terça-feira, 7 de abril de 2015

Um ensaio sobre a economia coletivista


Por Bruno Lima Rocha

Este ensaio é o início de uma tentativa para desenvolver uma abordagem libertária de esquerda em direção a um modelo econômico, especificamente em relação a um modelo que seja compatível com as formações políticas do Confederalismo Democrático, também referido como Municipalismo Libertário. Neste estágio, o objetivo é o desenvolvimento de um conjunto de ferramentas de trabalho de análise e fomentar a aprendizagem na Esquerda Libertária. Para este fim eu submeto este texto relativamente simples para fornecer noções acessíveis para aqueles que lutam para construir uma sociedade baseada no Confederalismo Democrático.

Algumas ideias já foram definidas por outros autores, eu tentarei explicar o que é consenso entre militantes e estudiosos empenhados em projetos similares. Nós devemos acumular conhecimento através de experiências reais como aquelas durante a Revolução Espanhola (especificamente, os experimentos na Catalunha e no Aragão) ou durante a Revolução Russa (colocando atenção básica na Ucrânia). Eu reconheço que o debate não pode ser finalizado tão rapidamente como o tom didático e breve deste artigo, mas essa primeira parte do ensaio não se destina encerrar a discussão a que se refere, mas a abri-la.

Um sistema de instituições econômicas, esteja ele alocado em um projeto revolucionário ou não, deve executar funções específicas. Deve organizar a produção, distribuição, consumo e reinvestimento. Uma economia que se ajusta para uma sociedade auto-gerida deve prestar atenção especial à justa remuneração (pagamento) dos trabalhadores envolvidos na produção. Todas essas funções exigem troca, o que levanta a questão sobre o que será o meio de troca. E como tal, nós temos de entrar no debate que nos persegue como uma ressaca a partir século 20 o debate sobre o papel da moeda, dos mecanismos monetários e de mercado. E, se um projeto revolucionário de implementação do Confederalismo Democrático for para permitir o uso do dinheiro, um segundo conjunto de perguntas têm de ser respondidas, delineando o quão longe a moeda possa circular e quais aspectos da economia serão sujeitas aos mecanismos de "mercado". Será que haverá um mercado de bens e serviços, limitada principalmente ao consumo individual? Ou será que permitiremos o dinheiro representar também o valor produtivo na economia e permitir os meios de produção serem comprados e vendidos? Em outras palavras, será que permitiremos que o dinheiro circule de modo que nós permitimos o investimento privado para o lucro privado (o capitalismo em sua escala mais básica)?

Assim, o ponto inicial é que o papel do dinheiro deve ser limitado para a troca de bens de consumo. Além do mais, a propriedade privada, tanto dos meios de produção quanto de ativos especulativos improdutivos, não deve ser permitida. O papel do dinheiro é para apoiar um sistema baseado em nível local de trocas e não uma ferramenta para produzir riqueza privada.

Baseando-se na obra de Abraham Guillem, eu proponho o início de um modelo onde, por intermédio do dinheiro, seria usado nas comunas locais (designada por cantões), mas que cada uma dessas comunas teria sua própria moeda e nenhum mercado com base em trocas se realizaria entre "empresas" em uma escala de Empresa para Empresa em um cantão com outro. Ao invés disso, o intercâmbio econômico entre os cantões se realizaria por meio de acordo no nível do cantão, ou através de feiras para a troca de bens (bens para bens, em oposição aos bens por moeda). Além disso, os ativos produtivos seriam controlados localmente e socialmente ao nível do cantão. Através destas relações institucionais um mercado para bens de consumo e serviços se fomentaria dentro do cantão, mas o controle social federado democrático prevaleceria ao nível da produção e no nível de intercâmbio entre os cantões. Além disso, conforme os cantões específicos decidissem, eles poderiam intervir na regulamentação da "precificação" dentro do seu cantão ao "nível de mercado". Eu reconheço que conceitos-chave devem ser traduzidos para novas palavras, mas para evitar representar um falso consenso à essas "novas palavras", ainda utilizaremos os termos já reconhecidos hegemonicamente na economia. O que estamos tentando aqui é moldar um novo coletivismo para uma nova época e um novo cenário.

Iniciamos com a análise de algumas premissas que podem fornecer direção e parâmetros para a discussão. Como implicado anteriormente, deste modelo está baseado explicitamente e na tentativa de elaborar as confluências de duas teorias coincidentes: o anarquismo social (não o anarquismo individual como uma forma filosófica do pensamento) e o Confederalismo Democrático como a nova (ou renovada) teoria principal para produzir uma sociedade diferente. Neste texto eu analiso os pontos a partir do fundamento e de baixo para cima, colocando atenção para as instituições locais.
Na primeira premissa, nós afirmamos que o Confederalismo Democrático está baseado nas pessoas operando em escalas locais e humanas. Por exemplo, vamos supor que a escala mínima da sociedade, em que possamos encontrar uma forma de distribuição, é uma comuna de 10 famílias. Então temos de imaginar a produção neste nível, assim como a distribuição neste nível. Esta comuna básica irá produzir, tanto partilhar os despojos desta produção por meio de planejamento direto ou irá pagar trabalhadores envolvidos nessa produção com um sistema de moeda ou crédito de consumo local.
A produção neste nível de comuna, que não é consumida em nível de comuna, pode ser negociada em feiras de trocas organizadas pelas federações para mediar o trabalho entre as comunas. Feiras similares para troca ocorreram em Ferias de Trueque, que ocorreram na Argentina e no Uruguai durante os piores anos da crise neoliberal.

Neste sentido eu suponho que há um papel para o indivíduo, a individualidade e o trabalho criativo. Podemos combater o "mercado negro" por institucionalizar feiras livres, mas nunca permitir que os bens essenciais sejam distribuídos exclusivamente nas feiras locais, senão através de escalas de cantões de distribuição institucionalizada.
Na segunda premissa, essa mesma entidade local deve assegurar, através de um sistema de auto-gestão, organizado por essas pessoas, de que todas as instituições essenciais são sustentadas pelo trabalho coletivo. Assim, a moeda dinheiro do cantão local existe apenas como um mercado de bens de consumo e serviços, e não como capital de investimento privado ou propriedade privada dos meios de produção.
Na terceira premissa, como podemos verificar, essa teoria permite indivíduos e pequenos grupos produzirem bens para serem trocados por outros bens em uma escala pequena. E essa teoria também assegura que as instituições essenciais não são estimadas em um cálculo monetário, mas sendo sustentadas pelo coletivo. O conceito de instituições essenciais é algo decidido e classificado pelo poder popular, a assembleia do povo, numa forma participativa de tomada de decisões.
Na quarta premissa, nós asseguramos que o "dinheiro" é a unidade responsável pela troca de bens (não todos os bens, mas alguns deles) dentro de um cantão, e não mais amplo do que isso. Por isso, o "dinheiro do cantão local" não é móvel, como o capital financeiro ou dólares, euros ou libras impressas. Não seria usado para transações bancárias. Por exemplo: se um cidadão vai de um cantão para outro, ele receberia uma quantia de outro dinheiro do cantão local para seu uso privado, estando assegurado que as necessidades essenciais são fornecidas pelo trabalho coletivo e pelas instituições sociais.

Na quinta premissa, o dinheiro do cantão local deve ter uma equivalência ao outro "dinheiro do cantão local", mas não pode circular fora da unidade federal onde seu valor foi produzido e contabilizado.

Na sexta premissa nós assumimos que o tempo dedicado às instituições sociais deve ser "pago" remunerado. Contudo, não devemos permitir que amplas disparidades de remuneração entre os tipos de trabalho, de modo que um mercado de pleno direito de trabalho não reapareça. Não é uma boa racionalidade, em termos socialistas, pensar sobre uma diferença de salário, mas se nós considerarmos o papel da liberdade individual, poderia existir alguns (ou uma quantidade razoável de) indivíduos que não considerariam sua plena adesão à coletivização.
Na sétima premissa nós assumimos que o tempo e dedicação são duas das ferramentas de teoria básica para críticas feministas da economia política e, claro, das noções básicas da economia feminista, considerando essencial a questão do "trabalho invisível", e não compensado pela força de trabalho no capitalismo e no patriarcado. Por exemplo, donas-de-casa, empregadas domésticas e esposas. Essa na maioria – força de trabalho feminina produz riqueza, mas fica "invisível" no capitalismo. Um dos problemas é que elas não são pagas, nem mesmo um pequeno reconhecimento no injusto sistema assalariado. Então, como o projeto deve ir para o lado oposto do capitalismo, esse trabalho "invisível" deve ser substituído pelo trabalho coletivo e se tornar visível e, assim, compensado. Isso pode exigir recursos comuns entre os cantões para garantir um nível mínimo de remuneração do trabalho doméstico.

Na oitava premissa, a última neste curto ensaio, assumimos que o tempo e dedicação devem ser compensados pela "moeda do cantão local". O salário deve ser definido pelas instituições com base no poder popular, coordenado entre todos os cantões e não poderia reproduzir uma forma injusta de compensação da força de trabalho como um espelho para a sociedade piramidal. Tão longo quanto o projeto pertença a uma sociedade horizontal, a compensação deve reproduzir o modelo de sociedade, não permitindo líderes viverem em condições materiais melhores do que os cidadãos. Para fazer isso, os líderes devem ser renovados e não se tornarem uma nova classe dominante.

Nós iremos continuar o ensaio em outras ocasiões, a crescente complexidade dos modelos, tentando finalizá-lo em uma proposta que permitiria os territórios libertados intercambiar bens estratégicos mesmo com estados constituídos, mas nunca permitindo que esses estados e capitais privados ou transnacionais explorar o território ou as pessoas que vivem lá.

Traduzido por Rodrigo Viana.
Publicado originalmente em Conjucture. Para ler o original clique aqui.


Bruno Lima Rocha é doutor em ciência política, professor e pesquisador.


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5 comentários:

Anônimo disse...

A propriedade privada deve ser permitida. Isso é essencial para se manter a liberdade e não ficarmos submetidos a uma maioria estúpida.

Anônimo disse...

Acho que, se houver a propriedade privada, é possível que uma classe se torne mais forte que outra e gerando os resultados negativos que vemos no Capitalismo, todavia acho que as instituições devem ser mantidas por meios de doações e que a abolição da propriedade privada também não abuse no direito das pessoas.

Anônimo disse...

O que acham de uma anarquia capitalista sem propriedade privada? Isso é muito possível, ainda mais hoje com a existência de moedas descentralizadas, mas nunca vi alguém levantar a hipótese.

Uma anarquia com propriedade privada seria proprietarismo, uma posse não pode ser 100% privada, isso seria uma ameaça, é como deixar alguém apontar uma arma para sua cabeça a todo instante, as posses são legitimas na medida em que são obtidas legitimamente e reconhecidas como não ameaçadoras.

Matheus Rodrigues disse...

Acho que o mutualismo séria o melhor modelo para ser aplicado nos dias de hoje e o que menos entraria em conflito com os outros países do mundo, o conceito de posse é parecido com o de propriedade privada sem o problema da especulação imobiliária por exemplo, é a propriedade privada com função social, só que de forma que realmente fosse aplicada

Matheus Rodrigues disse...

Não vejo problema na iniciativa privada, desde que a mesma não tenha a exploração do homem pelo homem e que os mesmos não acumulem grandes riquezas a ponto de interferirem na política como acontece hj

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