Por George Donnelly
'Capitalismo' é uma
palavra engraçada. Significa tantas coisas diferentes para tantas
pessoas diferentes que se torna inteiramente inútil como um
fundamento de qualquer tipo de comunicação racional ou construtiva.
Para alguns, é uma vasilha para idealizar e despejar todos os seus
sonhos dentro. Para outros, é uma lata de lixo que pode encher com
suas reclamações e as mais cínicas expectativas para o futuro. Mas
o que é capitalismo, em sua raiz?
Alguns irão mencionar
trabalho assalariado, outros exploração e outros também irão
falar de livre comércio. Porém eu acredito que a característica
definidora é a habilidade de acumular muitos, muitos e muitos objetos (capital). E então, a mais importante, ter uma terceira facção que
proteja sua habilidade para controlar esse algo mesmo que você
não esteja usando-a. Essa terceira facção, claro, é o estado (o
governo).
(Tem que ser um governo?
Não. Contudo, eu não acho que uma organização não-agressiva irá
avançar na mesma extensão assim como o estado para proteger a propriedade.)
Sem essa habilidade
para acumular e ter seu título de propriedade ao referido objeto protegido por
pouco à nenhum custo para si mesmo, assuntos como trabalho
assalariado, exploração e comércio controlado não poderiam ocorrer. Isso tudo depende dos desiquilíbrios de poder que se
originam do estado em proteger o controle dos capitalistas das
propriedades deles.
Eu não acho que o
capitalismo sobreviveria sem o estado. Numa sociedade sem estado, as
pessoas estariam mais livres para se levantarem contra pessoas que
tentam controlar mais propriedade do que eles realmente utilizam.
Agindo em acordo, grandes números de pessoas poderiam, no pior caso,
adquirir armas, formar uma força de defesa e lutar contra os
capitalistas em um nível de mais igualdade. Posseiros, cooperativas
de posse de trabalhadores e agentes diretos similares assumiriam o
controle em maior quantidade das propriedades dos capitalistas. No decurso, os
poderes dos capitalistas seriam corroídos.
Para aqueles que dizem
que capitalismo é livre comércio, nada mais e nada menos, isso não
é a característica definidora. Livre comércio pode ocorrer sob
muitos sistemas ideológicos diferentes. O livre comércio está
florescendo agora mesmo na China, no meio de um ostensivo sistema
socialista. O livre comércio pode ocorrer em uma sociedade
anarquista. Eu não duvido que o livre comércio ocorreu até na
União Soviética, onde alguns podem ter permutado vodka por pão (ou
o oposto), por exemplo.
Nem exploração é uma
característica definidora de capitalismo, uma vez que pode ocorrer
em qualquer lugar onde haja um desequilíbrio de poder, incluindo sob
regimes socialistas, comunistas, democráticos ou, evidente, totalitários e antigos. Em outras palavras, exploração não é
único ao capitalismo.
Então esse é o meu
problema com o capitalismo: de que algumas pessoas privilegiadas
chegam a acumular toneladas de objetos às custas de outros por usar
o governo para protegê-los da ação de mercado. Por ação de
mercado eu quero dizer se apropriar de propriedade que os próprios
capitalistas não estão utilizando.
Assim, não estou de
boa com o capitalismo (não mais). No que estou? Eu simpatizo com a ideia
de que as posses das pessoas devam ser respeitadas. Estes são
objetos que um indivíduo utiliza em um princípio básico habitual
para viver sua vida. Eu incluiria todas as ferramentas e bugigangas
que uma pessoa utiliza em sua casa e nos seus negócios, incluindo uma
quantidade razoável de terra para viver, para utilizar para
recreação e produzir comida; e tudo que se passa com o seu negócio.
Se uma pessoa prospera
legitimamente, eu não tenho princípio para contestar qualquer acumulação
de riqueza. Mas eu discordo com o controle absentista de objetos,
especialmente de recursos naturais. Existe um argumento de que a toda a terra é
o patrimônio comum de todas as pessoas. E eu acho isso convincente.
Assim, pois uma pessoa negar às outras a utilização sensata deste
patrimônio comum não é legítimo.
Por exemplo, se alguém
cerca 1000 acres de terra, mas utiliza consistentemente somente 2, eu
não considero isso legítimo. Simplesmente ser o primeiro a cercar
não é um fundamento sólido para negar esse patrimônio comum aos
outros. Se alguém precisasse de terra e tivesse uma intenção
sólida em utilizá-la e manter sua vida, eu apoiaria essa pessoa
em qualquer tentativa de se apropriar de uma parcela razoável dos
1000 acres.
Um capitalista poderia
argumentar que o primeiro cercador misturou seu trabalho com a terra
ou que registrou o título de propriedade e então agora isso era “parte dele” (que soa um pouco místico demais para o meu gosto). Porém
o primeiro cercador apenas misturou seu trabalho com 2 acres que ele
está utilizando e a faixa estreita de terra que está a cerca. E
sobre os outros 998 acres? Ele não fez nada lá. Por isso, eu nem
mesmo acho que o princípio de apropriação apoia as ações do primeiro
cercador.
Mas você não pode
viver sem propriedade, dizem os capitalistas. Sim, você pode.
Você pode viver com posses, as coisas que você controla e
utiliza. Você pode viver a vida totalmente sem aqueles objetos que
você não utiliza, mas controla (propriedade). Se você não os
utiliza, isso aí mostra que você não precisa deles para viver.
Traduzido por Rodrigo Viana. Para ler o artigo original clique aqui.
George Donnelly é formado em história pela Universidade de Chicago. Atua como palestrante, ativista e escritor, tendo três livros publicados.
Um comentário:
Um dos textos sobre as ideologias econômicas e políticas mais bem apresentados que eu já li, Claro, conciso, objetivo, fluente, traduz perfeitamente o nível de conhecimento do autor, meus parabéns, mesmo tendo sido apresentado em 2014, pode ser comentado e divulgado largamente agora em 2016, é para calar a boca de muita gente que sequer sabe uma ínfima parte do que foi exposto!
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