Por Anna Morgenstern
Muitos anarquistas de
vários tipos tem feito a alegação de que os anarco-capitalistas
não são realmente anarquistas porque o anarquismo ocasiona o
anti-capitalismo. Acontece que eu penso que isso é o contrário. Se
eles desejam genuinamente eliminar o estado, eles são anarquistas,
mas eles não são realmente capitalistas, não importa o quanto eles
desejam afirmar que são.
As pessoas que se
autodenominam de "anarco-capitalistas" normalmente querem
definir "capitalismo" como a mesma coisa que um livre
mercado, e "socialismo" como intervenção estatal contra
tal. Mas então o que é um livre mercado? Se você quiser dizer como
simplesmente todas as transações voluntárias que ocorrem sem a
interferência estatal, então isso é uma definição circular e
redundante. Neste caso, todos os anarquistas são
"anarco-capitalistas", até mesmo o mais inflexível
anarco-sindicalista.
Definir o
anarco-capitalismo como um sistema de propriedade privada é
igualmente problemático, porque onde você traçaria a linha entre
privado e público? Sob um estado, propriedade estatal é considerado
"público", mas como um anarquista, você sabe que isso é
uma farsa. É uma propriedade privada pertencente a um grupo que se
chama estado. Se algo está pertencido a 10 pessoas ou 10 milhões
não o torna mais ou menos "privado".
Indo um pouco mais
fundo, pode haver questões sobre como os direitos de propriedade são
definidos e a natureza da posse entre diferentes tipos de
anarquistas. Obviamente, os anarco-capitalistas não querem o governo
para decidir quem irá possuir qual propriedade. Então até o mais
dos extremistas do proprietarismo, são ainda efetivamente
anarquistas; eles apenas tem uma ideia diferente de como uma
sociedade anarquista irá se organizar.
Mas o foco nos
objetivos, e penso, é muito mais enfatizado em comunidades
anarquistas, às custas de enxergar os meios. Os objetivos, às
vezes, levam as pessoas em direção a certos meios, mas são os
meios que determinam os resultados, não os objetivos. E se os
anarco-capitalistas seguirem meios anarquistas, os resultados serão
a anarquia, não algum impossível "anarco-capitalismo".
Anarquia não significa
utopia social, significa uma sociedade onde não exista autoridade
privilegiada. Ainda haverá males sociais para serem tratados sob a
anarquia. Mas a anarquia é um importante passo em direção a lutar
contra esses males, sem dar à luz para todos os novos males.
Minha opinião sobre a
impossibilidade do anarco-capitalismo, simplesmente, é o seguinte:
- Sob o anarquismo, acumulação de massa e concentração de capital é impossível.
- Sem concentração de capital, a escravidão assalariada é impossível.
- Sem a escravidão assalariada, não haverá muitas pessoas que identificariam como "capitalismo".
A primeira parte disso,
de que a acumulação de massa e a concentração de capital é
impossível sob o anarquismo, tem vários aspectos.
Um grande problema é
que o custo de proteger a propriedade aumenta dramaticamente conforme
a quantidade de propriedade possuída aumenta, sem um estado. Isso é
algo que raramente é examinado por ultraliberais, mas é crucial.
Um motivo pra isso é
que a posse de propriedade em larga escala nunca é toda aglomerada
geograficamente. Um bilionário não tem toda a sua propriedade em
uma pequena área geográfica. Na verdade, este tipo de propriedade
absenteísta é necessário para se tornar um bilionário, em
primeiro lugar. Muitos super ricos possuem ações em grandes
corporações que tem muitas fábricas, lojas de varejo, escritórios
e similares em todo lugar. Deixando de lado se mesmo empresas de
capital anônima são possíveis na anarquia, por enquanto, essa
dispersão geográfica significa que o custo de proteger toda essa
propriedade seria enorme. Não apenas pelo grande número de guardas
necessários, mas porque alguém deve pagar esses guardas o
suficiente do qual eles não apenas decidam tomar a loja local. Você
poderia contratar guardas para vigiar os guardas, mas isso se torna
um problema por si só...
Mas a propriedade
precisa ser protegida não apenas dos invasores internos, mas da
invasão estrangeira também. Vamos imaginar que uma sociedade
anarco-capitalista consiga formar, o Ancapistão, se assim desejar.
Próximo ao Ancapistão está uma nação capitalista estatista.
Vamos chamá-la de Aynrandia. Bem, os aynrandianos decidem "hmm,
o Ancapistão precisa de um estado para proteger os seus cidadãos.
Nós deveríamos tomá-los e dá-los um, para o seu próprio bem,
claro". Neste ponto os bilionários no Ancapistão devem então
se render, acolher os aynrandianos e Ancapistão nunca mais ou eles
devem levantar um exército privado para repelir os aynrandianos. Não
somente a segunda opção seria ridiculamente cara, por razões que
eu descrevi antes, mas uma grande quantidade de propriedade será destruída se os aynrandianos decidir empenhar em uma guerra total
moderna. Ahh, mas e todas as pessoas da classe média do Ancapistão,
eles não formariam uma milícia para se defender? Bem, sim, mas eles
não irão formar uma milícia para defender um monte de propriedade
de bilionários.
Os anarco-capitalistas
geralmente tem um ideia florida absurda do relacionamento entre
patrão e trabalhador do qual não se baseia na realidade. Quase
ninguém acorda e vai para o trabalho pensando "graças à Deus
pelo meu maravilhoso chefe, que foi amável o bastante para empregar
um derrotado como eu". Quando a invasão externa chega, a classe
média irá defender a si mesma e sua própria propriedade. Mas eles
não vão arriscar suas vidas pelo Wal-mart sem ter uma parte disso.
Então, devido ao
aumento do custo de proteção da propriedade, chega um nível
liminar, onde acumular mais capital se torna economicamente
ineficiente, simplesmente em termos de guardar a propriedade. A
polícia e a proteção militar é o maior subsídio que o estado dá
ao rico. Em certo sentido, os objetivistas estão corretos de que o
capitalismo requer um governo para proteger a propriedade privada.
Além do mais, sem um
sistema financeiro e bancário protegido pelo estado, acumular lucros
sem fim é quase impossível. O estado policial/ militar ajuda a
manter os ricos rico, mas é o sistema financeiro que os ajudou a
ficar ricos, em primeiro lugar, às custas de todo mundo.
Primeiro, bancos
privilegiados pelo estado criam uma oferta limitada de fontes do qual
se pode receber serviços bancários. Essa cartelização
permite-lhes fugir com uma quantidade relativamente alta de reserva fracionária bancária, em que mais é emprestado do que, na
realidade, exista. Por aumentar a oferta monetária em uso de uma
maneira unilateral, isso cria uma situação onde pessoas que tomam
empréstimos estejam efetivamente roubando de todos os outros. As
empresas que financiam a expansão forçam seus concorrentes a fazer
isso ou então vão a falência, por meio de licitação o preço dos
recursos. Ao aumentar o custo de entrada, isso limita e reduz a
quantidade de concorrentes em cada indústria, reduzindo os salários.
E o regime de moeda fiduciária e banco central, por inflacionar constantemente a oferta
monetária, destrói a capacidade das pessoas para poupar, portanto
os forçando a pedir empréstimos a fim de iniciar ou expandir um
negócio, comprar uma casa ou um carro. Literalmente e diretamente
concentra a oferta de capital nas mãos de um grupo cada vez menor de
pessoas, destruindo poupanças e alimentação do poder aquisitivo
para aqueles com taxas de crédito mais altas. Isso reduz os salários
e torna as pessoas dependentes daqueles que ainda tem grande
quantidade de capital para os contratá-los.
Sob a anarquia,
qualquer um poderia emprestar dinheiro para qualquer um, não haveria
algo especial conhecido como um "banco" por si só (ou para
colocar de um modo diferente, qualquer um poderia levantar um cômodo
e dizer "banco"). Sem concorrência legal e capacidade para
criar quantidades volumosas de dinheiro do nada (a ameaça de
"corrida ao bancos" e/ ou
desvalorização de cédulas limitaria isso, de forma efetiva, para
um nível muito pequeno, o suficiente para pagar minimamente por si
mesmo, no máximo) , a oferta monetária não estaria mais nas mãos
de um cartel. O empréstimo se tornaria raro e a poupança seria
muito difundida, distribuindo o capital de forma mais ampla, ao invés
de forma muito mais estreita, portanto, diluindo o preço do capital.
Sob um sistema assim, qualquer mudança na demanda seria atingida por
uma vasta gama de concorrentes, conduzindo os lucros de volta à
média.
Obviamente, sob o
anarquismo, algo como "propriedade intelectual" não
existiria, então qualquer modelo de negócio que dependa de patentes
e direitos autorais para ganhar dinheiro também não existiria. Isso
contribuiria para a diluição que eu mencionei anteriormente.
À medida que o preço
do capital é diluído, a quota de produção que vai para os
trabalhadores aumenta. O que eventualmente veríamos seria,
eventualmente, uma escassez laboral global permanente. As empresas
concorreriam por trabalhadores, ao invés do contrário.
O que é provável, a
julgar pela história, é que algo como um sindicalismo privado
surgiria, onde os donos de propriedade de valor de
produção alugariam para organizações de trabalhadores,
simplesmente porque seria mais fácil para eles do que tentar
contratar pessoas em uma base semi-permanente.
A mineração foi
organizada desse modo por um bom tempo, por exemplo, até o advento
de empresas de mineração anônimas financiadas por bancos, que
comprou a maior parte dos prospectores/ donos no século dezenove.
Então vemos que, mesmo
assumindo um regime de propriedade anarco-capitalista, qualquer coisa
reconhecível como "capitalismo" para qualquer outra pessoa
não poderia existir. Na verdade a sociedade se pareceria muito com o
que os "anarco-socialistas" pensam de um "socialismo".
Não exatamente assim, mas muito próximo do que qualquer um deles
imaginaram como capitalismo.
No entanto, sob o
anarquismo, até mesmo tal regime de propriedade estrita não seria
garantida. Não existe modo para impô-la em uma comunidade que
deseja operar de uma forma diferente. Eu prevejo que haverá lotes de
diferentes comunidades e sistemas que irão concorrer para as pessoas
viverem neles e, seja o que for que pareça funcionar, a melhor vai
tender a se espalhar. Não há nada que os anarco-capitalistas
poderiam impedir as pessoas de fazer acordos para tratar a
propriedade de uma maneira mais fluida ou comunal do que eles
preferirem. Nem há nada no anarco-socialismo que poderia impedir uma
comunidade de organizar uma propriedade de uma maneira mais rígida
ou individualista do que eles preferirem.
Assim como o
anarco-capitalismo é impossível, o anarco-socialismo também é
impossível, dependendo de como você defina as coisas. Na
realidade, todos nós que se opõem ao estado, como aquela grande
ficção do qual algumas pessoas tem um direito especial para fazer
coisas de que mais ninguém não tenha, são anarquistas e o que
acontecerá sob a anarquia? TUDO.
Traduzido por Rodrigo Viana
Artigo original aqui.
Traduzido por Rodrigo Viana
Artigo original aqui.
Anna O. Morgenstern é anarquista e escreve em seu blog "Tranarchism". Seus interesses incluem história econômica, psicologia social e teoria de organização voluntária.
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