de força de trabalho, que tivessem sido torturados e
desaparecidos, ou encontrados em valas com seus rostos desfigurados,
eu duvido que eles teriam dito a mesma coisa. É uma estranha
diferenciação tratar a repressão dos donos de um fator de produção
como economia, mas dos donos de outro fator como apenas “política.”
Essa
hipótese subjaz à maioria dos comentários de “livre mercado”
convencionais na imprensa corporativa e nos canais de noticiário
corporativo: mesmo quando eles explicitamente se referem ao “nosso
sistema de livre mercado” em tantas palavras, sem dúvida eles
querem dizer a um sistema no qual a maioria das empresas comerciais
seja nominalmente “privada.” Não importa o quão estatista um
sistema de regulamentações, na realidade, seja, contanto que sejam
exercida primeiramente por agentes “privados”, e que a maioria do
dinheiro passe pelas mãos de tais agentes “privados” e não pelo
Tesouro dos Estados Unidos, então há de ser um sistema de “livre
mercado.” Consequentemente, o tipo de agenda de “livre mercado”
que se vê em locais como os institutos Heritage
e Adam
Smith Institute
para “privatizar” funções governamentais a fim de contratá-las
para “empresas privadas”, mesmo quando essas empresas sejam
afiançadas por um lucro às custas do pagador de impostos.
E,
a propósito, aqueles que alegam tudo isso como uma forma de jogo
sujo semântico deveriam lembrar de que Mises e Rand foram
responsáveis, a partir da década de 1920 em diante, pela
reabilitação deliberada do “capitalismo” como um termo de
apologética pró-mercado. Antes da época de Mises, “capitalismo”
era usado por economistas políticos convencionais para descrever o
sistema atual de economia política do qual eles viviam – isto é,
o capitalismo histórico.
“Capitalismo,”
em suma, é termo mais honesto para o mercado não-livre sob o qual
vivemos. É um sistema por e para os donos do capital; contanto que
mantenha que a característica principal, seja “capitalista”, não
importa o quão não-livre seja o mercado.
Traduzido
por Rodrigo Viana
Kevin Carson é um anarquista individualista e teórico mutualista contemporâneo cujos trabalhos incluem "Studies in Mutualist Political Economy", "Organization Theory: A Libertarian Perspective" e "The Homebrew Industrial Revolution: A Low-Overhead Manifesto", todos disponíveis online. Ele é associado sênior do instituto Center for a Stateless Society (c4ss.org).
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