Por
Uriel Alexis
A
anarquia é realmente uma idéia incrível.
Estive
pensando ultimamente sobre como as diversas estratégias anarquistas,
essa grande variação do tema “faça valer sua liberdade agora”
que encompassa desde a ação direta anarco-sindicalista até o
agorismo de Sam Konkin, passando pela propaganda pelo ato e pelo Do
It Yourself punk, poderiam se combinar de maneira a tornar a
atual sociedade de classes cada vez menos interessante e mais
impraticável, eliminando privilégios políticos, econômicos e
sociais no processo e fomentando a ajuda mútua entre seres humanos.
Pode
parecer um tanto complicado conciliar os objetivos específicos de
anarco-sindicalistas, anarco-coletivistas, anarco-comunistas e
anarco-individualistas (estes últimos um tanto mais), entre outrxs
anarquistas, de maneira que todos os grupos atinjam esses objetivos e
ao mesmo tempo colaborem entre si. No entanto, creio eu que devido
aos objetivos em comum serem muito mais amplos e numerosos, acho que
a solução é bastante simples, pois as instituições que cada
escola anarquista desenvolveu são complementares. Vou procurar
delinear aqui como os anarquistas podem formar uma coalizão coerente
para derrubar o sistema estatista-capitalista atual.
Vou
iniciar com as instituições propostas pelo anarquismo
individualista na tradição mutualista, visto que são as com que eu
tenho maior intimidade. A idéia central do mutualismo é estabelecer
o controle do processo produtivo pelos trabalhadores através da
dispersão do capital na sociedade. Proudhon defendia que cada
indivíduo possuísse um meio de produção, individual ou
coletivamente com outros por via de contrato, e Kevin Carson delineou
em “Homebrew
Industrial Revolution” algumas
das maneiras como as tecnologias atuais de produção doméstica e
materiais de hobby podem ajudar a realizar esse ideal.
Não
é difícil imaginar como o atual capitalismo monopolista, cada vez
mais burocrático, hierarquizado e centralizado, contando com a
intervenção estatal para manter os concorrentes fora do mercado,
cria sérios incentivos para que as pessoas busquem cada vez mais
maneiras para sair da rotina acachapante da escravidão assalariada.
Uma breve investigada no estilo de vida dx habitante médix de uma
metrópole qualquer vai demonstrar esses incentivos.
Assim,
pode-se imaginar que cada vez mais pessoas vão buscar adquirir algum
meio de produção pessoal, no começo presumivelmente
anarco-individualistas comprometidxs com a causa, mas depois outrxs
sem qualquer filiação ideológica buscando apenas mais
independência. Tecnologias como o computador pessoal, impressoras 3D
e ferramentas CNC, cada vez mais acessíveis, podem ajudar bastante,
mas uma boa e velha horta em qualquer pedaço de terra que se consiga
é o suficiente para começar.
Estxs
trabalhadrxs independentes vão inicialmente produzir para o mercado
em geral, de certo. Mas o mercado em geral está submetido à taxação
governamental, uma espoliação de seu trabalho tanto quanto o lucro
monopolista, e é do interesse destxs revolucionárixs subverter este
estado de coisas. Uma engenhosa contribuição cripto-anarquista
recente, as moedas virtuais, pode vir em seu auxílio nesse sentido.
Estxs produtorxs independentes podem formar redes de ajuda e comércio
mutual trocando seus produtos através de BitCoins
(ou qualquer outra moeda, quem saber uma Labor
BitNote?),
que são desregulamentadas e irregulamentáveis. Contanto que todas
as transações sejam feitas dentro da rede e com moedas virtuais, é
impossível rastreá-las, regulá-las ou sequer cobrar impostos sobre
elas.
Uma
tal rede de produtores independentes estabelece ainda um novo
incentivo: trazer mais produtorxs para a rede. Quanto mais produtos e
serviços puderem ser oferecidos dentro da rede, menos dependente da
economia formal xs produtorxs estão. Como fazer isso? Novamente as
idéias mutualistas vêm em nosso auxílio: o estabelecimento de um
banco mutual, como proposto por Proudhon e William Greene, que
empreste capital a juros quase nulos (ou pelo menos infinitamente
menores dos que o do atual cartel de bancos o faz) através de moedas
virtuais. Um tal banco seria capaz de financiar a aquisição de
meios de produção por uma parcela ainda maior de pessoas
descontentes com o sistema econômico atual.
Com
o aumento da rede de produtorxs, e com as relações de confiança
mútua fomentadas pelo banco mutual, processos produtivos cada vez
mais complexos podem ser organizados através de cooperativas e
projeto p2p, entre outros tipos de colaboração, tornando essa rede
cada vez mais independente da economia formal. Conforme essa rede
ficar mais forte e resiliente, mais ações poderiam ser tomadas
dentro dela, como escolas, auxílios a pessoas em dificuldades,
tratamento médico e transporte coletivo.
Okay,
até esse ponto eu descrevi um maneira de começar uma economia
paralela dentro da economia atual, como defendido pelos mutualistas e
agoristas. Vamos agora colocar um pouco de tempero de outras escolas
anarquistas nesse feijão.
Anarco-sindicalistas
defendem o estabelecimento de uma auto-gestão democrática dxs
trabalhadorxs no ambiente de trabalho, a ser atingida através da
ação direta e da solidariedade entre a classe trabalhadora. Podemos
ver claramente como a rede de produtorxs independentes descrita acima
teria um enorme espaço para o estabelecimento de sindicatos e
federações descentralizada através de cooperativas. Mas vamos
examinar a possibilidade de, através de sindicatos na indústria
formal, trazer as atuais corporações ao controle trabalhista da
produção.
Seguindo
as táticas de ação direta dos Wobblies
no seu panfleto clássico “How
to Fire Your Boss?”,
os trabalhadorxs nas mais diversas indústrias podem, através de
organizações diretas e descentralizadas, ganhar um enorme poder de
barganha frente à administração dessas indústrias. Quanto maior
tal poder de barganha, mais próximo do ideal de auto-gestão
democrática elxs estão. As constantes rupturas na produtividade
dessas indústrias ferirão sistematicamente o lucro do capitalista,
e se forem suficientemente imprevisíveis e orquestradas, terão
pouco efeito sobre os trabalhadores, mesmo se levando em consideração
a provável intervenção estatal em favor do capitalista por meio da
polícia.
Uma
ação concomitante que pode ocorrer, dada essa ruptura na produção
e a consequente diminuição do valor de mercado da empresa, é a
gradual tomada, por parte dos trabalhadores individualmente ou como
um coletivo, das ações em bolsas de valores das empresas
envolvidas. Tal compra de ações conferiria cada vez mais controle
sobre o ambiente de produção, e poderia ser financiada através dos
bancos mutuais descritos acima.
Uma
vez que um certo ambiente de trabalho tenha sido totalmente colocado
sobre a auto-gestão direta dos trabalhadorxs, os produtos dele podem
ser trocados dentro da rede de produtorxs independentes em bases
mutuais. Isto adicionaria grandemente à estabilidade e ao bem-estar
de todos dentro da rede, uma vez que uma grande quantidade de pessoas
está agora conectada. Vemos agora que tanto mutualistas quanto
anarco-sindicalistas podem conseguir muito de seus objetivos
específicos, e ao mesmo tempo avançar seus objetivos comuns,
trabalhando juntxs contra o capitalismo. Vamos tentar expandir isso
para incluir mais algumas escolas anarquistas.
A questão agora passa pela reorganização de espaços geográficos. Dessa maneira, provavelmente as ações destxs anarquistas teriam que começar em locais ocupados no campo ou na cidade a fim de estabelecer commons, ou então da reunião voluntária de diversos trabalhadorxs que produzissem ou residissem nessas áreas.
A questão agora passa pela reorganização de espaços geográficos. Dessa maneira, provavelmente as ações destxs anarquistas teriam que começar em locais ocupados no campo ou na cidade a fim de estabelecer commons, ou então da reunião voluntária de diversos trabalhadorxs que produzissem ou residissem nessas áreas.
O
anarco-coletivismo, fortemente conectado com as idéias de Mikhail
Bakunin, defende uma forma de organização social muito parecida com
uma sociedade organizada em volta dos sindicatos descritos acima. Uma
vez que esses sindicatos adotassem um política de pagamento de
salários (mais propriamente falando, uma divisão da produção)
baseada na quantidade de trabalho executado por cada um de seus
membros, possivelmente através das Labour BitNotes aceitas em
toda a rede de produtorxs independentes, seria um pulo para se
organizar comunas anarco-coletivistas. Imagino que tais comunas
seriam sociedade descentralizadas, localizadas nos entornos das
indústrias sindicalizadas, com as devidas organizações sociais
sendo todas de cunho coletivo. Diversas destas comunas, também
conectadas à rede de produtorxs independentes, poderiam se coordenar
entre si e com estes produtores para fornecer a seus membros produtos
e serviços que não estivessem disponíveis localmente.
Uma
outra possível organização destas comunas seria em torno dos
princípios do anarco-comunismo, cujo principal teórico, Piotr
Kropotkin, defendia o fim dos salários e uma divisão dos produtos
do trabalho de acordo com as necessidades individuais em vez da
quantidade de trabalho (uma ótima descrição de uma tal sociedade é
o livro “The
Dispossed”
de Ursula LeGuin). Para isso, bastaria que os sindicatos abolissem os
pagamentos e a utilização de qualquer moeda, e que fossem criados
sistemas de distribuição comunais.
No
sentido econômico, as comunidades anarco-comunistas estariam fora da
rede de produtorxs independentes, visto que não haveriam trocas
sequer em moedas virtuais. Mas certamente elas estariam conectadas
por meio de laços de confiança e auxílio mútuo. Por exemplo, a
rede poderia fornecer produtos e serviços gratuitamente através
daqueles membros que assim o desejassem.
Outros
modelos de integração das diversas comunidades e instituições
anarquistas até aqui descritas podem ser pensados para harmonizar
com os interesses específicos de anarquistas verdes,
anarco-naturistas e quem sabe até anarco-primitivistas!
Em
conclusão, eu gostaria de incluir um último pensamento, de um
liberal clássico com seríssimas tendências anarquistas, Gustave de
Molinari. Conforme essa intricada rede de produtorxs e comunidades
independentes fosse simultaneamente sendo desenvolvida através das
ações diretas dxs anarquistas, cada vez mais ela estaria na mira do
estado capitalista e de suas forças armadas. O século XX nos
mostrou do que essas instituições são capazes ao promover o horror
e a violência. Não é difícil de imaginar que essa rede
revolucionária precisaria de proteção.
Molinari
propôs, ainda no século XIX, que os serviços de proteção e de
resolução de conflitos fossem fornecidos por (!) produtorxs
independetes, e não por uma instituição monopolista como o estado.
Certamente nossa rede de produtorxs independentes poderia conter
pessoas interessadas em prestar esses serviços. Também, diversos
tipos de organizações descentralizadas e comunitárias de proteção
e resolução de conflitos poderiam surgir nas comunas
anarco-coletivistas e anarco-comunistas, a fim de protegê-las dos
perigos mortais do estado, e poderiam colaborar com os
produtorxs independentes da rede.
Enfim,
meu ponto central aqui foi que unidos, em uma coalizão coerente, xs
anarquistas de cada escola podem, através de ações concretas
derivadas de suas próprias tradições, avançar tanto suas causas
comuns de derrubada do capitalismo e do estatismo, quanto suas causa
específicas, no mais genuíno espírito de ajuda mútua!
Já estou preparando meu projeto de comunidade auto-sustentável, e minerando algumas bitcoins, espero colaborar com todxs vocês!
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NO
MASTERS, NO GODS!
Uriel Alexis mantém o blog LiberAção Humana.
Veja também:
- Mutualismo e mercados
- Proudhon e Bakunin: polar opostos?
- Um mercado de sabotagens
- Por que o capitalismo corporativo é insustentável
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