quarta-feira, 7 de maio de 2014

Anarquistas unidos jamais serão vencidos



Por Uriel Alexis

A anarquia é realmente uma idéia incrível.

Estive pensando ultimamente sobre como as diversas estratégias anarquistas, essa grande variação do tema “faça valer sua liberdade agora” que encompassa desde a ação direta anarco-sindicalista até o agorismo de Sam Konkin, passando pela propaganda pelo ato e pelo Do It Yourself punk, poderiam se combinar de maneira a tornar a atual sociedade de classes cada vez menos interessante e mais impraticável, eliminando privilégios políticos, econômicos e sociais no processo e fomentando a ajuda mútua entre seres humanos.

Pode parecer um tanto complicado conciliar os objetivos específicos de anarco-sindicalistas, anarco-coletivistas, anarco-comunistas e anarco-individualistas (estes últimos um tanto mais), entre outrxs anarquistas, de maneira que todos os grupos atinjam esses objetivos e ao mesmo tempo colaborem entre si. No entanto, creio eu que devido aos objetivos em comum serem muito mais amplos e numerosos, acho que a solução é bastante simples, pois as instituições que cada escola anarquista desenvolveu são complementares. Vou procurar delinear aqui como os anarquistas podem formar uma coalizão coerente para derrubar o sistema estatista-capitalista atual.

Vou iniciar com as instituições propostas pelo anarquismo individualista na tradição mutualista, visto que são as com que eu tenho maior intimidade. A idéia central do mutualismo é estabelecer o controle do processo produtivo pelos trabalhadores através da dispersão do capital na sociedade. Proudhon defendia que cada indivíduo possuísse um meio de produção, individual ou coletivamente com outros por via de contrato, e Kevin Carson delineou em “Homebrew Industrial Revolution algumas das maneiras como as tecnologias atuais de produção doméstica e materiais de hobby podem ajudar a realizar esse ideal.

Não é difícil imaginar como o atual capitalismo monopolista, cada vez mais burocrático, hierarquizado e centralizado, contando com a intervenção estatal para manter os concorrentes fora do mercado, cria sérios incentivos para que as pessoas busquem cada vez mais maneiras para sair da rotina acachapante da escravidão assalariada. Uma breve investigada no estilo de vida dx habitante médix de uma metrópole qualquer vai demonstrar esses incentivos.

Assim, pode-se imaginar que cada vez mais pessoas vão buscar adquirir algum meio de produção pessoal, no começo presumivelmente anarco-individualistas comprometidxs com a causa, mas depois outrxs sem qualquer filiação ideológica buscando apenas mais independência. Tecnologias como o computador pessoal, impressoras 3D e ferramentas CNC, cada vez mais acessíveis, podem ajudar bastante, mas uma boa e velha horta em qualquer pedaço de terra que se consiga é o suficiente para começar.

Estxs trabalhadrxs independentes vão inicialmente produzir para o mercado em geral, de certo. Mas o mercado em geral está submetido à taxação governamental, uma espoliação de seu trabalho tanto quanto o lucro monopolista, e é do interesse destxs revolucionárixs subverter este estado de coisas. Uma engenhosa contribuição cripto-anarquista recente, as moedas virtuais, pode vir em seu auxílio nesse sentido. Estxs produtorxs independentes podem formar redes de ajuda e comércio mutual trocando seus produtos através de BitCoins (ou qualquer outra moeda, quem saber uma Labor BitNote?), que são desregulamentadas e irregulamentáveis. Contanto que todas as transações sejam feitas dentro da rede e com moedas virtuais, é impossível rastreá-las, regulá-las ou sequer cobrar impostos sobre elas.

Uma tal rede de produtores independentes estabelece ainda um novo incentivo: trazer mais produtorxs para a rede. Quanto mais produtos e serviços puderem ser oferecidos dentro da rede, menos dependente da economia formal xs produtorxs estão. Como fazer isso? Novamente as idéias mutualistas vêm em nosso auxílio: o estabelecimento de um banco mutual, como proposto por Proudhon e William Greene, que empreste capital a juros quase nulos (ou pelo menos infinitamente menores dos que o do atual cartel de bancos o faz) através de moedas virtuais. Um tal banco seria capaz de financiar a aquisição de meios de produção por uma parcela ainda maior de pessoas descontentes com o sistema econômico atual.

Com o aumento da rede de produtorxs, e com as relações de confiança mútua fomentadas pelo banco mutual, processos produtivos cada vez mais complexos podem ser organizados através de cooperativas e projeto p2p, entre outros tipos de colaboração, tornando essa rede cada vez mais independente da economia formal. Conforme essa rede ficar mais forte e resiliente, mais ações poderiam ser tomadas dentro dela, como escolas, auxílios a pessoas em dificuldades, tratamento médico e transporte coletivo.

Okay, até esse ponto eu descrevi um maneira de começar uma economia paralela dentro da economia atual, como defendido pelos mutualistas e agoristas. Vamos agora colocar um pouco de tempero de outras escolas anarquistas nesse feijão.

Anarco-sindicalistas defendem o estabelecimento de uma auto-gestão democrática dxs trabalhadorxs no ambiente de trabalho, a ser atingida através da ação direta e da solidariedade entre a classe trabalhadora. Podemos ver claramente como a rede de produtorxs independentes descrita acima teria um enorme espaço para o estabelecimento de sindicatos e federações descentralizada através de cooperativas. Mas vamos examinar a possibilidade de, através de sindicatos na indústria formal, trazer as atuais corporações ao controle trabalhista da produção.

Seguindo as táticas de ação direta dos Wobblies no seu panfleto clássico “How to Fire Your Boss?, os trabalhadorxs nas mais diversas indústrias podem, através de organizações diretas e descentralizadas, ganhar um enorme poder de barganha frente à administração dessas indústrias. Quanto maior tal poder de barganha, mais próximo do ideal de auto-gestão democrática elxs estão. As constantes rupturas na produtividade dessas indústrias ferirão sistematicamente o lucro do capitalista, e se forem suficientemente imprevisíveis e orquestradas, terão pouco efeito sobre os trabalhadores, mesmo se levando em consideração a provável intervenção estatal em favor do capitalista por meio da polícia.

Uma ação concomitante que pode ocorrer, dada essa ruptura na produção e a consequente diminuição do valor de mercado da empresa, é a gradual tomada, por parte dos trabalhadores individualmente ou como um coletivo, das ações em bolsas de valores das empresas envolvidas. Tal compra de ações conferiria cada vez mais controle sobre o ambiente de produção, e poderia ser financiada através dos bancos mutuais descritos acima.

Uma vez que um certo ambiente de trabalho tenha sido totalmente colocado sobre a auto-gestão direta dos trabalhadorxs, os produtos dele podem ser trocados dentro da rede de produtorxs independentes em bases mutuais. Isto adicionaria grandemente à estabilidade e ao bem-estar de todos dentro da rede, uma vez que uma grande quantidade de pessoas está agora conectada. Vemos agora que tanto mutualistas quanto anarco-sindicalistas podem conseguir muito de seus objetivos específicos, e ao mesmo tempo avançar seus objetivos comuns, trabalhando juntxs contra o capitalismo. Vamos tentar expandir isso para incluir mais algumas escolas anarquistas.

A questão agora passa pela reorganização de espaços geográficos. Dessa maneira, provavelmente as ações destxs anarquistas teriam que começar em locais ocupados no campo ou na cidade a fim de estabelecer commons, ou então da reunião voluntária de diversos trabalhadorxs que produzissem ou residissem nessas áreas.

O anarco-coletivismo, fortemente conectado com as idéias de Mikhail Bakunin, defende uma forma de organização social muito parecida com uma sociedade organizada em volta dos sindicatos descritos acima. Uma vez que esses sindicatos adotassem um política de pagamento de salários (mais propriamente falando, uma divisão da produção) baseada na quantidade de trabalho executado por cada um de seus membros, possivelmente através das Labour BitNotes aceitas em toda a rede de produtorxs independentes, seria um pulo para se organizar comunas anarco-coletivistas. Imagino que tais comunas seriam sociedade descentralizadas, localizadas nos entornos das indústrias sindicalizadas, com as devidas organizações sociais sendo todas de cunho coletivo. Diversas destas comunas, também conectadas à rede de produtorxs independentes, poderiam se coordenar entre si e com estes produtores para fornecer a seus membros produtos e serviços que não estivessem disponíveis localmente.

Uma outra possível organização destas comunas seria em torno dos princípios do anarco-comunismo, cujo principal teórico, Piotr Kropotkin, defendia o fim dos salários e uma divisão dos produtos do trabalho de acordo com as necessidades individuais em vez da quantidade de trabalho (uma ótima descrição de uma tal sociedade é o livro “The Dispossed de Ursula LeGuin). Para isso, bastaria que os sindicatos abolissem os pagamentos e a utilização de qualquer moeda, e que fossem criados sistemas de distribuição comunais.

No sentido econômico, as comunidades anarco-comunistas estariam fora da rede de produtorxs independentes, visto que não haveriam trocas sequer em moedas virtuais. Mas certamente elas estariam conectadas por meio de laços de confiança e auxílio mútuo. Por exemplo, a rede poderia fornecer produtos e serviços gratuitamente através daqueles membros que assim o desejassem.

Outros modelos de integração das diversas comunidades e instituições anarquistas até aqui descritas podem ser pensados para harmonizar com os interesses específicos de anarquistas verdes, anarco-naturistas e quem sabe até anarco-primitivistas!

Em conclusão, eu gostaria de incluir um último pensamento, de um liberal clássico com seríssimas tendências anarquistas, Gustave de Molinari. Conforme essa intricada rede de produtorxs e comunidades independentes fosse simultaneamente sendo desenvolvida através das ações diretas dxs anarquistas, cada vez mais ela estaria na mira do estado capitalista e de suas forças armadas. O século XX nos mostrou do que essas instituições são capazes ao promover o horror e a violência. Não é difícil de imaginar que essa rede revolucionária precisaria de proteção.

Molinari propôs, ainda no século XIX, que os serviços de proteção e de resolução de conflitos fossem fornecidos por (!) produtorxs independetes, e não por uma instituição monopolista como o estado. Certamente nossa rede de produtorxs independentes poderia conter pessoas interessadas em prestar esses serviços. Também, diversos tipos de organizações descentralizadas e comunitárias de proteção e resolução de conflitos poderiam surgir nas comunas anarco-coletivistas e anarco-comunistas, a fim de protegê-las dos perigos mortais do estado, e poderiam  colaborar com os produtorxs independentes da rede.

Enfim, meu ponto central aqui foi que unidos, em uma coalizão coerente, xs anarquistas de cada escola podem, através de ações concretas derivadas de suas próprias tradições, avançar tanto suas causas comuns de derrubada do capitalismo e do estatismo, quanto suas causa específicas, no mais genuíno espírito de ajuda mútua!

Já estou preparando meu projeto de comunidade auto-sustentável, e minerando algumas bitcoins, espero colaborar com todxs vocês!

NO MASTERS, NO GODS!



Uriel Alexis mantém o blog LiberAção Humana.

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